Algarvios ficaram em casa, mas não baixaram os braços, nem ficaram parados. Por toda a região surgem online dezenas de propostas para fazer em casa, destinadas a todas as idades e interesses. Cultura, desporto, literatura, expressão plástica, comédia e até receitas para animais de companhia são alguns dos conteúdos propostos.
Um mês e meio de confinamento em casa e distanciamento social que foi fértil, pelo menos, em propostas para atenuar os efeitos da quarentena, mas em segurança. As redes sociais e as várias plataformas online são palco para artistas, contadores de histórias, técnicos desportivos e até médicos, que não quiseram ficar parados.
«As coisas mais simples» é um desses exemplos. A página de Facebook nasceu no dia 10 de abril pelas mãos do professor de Português, Carlos Osório e do antigo diretor regional de Cultura do Algarve, João Ventura. Ambos de Portimão e com um interesse em comum, a literatura e em especial, a poesia.
«A ideia surgiu na sequência de outras atividades que temos. Pertencemos à direção do Instituto de Cultura Ibero-Atlântica e sempre que há oportunidade costumamos reunir um grupo de tertuliantes e organizar sessões de poesia. Fazemos uma seleção de poemas e damos aos participantes para os lerem em voz alta. Fazemos isto há seis anos. Desta vez, como estamos em confinamento, ocorreu-nos fazer o mesmo, mas em casa. Gravamos os poemas e partilhamos na Internet», conta ao barlavento Carlos Osório.
«Temos vários poemas de poetas algarvios e outros talvez mais combativos e contemporâneos. Damos preferência a textos menos conhecidos. Gravamos com o telemóvel, juntamos música clássica ou som ambiente, como a chuva, e publicamos. Esperamos agora contribuições de qualquer pessoa que livremente tenha interesse em participar», acrescenta. Por parte dos seguidores, nos primeiros cinco dias, o alcance foi de 200 reações. O que leva o professor a concluir que «há público que gosta. O que está na base é o mais puro espírito de partilha. Não podemos estar num espaço público, mas temos as tecnologias».
Ainda de Portimão, desta vez pelas mãos da Associação Teia d´Impulsos surge o primeiro ciclo de tertúlias totalmente online, dinamizado no Facebook. O coordenador do projeto «e-teia d´Ideias» é Nuno Vieira, médico de Medicina Interna no Hospital de Portimão, que explica ao barlavento que esta foi a única opção possível para substituir os debates presenciais que faziam parte do programa.
«Optámos por não deixar este vazio e aproveitar as oportunidades que as redes sociais nos permitem. Nasceu este formato de tertúlias, no qual dois a três convidados debatem um tema específico [tendo por base a COVID-19]. Quem quiser pode inscrever-se para participar e colocar questões. Os diretos acontecem todas as quintas-feiras e pontualmente ao sábado. O objetivo é dar a visão dos profissionais e responder às dúvidas relacionadas com a pandemia e o pós-pandemia, que vão desde o turismo, a saúde, a educação e a economia. A primeira tertúlia teve cerca de 50 participantes», refere.
Na mesma rede social surgiu também uma página que une os costumes da região à comédia, o «Algarvie Marafade». André Guerreiro, de 23 anos, licenciado em Agronomia e residente em São Bartolomeu de Messines, encarrega-se de publicar, todas os domingos, vídeos com anedotas e lengalengas. Às quartas-feiras há uma anedota escrita.
«Os temas que escolho resultam da pesquisa de material e conversas com as pessoas mais antigas aqui da região. A página é virada para os algarvios e para as tradições que não quero que se percam. As pessoas acham graça porque é material que ninguém conhece, só os mais velhos. Quero deixar este legado porque falar de tradição é preservar a nossa identidade. Escolho palavras usadas antigamente e com o meu sotaque, fica com muita graça», diz ao barlavento. Certo é que há vídeos que contam já meio milhão de visualizações.
Diretamente do concelho vizinho, de Lagoa, Daniela Luz, de 33 anos, é especialista em yoga, mindfulness e meditação. Trabalha a tempo inteiro num hotel, mas com o layoff viu no Instagram uma oportunidade para continuar a fazer o que mais gosta, dar aulas.
«Optei por dinamizar uma aula, às 18h00, ao domingo, em direto na página @luzretreatsyoga. São gratuitas e qualquer pessoa pode participar. O meu objetivo é o de providenciar o bem-estar. Este tipo de condicionamento que estamos a viver é assustador para as famílias. E pode agravar problemas relacionados com a depressão. Esta fase é um apelo para que as pessoas tomem atenção a si próprias. O meu papel é despoletar o voltar a confiar e o tentar encontrar alegria. Já fiz cinco sessões e está a correr muito bem. Costumo ter sempre cerca de 50 pessoas», contabiliza.
Ações que eram comuns nas rotinas das pessoas, como uma ida ao ginásio ou assistir à missa de domingo, passaram a ser proibidas. A cadeia algarvia de ginásios Gymnasium, fechou portas, de forma voluntária, dia 13 de março, mas não deixou de acompanhar quem quer manter a linha. Publica dois vídeos diários em quatro plataformas: YouTube, Facebook, Instagram e no site.
Há aulas de várias modalidades, dadas por técnicos, todos com cédula profissional, às 11h00 e às 18h30. De acordo com a responsável de comunicação da empresa, Paula Caleça, a iniciativa surgiu «porque não podíamos deixar de dar este serviço às pessoas. Criámos um conceito simples e agimos da maneira mais rápida possível. Quem nunca fez exercício está a começar a fazer e vejo até pessoas mais velhas, que nunca entraram num ginásio, a aderirem. Além disso, temos pessoas a assistirem de todo o país e até de França, México e Marrocos».
Ainda segundo a responsável, apesar de não ter previsões para a abertura dos espaços físicos em Faro, Portimão, Tavira e Olhão, há já certezas.
«As aulas nas plataformas são para continuar. Antes de abrirmos as portas de novo, vamos fazer uma desinfeção profunda, marcação de chão, reforçar dispensadores de álcool gel, colocar acrílicos na receção e não vão haver duches numa primeira fase. Além disso, existirá um termómetro de infra-vermelhos para medir a temperatura dos sócios. Quem estiver febril, não entra», assegura.
Por outro lado, também não há razão para perder a fé. Da parceria entre o jornal Folha do Domingo e a Mais Algarve, com o apoio da Câmara Municipal de Faro, todos os domingos, às 15 horas é transmitida a missa, em direto nas redes sociais, a partir do Paço Episcopal de Faro.
Para Samuel Mendonça, diretor do jornal, à semelhança do que outras paróquias também já estão a fazer, «o objetivo é prestar serviço à comunidade. O Bispo [D. Manuel Quintas] mostrou-se logo entusiasta e achou fantástico podermos tirar partido das tecnologias numa altura tão sensível como esta. Isto nunca tinha acontecido antes e a adesão tem sido incrível. Cada transmissão tem 50 mil pessoas desde algarvios, outros portugueses, e emigrantes de várias partes do mundo. O ato litúrgico é motivo de esperança e é a fé que a alimenta», descreve.
Os animais de estimação também não são esquecidos. Durante a semana, há duas atividades para toda a família a serem dinamizadas no Instagram por um jovem de 30 anos, residente em Faro. Tiago Braga adotou a sua primeira cadela há três anos. Hoje conta já com três, sendo que uma delas é cega e surda. Cedo percebeu, com os seus conhecimentos de fotografia e com a formação que o mestrado lhe deu, que podia partilhar o que sabe com outras pessoas.
Para esta altura criou o projeto «Cãorentena com Eles» na página @3.of.hearts para partilhar vídeos. Os conteúdos são variados e abordam, desde receitas para cães, a conversas com profissionais de veterinária ou pessoas com voz ativa na comunidade. Cada vídeo tem cerca de 500 visualizações.
«Estudei biotecnologia, o que me permite saber qual o potencial e o composto bioativo de cada ingrediente. Sei que para muitas pessoas é um grande ponto de interrogação o que um cão pode comer, além da ração. Daí surgiam as receitas. Em paralelo, gravo conversas, nas quais abordo temas como a esterilização, abandono, curiosidades, raças e neste caso, o novo Coronavírus». Para Tiago Braga, o objetivo é mostrar «que o cão pode e deve ter um papel ativo na família. Divirto-me, aprendo e quero passar uma mensagem» positiva.
Para as crianças também há propostas
Em Loulé, a mãe de duas gémeas de três anos, Daniela Pinheiro, é educadora de infância na Fundação António Aleixo. Para a quarentena criou a página no Facebook «Bichinhos Carpinteiros», inspirada nas filhas, que como qualquer criança nestas circunstâncias, têm dificuldade em estarem quietas e entretidas em casa. «Foi uma necessidade enquanto profissional e enquanto mãe. Pensei que se eu estava com dificuldades e sou da área, como seria que os outros pais se estavam a sentir? Pensei nisso e de que forma poderia contribuir para ajudar as crianças a estarem ocupadas. Todos os dias, eu e a minha colega Sandrine Tavares, professora de música, dinamizamos a página», diz ao barlavento.
Diariamente, além da hora do conto, há uma sugestão de atividade para os pais fazerem com os filhos, que vão desde a expressão plástica, sessão de motricidade e até culinária.
Além disso, Sandrine disponibiliza sessões de música à guitarra. Outra proposta que tem vindo a ter muita aceitação é o «Bom dia» personalizado, em que os pais podem dar o nome das suas crianças, para que estas, no dia seguinte, tenham um despertar diferente e particular. «Todos os dias apresentamos coisas novas. A adesão tem sido muito mais do que imaginava e temos casais que nos assistem do Brasil, França e Espanha. A verdade é que as pessoas estão em casa e têm necessidade de algo que as apoie. O meu objetivo é ajudar as famílias a lidarem com o confinamento», acrescenta a educadora de infância.
De outro lado do Algarve, de Portimão, Márcia Gamito tem um projeto semelhante. Com 35 anos e licenciada em Animação Sociocultural, tem uma loja de brinquedos educativos ecológicos e um Centro Lúdico. Habituada a trabalhar com crianças, também cedo percebeu a necessidade de entreter os mais novos, numa altura em que tantas horas passam fechados em casa. Surgiu assim o canal do YouTube, «En´Cantos de Ideias», onde todos os dias são partilhados novos vídeos.
«São, na maioria, histórias que leio ou conto, mas também já gravei um vídeo com uma sugestão de atividade para a Páscoa», começa por revelar ao barlavento. No entanto, têm um lado diferenciador das demais.
«As mensagens que escolho e realço são muito fortes. O objetivo é que os pais possam, depois, explorar, conversar e criar algo com os filhos que lhes faça lembrar aquela mensagem em particular. A adesão tem sido muito positiva e alcancei 400 visualizações em pouco tempo. Nesta altura, as famílias precisam deste apoio, uma vez que começam a esgotar as atividades que podem fazer. Agora, preparo outras dinâmicas para o canal e está em fase de criação, o meu primeiro livro», conclui.
Um aniversário diferente
No Natal, o Boa Esperança Atlético Clube Portimonense, coletividade de Portimão famosa pela sua tradição na revista à portuguesa, surpreendeu miúdos e graúdos com a peça de teatro «O Sonho de Ernesto».
Agora, Carlos Pacheco, encenador e ator, juntou a sua equipa de oito pessoas e decidiram criar uma atividade que pudesse fazer a diferença na comunidade. «Imagino a problemática que é para os pais estarem fechados em casa quando as crianças fazem anos. Nós recebíamos muitas festas de aniversário e depois de vermos alguns vídeos em que os bombeiros passam à porta das habitações dos aniversariantes como forma de dar os parabéns, pensei que podíamos ir mais longe. O que estamos a fazer é a ir à porta de casa das crianças, com música, vestidos com as personagens da peça de teatro do Natal, para celebrar este dia tão especial para os mais pequenos», explicita o ator.
As reservas são feitas com antecedência. Certos dias, a equipa não tem mãos a medir e participa em mais de cinco aniversários. «A Bruxa Má, a Bruxa Boa, as Fadas, o Ernesto e a Mãe Natal, com viseiras, chamam as crianças à janela, cantam-lhe os parabéns, rebentam um foguete com confettis, fazem uma coreografia e a verdade é que acabam por animar toda a vizinhança! Todos adoram e tem corrido maravilhosamente bem. Há crianças a chorar de alegria e tem sido um sucesso. Até já temos reservas para pessoas com uma certa idade e a recompensa é apenas o sorriso delas. Isto é uma festa de anos diferente e dá um outro alento a tempos como estes. Acredito que será um aniversário que ficará na memória de todos», garante Pacheco.
Apesar de estar já a receber tentativas de reservas para junho, o coletivo não faz planos de continuar com o projeto quando o estado de Emergência terminar. No entanto, «O Sonho do Ernesto» é já uma certeza para a próxima época natalícia.
«Cinema à Janela»
O Cineclube de Faro, que desde 1956 promove a cultura cinematográfica na região, também encontrou uma alternativa peculiar para levar a sétima arte diretamente à casa das pessoas e com toda a segurança que este tempo de pandemia requer. Ao barlavento, o presidente Carlos Rafael Lopes descreve o projeto «Cinema à Janela».
«Começámos por suspender as atividades, mas mantivemos as Conversas de Cinema no WhastApp. Depois tentámos perceber que atividade podíamos desenvolver, tendo em conta as restrições. Uma das ideias foi a projeção de filmes nas fachadas dos prédios brancos e convidar as pessoas a assistirem, sem pôr em causa a segurança».
Assim foi e no sábado, dia 18 de abril, decorreu a primeira sessão, na Rua Ataíde Oliveira, em Faro, às 21h30, com a projeção de três curtas-metragens de Chaplin.
«De alguma forma quisemos celebrar o aniversário do seu nascimento [16 de abril] e o aniversário do Cineclube [6 de abril]. Estas são sessões para se repetirem todos os sábados e talvez para continuarem, não só no Algarve, mesmo quando a pandemia acabar, porque a adesão foi muito boa e no fim todos bateram palmas das janelas
e varandas», conclui Lopes.
Museus do Algarve fecharam portas mas não pararam
Em tempos de distância e encerramento, provocado pela COVID-19, a Rede de Museus do Algarve (RMA) tem vindo a manter um serviço de proximidade com os seus diversos públicos, audiências e amigos, através de outras formas e estratégias de interação digital. Por exemplo, O Centro de Ciência Viva do Algarve está a publicar, todos os dias, pequenos vídeos de atividades ludico-científicas.
Numa época desafiante, o Museu de Portimão também está a reforçar a oferta de conteúdos online. O Museu Municipal de Faro e o Museu Regional, ambos de portas encerradas, nem por isso deixam de estar ativos ou divulgar o património cultural. Têm vindo a ser dinamizadas atividades pelos Serviços Educativos, equipa de Investigação e equipa de Restauro, em que o lema é entrar em casa de cada um. O Museu de Lagos tem já disponível online uma visita virtual ao Mercado de Escravos – Núcleo Rota da Escravatura.
Também o Museu do Traje, em São Brás de Alportel, alterou o seu site passando agora a integrar informação atualizada da evolução da COVID-19 a níveis local, nacional e mundial. Numa segunda linha, tem vindo a divulgar, no mesmo espaço, sugestões de visitas virtuais ao Museu do Traje, a outros museus nacionais e internacionais, debates online, eventos, e sugestões úteis para um contexto de quarentena. Está neste momento a fazer esforços para iniciar um debate/reflexão sobre o papel dos museus num contexto como o que se vive atualmente.
Já a equipa do Museu Municipal de Loulé também está próxima da comunidade. «Queremos que neste tempo, em que nos dão o luxo de ter tempo, possam descobrir um pouco mais da nossa história, das nossas estórias, daqueles que viveram, amaram e construíram o território do concelho de Loulé. Queremos, em suma, que pertença à nossa família comum nesta partilha de conhecimento e no trabalho de reforço da identidade cultural das nossas comunidades», através do Facebook. Segundo a RMA, «toda a toda a inspiradora criatividade dos projetos já disponíveis» está centralizada num único website.