Um estudo do economista Eugénio Rosa concluiu que a crise económica e social causada pela pandemia está «a agravar ainda mais as desigualdades».
«A grave crise económica e social causada pela pandemia, que obrigou ao confinamento e ao fecho, nomeadamente dos setores mais débeis da economia, com perdas de emprego, de rendimentos e fecho de empresas, está a agravar ainda mais as desigualdades que já eram enormes no nosso país antes da COVID», lê-se no estudo hoje divulgado.
No trabalho, Eugénio Rosa analisa «o aumento da desigualdade na repartição da riqueza criada no país pelo Produto Interno Bruto (PIB) entre os trabalhadores e os donos do capital no período 2008/2019, assim como as profundas desigualdades salariais que existem entre os próprios trabalhadores e trabalhadoras, que não são apenas de género, e que permitem às entidades patronais apropriarem-se de uma parte ainda maior da riqueza criada no país».
«É este contexto de enormes desigualdades que já existiam antes da pandemia que torna mais grave a situação atual», sustenta o economista.
Tendo por base os dados das contas nacionais divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o investigador – licenciado em Economia e doutorado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – avança que a diferença entre os salários recebidos pelos trabalhadores e o Excedente Bruto de Exploração recebido pelos donos do capital aumentou 75,6 por cento entre 2008 e 2019, de 7.303 milhões para 12.828 milhões de euros.
Isto porque se em 2008 os trabalhadores receberam 65.454 milhões de euros (36,5 por cento do PIB) em ‘ordenados e salários’ e os «donos do capital» receberam 72.757 milhões de euros (40,6 por cento do PIB) em Excedente Bruto de Exploração, esse valor passou para 74.640 milhões de euros (35 por cento do PIB) e 87.468 milhões de euros (41 por cento do PIB), respetivamente, em 2019.
«Entre 2008/2019, o total de ‘ordenados e salários’ recebidos pelos trabalhadores foi inferior ao Excedente Bruto de Exploração recebido pelos donos do capital em 149.957 milhões de euros, o que agravou enormemente a repartição da riqueza criada no nosso país», sustenta, precisando que, nesse período, «a parte do ‘trabalho’ no PIB diminuiu de 36,5 por cento para 35 por cento e a do ‘capital’ aumentou de 40,6 por cento para 41 por cento».
Segundo Eugénio Rosa, «esta desproporção na forma como é repartida a riqueza criada no país (PIB) ainda se torna mais clara quando se compara o número de trabalhadores com o número de donos do capital».
«Segundo o INE, no fim do ano de 2020 os donos do capital – designados de Trabalhadores por conta própria como empregadores – eram apenas 222,6 mil (4,6 por cento do emprego total), que se apropriavam de 41 por cento da riqueza criada no país (PIB), enquanto o número de trabalhadores por conta de outrem eram 4.044.800 (83,2 por cento do emprego total), que recebiam apenas 35 por cento da riqueza criada no país (PIB)», refere.
No estudo hoje divulgado, o economista aponta ainda a «grande desigualdade salarial» existente entre trabalhadores, sustentando que disso «se aproveitam as empresas».
«Portugal é um país de baixos salários (em 2019, o custo da mão de obra no nosso país correspondia apenas a 51 por cento da média dos países da União Europeia e a 46 por cento dos da Zona do Euro, segundo o Eurostat). Para além disso, também se verifica uma grande desigualdade salarial entre os próprios trabalhadores, imposta pelos patrões para aumentar a exploração», afirma.
Recorrendo aos mais recentes dados disponíveis (referentes a 2018, mas divulgados em 2021) relativos aos ganhos dos quadros das empresas enviados ao Ministério do Trabalho, Eugénio Rosa começa por comparar os ganhos anuais mais elevados (9.º decil) com os ganhos anuais mais baixos (1.º decil), concluindo que «o ganho mais elevado dos homens é 3,7 vezes superior ao dos homens com ganho mais baixo» e «o ganho das mulheres que recebem mais é 3,6 vezes superior ao das que ganham menos».
Já comparando os ganhos dos homens com os das mulheres, o investigador dá conta de «desigualdades enormes»: no escalão mais baixo, o ganho do homem é superior ao da mulher em 381 euros/ano, enquanto no escalão mais alto este diferencial ascende a 6.127 euros/ano.
Analisando o ganho mais frequente (a moda, ou seja, o valor recebido pela maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras), verifica-se que o das mulheres era 8.500 euros/ano (607 euros/mês) e o dos homens 8.881 euros/ano (634 euros/mês), enquanto a mediana era de 13.821 euros/ano (987 euros/mês) para os homens e de 11.891 euros/ano (8.849 euros/mês) para as mulheres.
«As desigualdades salariais no seio dos próprios trabalhadores/as e entre trabalhadores e trabalhadoras é aproveitada pelos donos do capital para aumentar a exploração de quem trabalha, para assim aumentar a parcela da riqueza criada de que se apropriam», considera Eugénio Rosa.
A este cenário junta-se uma política fiscal «profundamente injusta», sublinha.
Como exemplos, é dado o recente caso da EDP/Engie – que, através de um planeamento fiscal agressivo, conseguiu não pagar 110 milhões de euros de impostos – e o do não pagamento de IRS pelos reformados dos países ricos, o que levou a ministra das Finanças sueca a falar da ‘ingenuidade’ portuguesa».