Miguel Fernandes, cofundador e CEO da Dengun Startup Studio e Agência Digital, acredita que a região tem potencial para acolher mais e novas startups. Quem sabe, transformar uma num «unicórnio» algarvio.
Na gíria, as empresas unicórnio (unicorn) são as que atingem uma valorização de 100 milhões de dólares, o sonho de muitas startups. Há muitos fatores-chave para atingir o sucesso com tal magnitude e Miguel Fernandes, 39 anos, acredita que o Algarve também poderá vir a incubar e abrir caminho a novos «unicórnios», até porque já tem uma comunidade e massa crítica, ambas com capacidade de crescer a curto e médio prazo.
«O primeiro ponto é percebermos o que é um hub de empresas tecnológicas. Pode significar criar algo do tipo Silicon Valley ou pode significar focarmo-nos numa área específica e disruptiva, por exemplo, de turismo e inovação tecnológica, ou de Block Chain e focarmos a região nesta encruzilhada. São coisas diferentes. Não digo que uma não pode crescer para a outra, mas penso que terá de ser um hub à nossa dimensão».
Que rumo seguir? «O rumo a seguir, segundo a estratégia que temos pensado com os stakeholders regionais, insere-se no âmbito de um projeto que é público e que está sobre a alçada da marca Algarve Tech Hub. Há um plano com 60 propostas de ações que, em conceito open source, é aberto a contributos, para nos permitir chegar a algum tipo de hub tecnológico nos próximos cinco a 10 anos», detalha.
«Esse plano tem objetivos muito tangíveis que passam por multiplicar o número de empresas nas áreas de inovação por dois, assim como o número de empregos na região e o valor que é gerado, riqueza através da atividade empresarial, nessas áreas. O que acho que devemos perguntar é: como é que lá chegamos em conjunto? Como é que fazemos engenharia inversa para atingir estes objetivos? É isso que temos tentado fazer nestes últimos anos», responde.
«Gostaria que o Algarve Tech Hub fosse um facilitador para quem queira criar atividades empresariais e que fosse canalizado para os sítios certos da região na área da inovação e tecnologia. Como é óbvio, o nosso objetivo é que venham mais e novas empresas. Se houver uma marca com quem consigam comunicar e que as oriente para o sítio certo, seria um efeito muito positivo».
Fábrica local de startups
Não há muito tempo, Miguel Fernandes viu entrar no seu escritório «pessoas que fazem investimentos de 500 mil a dois milhões de euros por mês em startups, que se mudaram para a nossa região e que vieram falar connosco sobre o que temos em mãos em termos de novas ideias novas e giras para investir e, mais do que isso, para dar mentoria».
Isto porque a Dengun tem «dois grandes propósitos: ajudar as empresas da região e internacionais a crescer através da melhoria da presença e estratégia digital, que passa por melhorar websites, plataformas de ecommerce sempre com uma estratégia de marketing digital integrada e holística, quem não sabe para onde vai não existe vento que ajude. Temos mais de mil clientes e fazemos isso há 15 anos. A outra vertente é o Startup Studio para criar novas ventures digitais de forma sistemática e esperamos, com mais sucesso do que os modelos tradicionais».
Há projetos promissores? «Neste momento estamos a trabalhar em quatro startups diferentes. A que está mais desenvolvida é a Activbookings, que é um channel manager (gestor de canais hoteleiros) de experiências. Achamos que acabam por ser sempre as empresas internacionais que vêm retirar valor do tecido empresarial regional e local, cobrando taxas por cada reserva, dinheiro que poderia ficar para quem presta os serviços. A nossa ideia é tentar eliminar ao máximo esses intermediários, porque essa rentabilidade e os lucros não vão para os as empresas que estão aqui a trabalhar. O que fizemos foi criar um gestor de inventário das diferentes empresas de animação turística, que distribuímos a valores comissionistas bem mais baixos» que a atual concorrência.
«Isto acrescenta valor a quem distribui e também às empresas que usam a nossa plataforma. E este é um repositório de atividades que pode ser usado por mais startups. A nossa ideia é que permita a outros empreendedores criarem startups em cima da plataforma que temos vindo a desenvolver».
Por outro lado, «temos também desenvolvido uma aplicação móvel na área do wellness (bem-estar), dirigida a pessoas idosas, ligada a uma pulseira (smart bracelet), por exemplo, que pode dar-lhes alguma segurança caso alguma coisa aconteça. A ideia é que funcione com um modelo de assinatura (subscription). Estamos a trabalhar em parceria com empresas da região que já tinham este tipo de cliente, mas que lhes faltava este tipo de solução tecnológica. Estas ferramentas possibilitam a criação de novas startups».
E como se financia? «Acaba por ser um custo para nós. O que nos paga as contas são os serviços que prestamos. Desde que abrimos, temos canalizado e reinvestido todo o dinheiro para o desenvolvimento de startups. Todo o dinheiro que gerámos ao longo dos últimos 15 anos tem sido reinvestido na estrutura para podermos criar novas empresas. Ou seja, todo o dinheiro que se libertou dos trabalhos que fizemos nunca foi usado para comprar carros de luxo. Foi sempre usado para qualificar as pessoas, para aprendermos mais sobre gestão» e outras áreas.
«Unicórnios» com ADN algarvio
«O problema é como se valida uma ideia, se cria um protótipo e depois se leva ao mercado com clientes pagantes. Criar um produto não é o mesmo que criar uma empresa com sucesso. Eu posso criar um produto, o problema depois é ter clientes. Enganei-me a mim próprio durante anos com essa ideia. Uma empresa é muito mais do que apenas o desenvolvimento do software ou do design. Tem a ver com quem é o cliente e como é que se chega a esse mercado, entre outros». Neste aspeto, o empreendedor tem aprendido com o exterior.
«Temos trabalhado com empresas de Silicon Valley, de Nova Iorque e mais recentemente de Austin, no Texas. Através dos programas de apoio à internacionalização, que nos ajudaram a suportar parcialmente os custos, tivemos a possibilidade de ir a estas missões. Já trabalhámos com uma série de unicórnios e ajudámo-los a crescer, a partir daqui, do Algarve para o mundo. Por exemplo, a 15Five que é uma das maiores startups do mundo na área de HR (Human Resources Tech). Isso é importantíssimo porque prova que há vida inteligente no Algarve», considera.
«Quando conheci o CTO, numa das primeiras viagens que fiz aos Estados Unidos da América, começámos a fazer um trabalho muito esporádico, a ajudá-los na parte de programação mais complexa, pois temos uma equipa de desenvolvimento de software, programadores e engenheiros. Essa empresa gostou tanto do nosso trabalho que foi-nos pedindo para ajudar cada vez mais e mais. Hoje somos um dos únicos parceiro com quem trabalham, à exceção da equipa interna. Isto aconteceu há cerca de seis anos e ainda hoje trabalhamos juntos. Penso que na última ronda de investimento tenham conseguido mais 50 milhões de dólares. Como é óbvio, o trabalho que fizemos é utilizado pelos seus clientes. Sinto-me confortável em dizer que os ajudámos. Mas ao nível estratégico, de conhecimento e crescimento, o mérito é todo deles. Fomos subcontratados para fazer toda a parte da lógica, do backend, dos servidores. O website foi feito por nós, aqui no Algarve. Isto, além de nos orgulhar muito, deu-nos uma visibilidade sobre este mundo das startups sob diversos prismas».
Falta estímulo à mentalidade empresarial
Ainda antes da fundação da Dengun, empresa que ajuda os inovadores a ter sucesso, «eu e um conjunto de colegas tentámos criar uma startup. Percebi que era preciso mais conhecimento, mais dinheiro ou pelo menos, mais pessoas que se motivassem não só pela renumeração financeira, mas pelo sonho de criar atividade empresarial. Ao fim de um mês, os colegas estavam cada um a estudar para os seus exames e eu fiquei sozinho».
No entanto, a principal dificuldade até nem é o dinheiro. «O principal obstáculo é o mindset, o conhecimento empresarial. Acho que não somos expostos o suficiente ao que é isto de se criar um negócio, uma empresa, de se criar o próprio emprego e de se criar riqueza, deste o pré-escolar à conclusão da universidade. Nós somos formados nos primeiros anos. Se tentarmos injetar empreendedorismo ou uma mentalidade empresarial a alguém que já tem 15 anos, será muito mais difícil estimular este pensamento. Quando pergunto ao meu filho como é que vai ganhar dinheiro, a resposta mais óbvia é o low hanging fruit: os meus avós dão, ou o meu pai dá. Penso que este estigma tem de ser descontruído na base porque não vai haver esta sustentabilidade para toda a vida. Só há duas maneiras: ou se arranja um emprego, ou se ousa criar valor e criar uma empresa. Não devemos, contudo, enganar as pessoas. O empreendedorismo e o ser empresário são coisas diferentes».
Mesmo com a atual carga fiscal e burocrática, «para mim, nada invalida trabalhar o mindset empresarial. Se alguém não souber nada nas áreas STEAM (Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), se não houver esta dança, que na minha opinião deveria ser alinhada às temáticas da região como a RIS3 Algarve (Estratégia Regional de Investigação e Inovação para a Especialização Inteligente) e o Mar, por exemplo, de forma integrada, não vai haver talento para se criarem empresas». Ou «pode também acontecer que os nossos talentos vão, de forma remota, acrescentar valor à empresas de fora e não à riqueza que poderia ser criada aqui. Ainda assim, é preferível que hajam pessoas aqui a criar riqueza a empresas cujo o assento fiscal seja fora de Portugal. Basta olhar para os grandes grupos económicos portugueses que não têm as sedes fiscal cá».
«Cheira a Nova Iorque» em Faro
Miguel Fernandes fundou a a Dengun há 13 anos e desde então tem estado envolvido em vários projetos nacionais e internacionais, dos quais o mais recente Algarve Tech Hub. «O grande objetivo do Algarve Tech Hub foi criar uma estratégia regional e alinhada, porque fazer mais do mesmo e esperar resultados diferentes é a definição de insanidade». Um dos novos desenvolvimentos regionais a nível de infraestruturas é o novo edificio UALG Tec Campus que é gerido pela Algarve STP e onde a Dengun hoje em dia tem um dos seus escritórios.
«Na minha opinião, já começa a trazer resultados. Começam a vir aqui empresários internacionais que quando chegam nos dizem que cheira a Nova Iorque. É bom
e refrescante poder representar o Algarve a uma luz que não tínhamos. Por isso, tem de haver continuidade e animação deste ecossistema local. Mas esta é uma infraestrutura como existem outras em Lagos, Portimão e noutros locais do Algarve. Tem é de haver uma estratégia regional para animar. Ou seja: como é que criamos melhores empresas na área da inovação e da tecnologia? Acreditamos que é possível criar daqui para o mundo. Já temos as melhores condições para se viver, porque é que não conseguimos atrair mais pessoas com este mindset e que o queiram fazer?», questiona.
E o Algarve é atrativo para empresas como a Dengun? «É muito atrativo para se viver e trabalhar a partir daqui. É o melhor sítio do mundo, na minha opinião e e há 20 anos que o defendo, especialmente para se trabalhar para fora. É o que fazem muitos dos trabalhadores remotos e nómadas digitais, pessoas entre os 40 e os 50 anos, que já estão noutra fase da vida, e que através dos programas (vistos) que temos, vêm para cá. Seja por uma otimização fiscal. Para mim, venham mais. Há problemas, claro, como o preço do alojamento e das casas que têm de ser pensados e resolvidos com estratégias concertadas, porque senão é tarde demais. Mas na minha opinião, isso é o que a curto prazo poderá trazer mais resultados: importarmos pessoas com mindset empreendedor, com saber fazer (know-how), com redes (know-who) de conhecimentos e que criam novas coisas», explica.
«Temos programas de vistos que estão a ser feitos pelo governo para quem queira vir empreender com a sua startup, estudar ou trabalhar. Acho que devemos apresentar isso como uma grande mais-valia. Mas não chega. Temos de tentar organizar essas pessoas nalgum sentido de comunidade algarvia, ao nível social. Muitos podem querer ir para Lisboa porque sentem que aqui não há massa crítica, ou que não é cosmopolita o suficiente. Temos de mostrar todos os movimentos que estão a acontecer para combater esse vazio», considera Miguel Fernandes, fundador da agência Dengun. «Há recursos como a Universidade do Algarve (UAlg), a ETIC_Algarve, o Geek_Lab e temos escolas com os currículos em inglês. Temos uma oportunidade de ouro para atrair nómadas digitais antes de ser moda em todo o lado».
Já «consigo enumerar algumas atividades de gente que veio de fora, nos últimos cinco anos. Por exemplo, o projeto The Modernist. Um casal de empreendedores que veio, diretamente de Paris para Faro, com a sua família, com o objetivo de investir na nossa região e que viu na arquitetura modernista da cidade um potencial de comunicação gigante para dinamizar as suas unidades de Alojamento Local na capital algarvia. Estão a empregar pessoas e a criar riqueza. E pagam impostos aqui. E há outros».
Neste momento, «temos um evento agregador que é o Algarve Tech Hub Summit, que permite a qualquer pessoa da região ou que venha de fora perceber qual é o ecossistema regional. Apresentamo-nos a uma só voz e com dignidade. E vão haver novidades em 2023. O evento começa a fomentar algum sentido de comunidade. Faltava aqui esta marca agregadora».