No dia em que a empresa EC Travel completa 10 anos de atividade, Eliseu Correia, 52 anos, partilha a sua visão sobre o mercado turístico pós-COVID-19. No ano em que faturou um terço do previsto, o empresário algarvio acredita que o Algarve deveria procurar posicionar-se, desde já, para estar na linha da frente das intenções de viagem assim que a pandemia der tréguas.
Barlavento: Como tem sido gerir uma empresa turística num ano como este?
Eliseu Correia: Nesta casa, entre os escritórios que temos no Algarve, Lisboa, Porto e Madeira, trabalham 20 pessoas. Não faço dinheiro desde março. Não tive Páscoa, tivemos um verão que começou no final de junho e durou meia dúzia de semanas, agravado pelo facto da total incapacidade que tivemos por parte do nosso governo de fazer valer os números da COVID-19 e de termos ficado de fora da primeira ponte área do britânicos. Significou isso que a Grécia, Espanha e todos os nossos concorrentes encheram as marmitas de clientes nesta primeira fase. Nós só fomos a jogo um mês depois. E quando conseguimos entrar para a zona verde, durante duas semanas tivemos um boom, mas conseguimos estragar assim que os números de Lisboa começaram a disparar. E em vez de alguém se ter logo demarcado e dito que Lisboa era uma coisa e o Algarve é outra para salvaguardar os nossos interesses, não fizeram nada. Aliás, fizeram aquilo que terá sido o maior erro de todos deste ano, pelo menos na minha ótica, que foi avisar com 15 dias de antecedência que íamos entrar em estado de calamidade. O que significa que comunicámos ao mercado turístico que não só tínhamos problemas como dali a 15 dias íamos estar bem piores, porque coincidia com o início das aulas, e íamos alterar o estado das coisas no nosso país. Tem sido uma vida muito difícil para qualquer profissional de turismo. Temos tido só coisas contra nós, nada a favor. Não foi tomada uma única medida que nos favoreça. Veja-se agora a proibição de circulação entre concelhos nos feriados. Era uma oportunidade para o pouco negócio que ainda podia haver. Nós somos um todo. As pessoas às vezes não entendem isso. O meu cliente vai para o hotel, para o restaurante, para o bar, vai meter gasolina, vai a todo o lado. Nós só conseguimos criar riqueza se tivermos cá gente. Isto não tendo ninguém, não funciona. Mas confinam-nos às nossas casas e proíbem-nos de circular. Não chega cá ajuda, não chega cá dinheiro a fundo perdido. É muito difícil entender como se considera que o turismo é alavanca da nossa economia e depois todas as medidas tomadas são em contrário. Foi arranjada uma linha de crédito para as empresas de exportação. Sabemos que 50 por cento dos serviços de exportação são turismo, imagine-se qual a área da economia que não foi contemplada nesta linha? O turismo. É inacreditável.
Que pode dizer em relação às reservas para 2021?
As reservas em casa para o próximo ano estão acima das reservas que tínhamos no ano passado na mesma altura. Ou seja, se compararmos as reservas que tenho em casa este ano, para a próxima época com o mesmo período do ano passado, tenho mais. Mas isso não quer dizer nada. Só tenho mais porque houve muita gente que cancelou as deste ano e depois alterou para o próximo ano.
Quais as suas expetativas?
Se houver entretanto uma vacina, seja qual for, ou um medicamento era ótimo, se isso acontecer, eventualmente podemos ver a tal famosa luz ao fundo do túnel porque o nosso maior inimigo neste momento chama-se medo. Esta indústria é muito sensível a tudo. Neste momento as pessoas não viajam, a maior parte, porque estão confinadas na Europa toda. Mas, à exceção desse pormenor, o medo tem sido o principal travão a que as pessoas se desloquem e venham para o Algarve e ao nosso país. Temos de passar do medo para segurança e esperança, que as pessoas não tenham medo de viajar. Aí poderemos ambicionar alguma normalidade, sendo que, a normalidade que vamos encontrar em 2021 não terá nada já com a normalidade que definíamos em 2019.
Acredita que esta pandemia vai mudar comportamentos a longo prazo, e que o turismo terá de se reinventar? Será que no futuro próximo, as pessoas vão evitar o tradicional turismo de massas e preferir outro tipo de oferta?
A indústria vai demorar tempo a retomar a velocidade que tinha em termos de volume. Agora, em termos de expetativa daquilo que as pessoas vão procurar, acho que vão querer aquilo de que têm saudades, ou seja, a tal normalidade. Penso que vão querer ir exatamente aos mesmos sítios onde iam antes disto tudo acontecer. Não acredito que vá haver uma maior consciencialização do género de procurar um hotel que seja «Clean & Safe», ou que tenha um carimbo de qualidade, ou um unidade no interior algarvio. Isso não vai acontecer porque estamos agora com um travão que se chama medo. Destravamos o medo e as pessoas vão à procura dessa normalidade que lhes é familiar. Ou seja, vão evitar os sítios que tenham medidas de segurança em exagero porque já lhes bastou terem estado confinados durante meses e depois irem para um hotel que parece que estão dentro de um laboratório. O turismo tem a ver com experiências, com emoção. O ser humano procura o bem-estar e conhecer coisas novas. Na minha opinião, a partir do momento em que houver segurança, vacinação e medicação, que é aquilo que precisamos, as pessoas vão retomar as suas vidas.
O Algarve devia estar a preparar-se para o pós-pandemia, certo?
Infelizmente, a nossa RTA e a nossa ATA são inexistentes. Assistimos, num ano destes, em que o único mercado era o doméstico e o nacional, em que se devia ter apostado todas as fichas nesse mercado porque com garantia não havia mais nada, a uma total inexistência. Não vimos nenhuma campanha na televisão, não vimos mupis ou outdoors em Lisboa ou no Porto, não vimos nenhuma ação especificamente virada para o retalho. Não fizeram nada. Agora, o que é necessário fazer e já devia estar na rua, são ações para qye quando chegarmos à tal normalidade, estarmos em Pole Position. Tal como o piloto Miguel Oliveira, arranca primeiro com o intuito de chegar primeiro. Mas isso não é assim. E não tem nada a ver com este 2020 e com a COVID-19. Isto sido assim todos os anos porque não somos pró-ativos. Somos reativos e isso agora dá mais nas vistas porque estamos todos na miséria. Estamos mais expostos.
Pode desenvolver mais esse raciocínio?
Vejamos que houve uma série de situações que foram completamente contra os interesses do Algarve e não houve contraditório. Temos uma RTA que não fez um único contraditório durante o verão inteiro. E tinha tanta, mas tanta coisa para dizer. Como sou homem de fé, tenho fé que possam pegar dizer alguma coisa, mas neste momento, que estamos quase em dezembro, diria que já vão tarde porque vemos as Canárias, e toda a concorrência a mexer-se, a posicionar-se a procurar a tal Pole Position e aqui não se passa nada. Diz o velho ditado que quem quer peixe molha o cu. Nunca vi ninguém dar-me nada se ficar sentado numa cadeira à espera que as coisas aconteçam. Não vejo a dinâmica necessária. Isto era ir lá para fora agora à força toda…
Há a verdade é que continua a haver muita incerteza…
A incerteza é a desculpa que todos utilizamos para não fazer nada.
Falemos da EC Travel que está a celebrar 10 anos de atividade…
A empresa nasce na chatice e não deixa de ser uma ironia do destino estar na chatice outra vez no ano que celebra 10 anos. Todos os anos anteriores têm sido de crescimento, em todos os aspetos. A empresa era uma start-up em 2010, numa altura em que todas as empresas de Destination, Management Company (DMC), como a minha, estavam a fechar. O nosso trabalho aqui é juntarmos todo o produto possível e imaginário que os clientes internacionais possam necessitar aquando das suas férias, criar esses conteúdos e passá-los aos operadores que por sua vez vão vendê-lo ao consumidor final. Os nossos principais mercados são o Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Espanha e o nacional. Quando arrancámos, isto foi logo considerado uma loucura. Respondi que andar em contramão também tinha as suas vantagens. Achei que tinha ali uma abertura porque olhava para o mercado e havia empresas DMC micro ou os grandes tubarões como a TUI. Ou seja, só havia os dois extremos, não havia a média. Eu não queria ser a maior. Queria ser o melhor, que prestasse os melhores serviços, que fosse tecnologicamente mais rápida e que conseguisse fazer mais com menos e mais depressa. Essa foi a ambição e foi assim que a EC Travel cresceu e passou de uma faturação, em 2011, no primeiro ano de seis milhões de euros, que já foi ótimo e no ano passado fez o melhor ano de sempre e faturou acima dos 30 milhões de euros, com 32 ou 33 milhões.
Imagine que não tinha havido a pandemia. Que se previa para 2020?
Havia a expetativa e foi trabalhado para que este ano fosse o melhor de sempre e ultrapassasse os 35 milhões. Era o que tinha projetado. Tive dois anos a preparar isto. Só consigo falar de coração e peito aberto. No dia 1 de março estava 25 por cento acima do ano passado a nível de reservas em casa. A perspetiva era que íamos chegar à meta com 10 ou 15 por cento de aumento que fariam os 35 milhões de faturação. Vou fazer possivelmente 10 milhões em 2020. Vou fazer um terço do que fiz no ano passado.
Dadas as condicionantes não é um mau resultado…
Conseguimos fazer um terço do valor porque tenho a melhor equipa do mundo e não há dúvidas nenhumas disso. Aliás, tive o cuidado de mesmo quando tivemos todos confinados, toda a equipa estar em contacto, nunca ninguém se desligar, exatamente pela questão da Pole Position que aqui referi. Para que quando houvesse o primeiro raio de sol no horizonte nós seriamos os primeiros. Os meus campeões fizeram um trabalho fantástico. Isto não era possível sem eles. Aliás, toda a história da EC Travel é um conjunto entre os que aqui trabalham e todos os outros que andam à volta da EC, desde os parceiros a quem compramos e os parceiros a quem vendemos. Quando costumo falar em família EC é genuíno, é do coração porque se criou aqui uma forma de estar na vida. Toda a gente que começou uma empresa no Algarve e quis ir à conquista do país sabe a dificuldade que é impormo-nos no mercado porque, regra geral, somos olhados de esguelha. Não somos levados muito a sério. Todas as distinções que conquistámos até hoje são de âmbito nacional. É um motivo de orgulho para toda a região, que esta empresa além de ser reconhecida a nível nacional por várias entidades distintas, das quais não temos qualquer tipo de relação, ou seja, completamente isentas.
Qual o objetivo para os próximos 10 anos?
A COVID-19 veio atrasar um processo que já estava em curso que é o meu fade out da empresa como timoneiro quase exclusivo e deixar a minha equipa com espaço para ter a sua assinatura naquilo que é a história da EC Travel, com a presença forte e marcante da pessoa que criou este projeto. No próximo ano vou ter de estar presente a 100 por cento. Em 2022 espero passar apenas 33 por cento do meu tempo útil na empresa. Sei que está bem entregue. Tenho a certeza que a equipa tem qualidade para levar isto para um outro patamar. Não é quer dizer que eu esteja acabado, pelo contrário, mas ao fim de quase 35 anos de carreira no turismo, é preciso saber sair de campo no auge e deixar espaço para os outros conseguirem criar outro rumo, mantendo a honestidade, a transparência, a verdade, a solidariedade, a entreajuda e a amizade que são a nossa essência. O sonho de qualquer gestor é poder dizer que isto anda sozinho. Sempre trabalhei nesse sentido da empresa ser auto-suficiente. Eu não tenho hipótese de ser imortal, mas a empresa tem essa hipótese.
E que planeia fazer se tiver mais tempo livre?
Tenho uma grande paixão, que é a minha vida de DJ, com os Bubba Brothers. No dia 12 de dezembro vamos dar um concerto no teatro Lethes. Vou fazer uma Silent Party. O conceito muito giro. Vamos ter 110 lugares, dentro das normas da DGS, como é óbvio. São 110 lugares que vamos oferecer para serem vendidos e angariados fundos para a PRAVI de Faro porque o apoio aos animais abandonados é uma causa que é muito querida.
Aliás a solidariedade é também uma marca do seu trabalho…
Faz parte do ADN desta empresa, a forma como nos inserimos na sociedade, a forma como não olhamos para o lado quando vemos um problema. Alguns não teriam solução só com uma EC, teriam de ser muitas ECs. O que costumo dizer é que não conseguimos mudar o mundo, mas temos obrigação de mudar o mundo de alguém. Hoje, segunda-feira, dia 30 de novembro temos uma ação com o MAPS em que toda a comida que será oferecida e todos os sacos que serão distribuídos nas próximas semanas, serão doadas pela EC Travel. Na terça-feira temos uma ação com o Marítimo-Olhanense, em que ajudamos a criar cerca de 100 cabazes para distribuir pelas famílias mais necessitadas de Olhão. Enquanto pudermos, vamos sempre, sempre ajudar. Acho que quem pode, devia fazer muito mais pela sociedade. Acho que as prioridades às vezes estão trocadas. As prioridades para qualquer governante seja governo central, seja uma autarquia ou freguesia é assegurar que ninguém passe fome e que ninguém durma na rua. Não posso aceitar como cidadão como ser humano. Não me educaram para ver isso, olhar para o lado e não fazer nada. Isto é uma questão humanitária. Envergonha-me e devia envergonhá-los a eles. Como é que em 2020 alguém pode ter essa realidade? Se fosse autarca, ou primeiro-ministro morreria de vergonha de saber que alguém estava a passar fome.
Palmarés EC TRAVEL
- 2016 PME do ano Revista Exame;
- 2017 100 melhores empresas para trabalhar Revista Exame;
- 2018 100 Melhores empresas para trabalhar Revista Exame;
- 2019 PME do ano Índice excelência Executive Digest;
- 2019 100 Melhores empresas para trabalhar Revista Exame, TOP 3 nacional;
- Vários prémios PME Execlência e PME Líder;
- Passou de 6 milhões de euros de faturação em 2011 para 34 milhões de euros em 2019. Em nenhum ano fez um lucro inferior ao ano anterior.