Luís Carito mostra-se confiante num bom resultado nas próximas autárquicas. Em entrevista ao barlavento, conta a sua versão dos factos do mediático processo da «Cidade do Cinema» e pede desculpa à população de Portimão pelo episódio do papel.
Entregou o cartão ao Partido Socialista (PS) depois de 37 anos de militância. Garante que não vai deixar de ser médico e, apesar dos percalços iniciais do lançamento da candidatura independente à Câmara Municipal de Portimão.
barlavento: Como lidou com tudo o que lhe aconteceu ao longo destes dez anos?
Luís Carito: Acima de tudo com paz de espírito, de quem tem a consciência de estar inocente de todas as acusações. Desde o início do processo que decidi enfrentar toda a situação de cabeça erguida, consciente da minha inocência, tendo, mal me foi permitido, regressado, ainda com pulseira eletrónica para trabalhar no Centro de Saúde de Portimão, como médico. Sempre foi meu objetivo que toda a situação fosse julgada e a minha inocência provada, em lugar próprio, no Tribunal de Portimão, não tendo por isso sequer usado a prerrogativa de abrir a instrução do processo. Na minha vida cometi erros, tive falhas, mas nunca cometi crimes. Isso está demonstrado e provado no processo de que fui um dos visados. Toda a minha vida, todas as minhas relações empresariais, políticas, familiares, pessoais, foram vistas à lupa, para não dizer ao microscópio. Todos os movimentos bancários, todos os contratos que fiz, onde estive, com quem estive, sobre o que falei. Toda a minha vida foi convertida em páginas de um processo judicial. O resultado de vários anos de investigação profunda, levada a cabo por dezenas de inspetores, é que não se encontrou uma única prova da prática de qualquer tipo de crime. Nem de qualquer coisa que fosse punível com uma simples multa. Isso dá-me uma grande liberdade de atuação. Não tenho telhados de vidro nem nada a esconder.
Mas, se não havia nada contra si, como justifica a existência do processo?
Os processos iniciam-se por suspeitas, mas depois é preciso investigar, recolher elementos e decidir. Seria fastidioso aprofundar o método de investigação português de prender primeiro e investigar depois, arrastando o processo por anos. O que importa é que o Ministério Público, depois de envolver dezenas de peritos, no julgamento, pediu a absolvição. Os três juízes decidiram pela absolvição e ninguém recorreu, nem sequer a assistente Câmara Municipal de Portimão. Agora, falta fazer a história de todo este processo. Um processo que durou sete longos anos até ao julgamento e absolvição. O mesmo que dois mandatos do atual executivo. Sugere a existência de uma cabala contra si? Não me espantaria que chegássemos à conclusão de que as suspeitas que estiveram na origem do processo tinham, além da sua componente judicial, um objetivo político. E que essas suspeitas tenham sido empoladas até à exaustão para justificar as buscas e as detenções, que teve como objetivo a obtenção das provas, que nunca foram encontradas porque não existiam.
E quem teria essa intenção política? As forças da oposição?
É evidente que seriam as forças da oposição. Mas, neste caso, não falamos só de uma oposição partidária externa, mas também da oposição interna, que se começava a posicionar. O PS tinha obtido uma das maiores vitórias eleitorais de sempre em 2009, que ratificava um percurso de gestão autárquica e eu, enquanto vice-presidente, não podendo Manuel da Luz voltar a concorrer, seria o candidato natural para dar continuidade a um projeto autárquico planeado para 20 anos. Sucede que, na altura, com a extinção do Governo Civil, a então governadora civil tinha ficado sem colocação política e viu-se na contingência de ter de regressar à sua profissão de professora. A única forma de se manter na vida política ativa seria através de uma candidatura à Câmara, mas esse lugar estava ocupado, não só por mim, mas por uma equipa coesa. Para conseguir cumprir esse objetivo não bastaria que fosse eliminado um rosto. Seria necessário aniquilar toda uma equipa. Este processo cumpriu bem esse objetivo, fosse ele consciente ou não. Estou apenas a elencar factos e não a responsabilizar diretamente quem quer que seja pelo processo judicial, que fique claro.
Houve também o mediático caso do papel que o senhor «comeu»…
Eu só tenho de pedir desculpa à população de Portimão pelo episódio do papel e de não ter tido a frieza de não ter tido aquela atitude, que aliás, veio a provar-se que foi uma coisa irrelevante, mas que se tornou chacota nacional.
E afinal que papel era?
É o documento n.º 3453 do volume 11 do processo.
Mas o senhor não «comeu» o papel?
É verdade que fingi meter o papel na boca, mas é falso que o tenha engolido.
Porque o fez?
Para quem está de fora e avalia a situação com base em notícias sensacionalistas, dificilmente consegue ter uma perceção do que aconteceu. Tinha-me deitado de madrugada e acordei às 7 horas da manhã com uma invasão em casa que mais parecia um assalto. Inspetores a abrirem gavetas, a revistar tudo e a fotografar tudo. Depois perguntavam o que era isto, o que era aquilo. Um inspetor já tinha pegado no tal papel, já o tinha visto, já o tinha fotografado, que necessidade tinha de me perguntar, de novo, o que era aquilo? Irritei-me com a situação. Peguei no papel e num ato de mera provocação simulei metê-lo na boca.
Na altura, falou-se num papel comprometedor com nomes, números de telefone e valores…
Sim, a comunicação social avançou essa ideia, que é completamente falsa. Nenhum dos inspetores diz que o papel tinha qualquer informação relevante e tanto o Ministério Público como os três juízes do coletivo concluíram que o conteúdo não tinha qualquer relevância. Quando esse episódio aconteceu estávamos várias pessoas no mesmo espaço. Um dos inspetores, ouvido como testemunha, assegurou que eu engoli uma folha A4! Outro afirmou que era um post-it! Veja bem! O momento mais marcante de todo o processo, aquele que mais tinta fez correr na comunicação social, que abriu noticiários em todo o país, numa das maiores campanhas de destruição pessoal e de caráter que se fizeram no Portugal democrático, num enxovalho púbico sem comparação, não ficou sequer registado na memória dos inspetores ao ponto de ambos não concordarem na dimensão e na cor do tal papel. Um deles fala numa folha A4 e o outro num post-it. Depois deita-se esta informação para a comunicação social esventrar a seu bel-prazer… Quem o fez? Com que intenção?
No entanto, esse episódio acabou por prejudicá-lo…
Acha que alguém que a vê a sua casa invadida às 7 horas da manhã, a ser confrontado com papéis e perguntas estúpidas feitas com o objetivo de criar stress e nervosismo, pensa na política, no futuro, ou na consequência de um mero ato provocatório? Acha que seria suposto, sabendo toda a gente envolvida naquelas buscas, que o papel não tinha qualquer relevância, que esse gesto provocatório fosse divulgado da forma como foi?
Mas foi. E o senhor será confrontado com essa situação durante a campanha eleitoral…
É evidente que sim. Uma coisa é certa e ninguém o poderá negar: e era apenas um lembrete. Os inspetores sabiam-no e disseram-no em Tribunal. Por isso as notícias que saíram ou foram uma invenção para vender jornais, ou alguém se encarregou de passar ideia para a comunicação social, com o objetivo de uma aniquilação definitiva.
Da forma como vê o que aconteceu, poder-se-á considerar que concorre agora à Câmara de Portimão motivado por um desejo de vingança?
O que me motiva não é qualquer desejo de vingança. Quero que se esclareçam, de uma vez por todas, todas as situações do passado. Talvez um dia se saiba porquê, mas a verdade é que se interrompeu um projeto a 20 anos para que Portimão pudesse evoluir para uma melhor qualidade de vida. Que ficou interrompido? Há um projeto que foi pago pela autarquia e que está na gaveta há anos, se é que ainda não o deitaram para o lixo, feito pela SaeR (Sociedade de Avaliação Estratégia e Risco, Lda) de Ernâni Rodrigues Lopes, para um Centro de Mar. Por outro lado, o projeto do cinema não era apenas para fazer filmes. O que se pretendia era criar uma fileira do digital, uma área ainda hoje em grande evolução. Um projeto tão mau, tão irrealizável, que hoje está a ser implementado em Loulé. Na altura, o objetivo era criar uma elevada diversificação económica, para que não acontecesse de novo o que está a acontecer hoje, em que estamos dependentes do turismo e ainda por cima de um turismo de um nível baixo, que é o primeiro a ressentir-se quando há uma crise. Isso ficou provado com esta pandemia. Pergunto-me qual é hoje a estratégia para esta cidade?
Essa crítica não terá a ver com a dívida que o senhor deixou?
Que deixei? Não! Todas as decisões relativas a despesa foram tomadas com base em Orçamentos e Planos de Ação, sempre decididas de forma coletiva, democrática e transparente, quer pelo executivo municipal quer pela Assembleia Municipal de Portimão. Quando saí da Câmara, a dívida estava toda estruturada. O nosso plano só não foi aprovado pelo Tribunal de Contas (TC) porque a lei não permitia que o factoring sem recurso fosse considerado dívida financeira. Foi considerado dívida a fornecedores e isso baralhou as coisas. Foi essa a questão. Na realidade, os fornecedores já tinham o dinheiro do seu lado, embora com alguns custos que nós suportaríamos. Mas foi essa nuance o TC recusar o visto. Isso teria sido resolvido caso não tivesse ocorrido a situação do processo e o nosso afastamento compulsivo da gestão da autarquia. O que fizemos foi comprar uma série de infraestruturas, equipamentos e serviços que faziam falta à cidade, tal como a promoção do destino turístico Portimão, a pagar a prazo ao banco, tal como faz quem compra uma casa. Nós sabíamos que o argumentário político era de nos chamar gastadores e despesistas. Claro que em 12 anos de gestão autárquica, poderemos ter cometido alguns erros, mas Portimão era a cidade mais falada, pelos melhores motivos, a nível nacional. Concorreu com Lisboa e o Porto e assumia-se como a verdadeira capital algarvia. Isso foi positivo para todos, porque valorizou os preços das habitações, das estadias, o comércio e o turismo. Quando saímos da Câmara tínhamos em carteira um leque de investimentos privados superior a mil milhões de euros, que não foram implementados pela inépcia do executivo atual. A receita direta que a Câmara tinha com estes investimentos privados era suficiente para pagar todo o passivo acumulado. O atual executivo não fez nada de novo, a não ser manter o Plano de Reestruturação da Dívida, porque foi a alteração da lei pelo governo que permitiu ao TC aprová-lo.
Quando é que vai apresentar o seu novo programa?
No início de julho.
E o resto das suas listas?
Durante o mês de julho vamos apresentar todas as pessoas. Posso avançar que a cabeça de lista à Assembleia Municipal de Portimão é Ângela Venâncio Quadros. É preciso que fique bem claro que será uma lista de pessoas independentes e de pessoas de três partidos, em coligação, o CDS, o Nós, Cidadãos! e o Aliança. O que queremos é uma perspetiva de cidadania, de vários quadrantes políticos. Se calhar, vamos ter algumas surpresas. A ideia é que Portimão volte a ser mais feliz do que é hoje e que volte a ter uma perspetiva de futuro, com planeamento adequado para tornar este município na capital do Barlavento.
Já não é militante do PS?
Já não. Escrevi uma carta ao António Costa, enquanto secretário- -geral do PS e também ao secretário- geral adjunto, informando- -os que deixava de ser militante ao fim de 37 anos, porque não me revejo naquilo que é o PS hoje em dia. Não estou a falar em termos de ideologia, pois não mudei a minha ideia de sociedade.
«Bode expiatório» do PS
Em entrevista ao barlavento, Luís Carito recorda que «quando fomos detidos, acho que aqui posso falar por todos, achávamos que, até ser proferida uma decisão, contaríamos com a solidariedade política e pessoal daqueles que nos eram mais próximos, ou seja, do Partido Socialista (PS). Não foi isso o que aconteceu. O PS, mais do que nos marginalizar, usou-nos como bodes expiatórios de todas as suas falhas, tentando apagar da memória coletiva e da história tudo o que de bom foi feito. Era como se eles não tivessem sido eleitos num processo de continuidade, como se os membros da Assembleia Municipal não fossem os mesmos, como se os membros das Juntas de Freguesia não fossem os mesmos, como se os corpos dirigentes tivessem caído do céu. Nós éramos os maus e eles os bons. Custa muito sairmos à rua, encontrarmos pessoas que partilharam connosco inúmeros momentos altos, que nos telefonavam a pedir ajuda e apoio, que confidenciavam as suas mágoas, partilhavam os seus sonhos, virarem- nos a cara, cuspirem para o chão. Se isso dói a quem tem sentimento de culpa, imagine o que custará a quem está de consciência tranquila», recorda. Por outro lado, «também aconteceu o oposto. Pessoas que via como adversários aguerridos e por vezes violentos no confronto político demonstrarem um humanismo que não esperava. Viam-me na rua e paravam o carro para dar um abraço, manifestar solidariedade. Aprendi da pior forma possível que é verdadeiro o princípio de que no nosso partido estão os inimigos e nos outros partidos os adversários. Gostaria que o atual executivo, se sujeito à mesma investigação, tivesse o mesmo resultado».
Candidatura é melhor que absolvição
Luís Carito, agora na condição de candidato independente à Câmara Municipal de Portimão, «esperava que com a minha absolvição, o comportamento do Partido Socialista (PS) se alterasse. Não digo que me regenerasse, mas, pelo menos, que deixasse de ter um comportamento hostil. Não aconteceu. Tanto lhes fez que eu tivesse sido condenado ou absolvido. Talvez preferissem a condenação. Com o retorno à minha vida social, ia partilhando ideias e sonhos com pessoas que gostam da política pela política. Quando me perguntaram se estaria disponível para dar a cara por este projeto, emocionei-me. Foi o dia em que me senti verdadeiramente reabilitado para a vida, mais do que quando foi proferida a sentença de absolvição. Mais do que ter sido declarado inocente, este convite diz que ainda faço falta e tenho valor. Ninguém, no meu lugar, depois de passar o que passei, ficaria indiferente. Tenho consciência das dificuldades. Mas mais do que nunca Portimão precisa de uma alternativa que não passe só pela mudança de rostos, mas pela criação de uma equipa multifacetada, nova, com projetos e ideias inovadoras, que retomem a dinâmica de cidade que Portimão já teve. Queremos que Portimão volte a ser Portimão!».
«É preciso haver coerência»
Os primeiros outdoors da candidatura de Luís Carito à Câmara Municipal de Portimão interpelam a autarca de Portimão, Isilda Gomes. A mensagem, contudo, mereceu críticas nas redes sociais. «É uma campanha que pretende demonstrar que as pessoas têm de ter integridade e assumir os seus erros, sobretudo quando ocupam cargos públicos. Não há uma causa-efeito, mas a vacina que a senhora presidente tomou naquela altura poderia ter sido dada a alguém prioritário, conforme o protocolo que estava em vigor. Estávamos em janeiro, havia poucas vacinas disponíveis. Muitos de nós, médicos, enfermeiros, auxiliares de saúde e bombeiros, que estavam na linha da frente na luta contra a pandemia COVID-19 foram vacinados mais tarde. Estavam definidos um conjunto de procedimentos e ela ultrapassou a lei e não pediu desculpa. Foi prepotente e não reconheceu que não agiu da melhor forma», justifica Luís Carito. «E por isso é arguida», o que leva ao segundo cartaz. «Há oito anos, Isilda Gomes disse que quem é arguido não deve ser candidato» às eleições autárquicas, algo que o Partido Socialista (PS) reforçou recentemente. «Apenas lhe perguntei o que tenciona fazer agora».