A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) analisou as propostas eleitorais dos nove partidos políticos eleitos em 2019.
A análise da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) centrou-se nas propostas do Bloco de Esquerda (BE), Centro Democrático Social (CDS), Coligação Democrática Unitária (CDU), Chega, Iniciativa Liberal (IL), Livre, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Partido Socialista (PS) e Partido Social Democrata (PSD).
A análise teve em atenção, as políticas-chave com potencial transformador das condições de vida das mulheres e raparigas:
- Violência masculina contra as mulheres e raparigas;
- Economia feminista (feminização da pobreza, desigualdade salarial entre mulheres e homens, orçamento sensível ao género, trabalho não pago de mulheres e de homens, trabalho doméstico remunerado, prestação de cuidados informais, prestação de cuidados formais, equipamentos, articulação do trabalho com a vida familiar e pessoal e tempos de trabalho);
- Habitação;
- Saúde;
- Paridade;
- Educação feminista;
- Organizações de mulheres.
Conclusões
Depois de analisados os nove programas eleitorais para a legislatura 2022-2026 dos partidos eleitos em 2019, quais a preocupações enquanto organização da sociedade civil organizada, que visa a realização dos direitos humanos de todas as mulheres e raparigas?
«O desaparecimento progressivo do sujeito político mulheres com interesses e necessidades próprias na agenda política, com reflexos evidentes nos financiamentos para as políticas para a igualdade entre mulheres e homens e para as associações de mulheres e os serviços que estas gerem;
O crescendo de misoginia presente no sexismo que continua naturalizado e (in)visível na sociedade portuguesa, não gerando a indignação que outros atropelos aos direitos humanos geram na sociedade portuguesa;
A escuta deficitária das vozes das mulheres por parte dos partidos políticos e o devido reconhecimento das associações de mulheres como peritas e partes importantes na definição das políticas públicas.
Em 2022, verificamos: uma redução dos espaços específicos de consulta às organizações de direitos das mulheres; uma ocupação dos espaços próprios da influência das mulheres por outros sectores de interesse; resistência à inscrição de financiamento específico e adequado para as associações de mulheres em OE; escassa validação do conhecimento produzido pelas associações de mulheres.
Exigimos a definição e implementação de políticas públicas transformadoras que visem a eliminação das desigualdades e das discriminações entre mulheres e homens: políticas que tomem plenamente em consideração a contribuição que as mulheres dão à economia e ao desenvolvimento das sociedades; que procurem o bem-estar de mulheres e homens, raparigas e rapazes, a todos os níveis; centradas no cuidado, e investindo em serviços públicos; que valorizem o trabalho não remunerado, a prestação de contas e a transparência; que apresentem uma abordagem holística que liga a economia ao bem-estar e ao bem comum, considerando que as atividades de todas e todos contribuem de facto para o bem comum; e concebam a cooperação como central para o funcionamento das sociedades.
Sublinha-se uma vez mais que a discriminação com base no sexo não é idêntica a outras formas de discriminação, dado o carácter estrutural e transversal da discriminação contra as mulheres e as formas específicas que pode assumir», lamenta a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM).
Análise
1) Violência masculina contra as mulheres e raparigas
Para a Plataforma, todas as formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas estão relacionadas e formam um continuum, traduzindo-se em muitas e diversas formas, desde violações óbvias dos direitos das mulheres, como o femicídio enquanto a manifestação mais severa de violência, a formas mais subtis ou distorcidas de controle sobre as suas vidas, os seus corpos e a sua sexualidade, incluindo a violência sexista online e a exploração sexual na prostituição e na pornografia.
Neste campo, sete partidos políticos enfatizam o combate à violência doméstica. Alguns avançam com compromissos no combate a outras formas de violência:
BE: violência sexual;
CDU: prostituição;
Chega: violência sexual contra menores;
IL: violência sexual de pessoa incapaz de resistência;
Livre: violência sexual, tráfico de seres humanos e prostituição;
PAN: violência sexual, mutilação genital feminina, exploração sexual de crianças e pornografia, tráfico de seres humanos e prostituição;
PS: violência no namoro, disseminação não consentida de conteúdos íntimos através de meios digitais, discurso de ódio nas redes sociais (embora sem explicitar o discurso de ódio sexista), acrescentando uma referência geral a todas as formas de violência contra as mulheres;
PSD: referência ao assédio sexual e aos crimes sexuais (sem apresentar medidas).
No entanto, dois partidos não fazem qualquer referência à violência contra mulheres: CDS-PP e Chega.
«Regozijamo-nos por nenhum partido político defender a regulamentação do sistema de prostituição ou a descriminalização total. As mulheres aplaudem», diz a Plataforma.
Três partidos, CDU, Livre e PAN, apresentam propostas para programas de saída do sistema de prostituição.
Um partido, o Livre, defende o reforço à investigação e combate ao crime organizado que alimenta a prostituição, o proxenetismo e o tráfico humano.
Outro aspeto positivo é que «há cada vez mais partidos a reforçar o combate à violência sexual. Porém, numa sociedade digital em que sabemos que a violência contra as mulheres e raparigas online é uma expansão da violência offline, verificamos que apenas um partido apresenta proposta concreta», neste caso, o Partido Socialista (PS).
2) Economia feminista
A forma como tradicionalmente é medido o crescimento e a produtividade ignora as contribuições inestimáveis do trabalho invisível e não pago esmagadoramente ainda desempenhado pelas mulheres, ou precariamente mal pago e desvalorizado, com consequências nas desigualdades entre mulheres e homens aos níveis da pobreza, salários, rendimentos, pensões, entre outros.
A Plataforma alerta para a «feminização da pobreza», sabendo-se que em tempos de pandemia foram as mulheres quem mais empobreceu, nenhum partido apresenta propostas dirigidas às mulheres. Há propostas que concorrem para aumentar os rendimentos das mulheres assim como os dos homens. Há propostas para atenuar a pobreza das crianças, com incidência positiva indireta sobre mulheres que são 85 por cento das famílias monoparentais.
No que toca à desigualdade salarial entre mulheres e homens:
BE: propõe alargar a fiscalização da desigualdade salarial a todas as entidades empregadoras;
CDU: defende a concretização da igualdade salarial;
Livre: propõe estabelecer um padrão de igualdade salarial;
PAN: quer fazer cumprir a igualdade remuneratória através de mecanismos de fiscalização;
PS: propõe avaliar os impactos da lei da igualdade salarial entre homens e mulheres.
«Aplaudimos esta medida pois seria importante a sua expansão a empresas de menor dimensão, sabendo-se que é aqui que as mulheres estão concentradas», considera a PpDM.
O PSD quer equacionar medidas para combater a desigualdade remuneratória sobretudo em sede de concertação social.
Neste aspeto, três partidos nada apresentam: IL, CDS e Chega.
Orçamento sensível ao género
Em 2018, o governo avançou com um projeto piloto de orçamento sensível ao género com o apoio especializado da PpDM no desenho metodológico e construção de instrumento de análise, na realização de formação e na avaliação dos resultados. E desde então?
Três partidos fazem referência:
Livre: implementar a perspetiva de género na elaboração de todos os programas orçamentais e garantindo a sua monitorização anual e tornando obrigatória a avaliação de impacto de género, e a sua consequente publicação, na definição de políticas públicas;
PAN: prosseguir a implementação da avaliação de impacto de género dos orçamentos do Estado;
PS: alargar a experiência dos orçamentos de igualdade de género em diferentes áreas governativas, de modo a tornar a igualdade de género um elemento transversal à construção do Orçamento do Estado e dos orçamentos dos diferentes serviços públicos, e incluir, em cada relatório do Orçamento do Estado, um Relatório sobre as Desigualdades.
Trabalho não pago de mulheres e de homens
O uso desigual dos tempos que mulheres, face aos homens, destinam às tarefas domésticas e à prestação de cuidados a crianças e pessoas em situação de dependência em Portugal é um dos mais elevados da UE e aumentou em tempo de pandemia e tem que ser objeto de políticas públicas.
PAN e PS: propõem campanhas de sensibilização que visam a alteração de comportamentos;
PS: propõe lançar um programa de competências da vida diária nas escolas, indo ao encontro do preconizado pela PpDM: programa de educação para a autonomia de rapazes e de raparigas na vida quotidiana implementado nas escolas.
Trabalho doméstico remunerado
«É inadmissível que o patamar remuneratório mínimo de trabalhadoras domésticas seja inferior ao Salário Mínimo Nacional», considera Plataforma.
BE: Reconhecer e enquadrar no Código do Trabalho o trabalho doméstico assalariado e o trabalho profissional associado aos cuidados (apoio domiciliário, amas de creche familiar, ajudantes familiares), pondo fim à discriminação que a lei estabelece e garantindo a mesma proteção social de que gozam todos os trabalhadores por conta de outrem;
PS: Reforçar a inspeção e combater a informalidade no sector do trabalho doméstico.
No que toca à Prestação de cuidados informais, seis partidos propõem:
BE: reforço do Estatuto do Cuidador Informal;
CDU: alargamento da resposta pública e reforço de apoios a cuidadoras/es informais;
Livre: criação e reforço de ferramentas que aliviem cuidadoras/es informais;
PAN: alargar respostas de cuidados e promover redes de cuidadores informais;
PS: concretizar as medidas de apoio a cuidadoras/es informais;
PS: Lançar um pacto de corresponsabilidade pela conciliação (pessoas, instituições) que inclua medidas que promovam a igualdade na prestação de cuidados e da partilha de tarefas domésticas e familiares entre mulheres e homens;
PSD: valorizar o Estatuto do Cuidador Informal.
Na prestação de cuidados formais, seis partidos propõem:
BE: Criação de um Serviço Nacional de Cuidados: rede de respostas públicas na área da infância, da velhice, da dependência e da promoção da autonomia, de caráter universal e tendencialmente gratuito, articulado com serviços de saúde, segurança social, educação, entre outros;
CDU: alargamento da resposta pública e das equipas de cuidados continuados;
Livre: reforço da capacidade das respostas formais de apoio, como a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e outras estruturas de apoio, sobretudo através das respostas de apoio domiciliário e de internamento temporário;
PAN: alargamento de respostas de cuidados para utentes com elevada dependência, promovendo redes de apoio domiciliário e de cuidadores informais e ampliação e consolidação da rede de cuidados continuados e paliativos;
PS: reforçar a cobertura em cuidados continuados integrados nas respostas de internamento, ambulatório e cuidados domiciliários. Expandir respostas em cuidados paliativos generalistas e especializados;
PSD: Reforçar a rede de unidades de cuidados continuados e de cuidados paliativos.
Seis partidos defendem o aumento dos equipamentos e serviços públicos para crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência e pessoas em situação de dependência: BE, CDU, Livre, PAN, PS, PSD.
O CDS apenas para crianças. A IL para crianças e pessoas idosas.
Articulação do trabalho com a vida familiar e pessoal
A PpDM pugna por licenças de maternidade e de paternidade de igual duração, pagas a 100 por cento e não transferíveis, salvaguardando o tempo único e exclusivo das mulheres. Cinco partidos propõem:
BE: alargar os direitos de parentalidade (do pai, aumento da licença partilhada);
CDU: Aumentar a licença de paternidade. Licença partilhada paga a 100 por cento, licença por prematuridade quando bebé permanece internados por razões clínicas
Livre: aumento progressivo da licença parental para 16 meses;
PAN: alargar a duração da licença partilhada para 6 meses sem perda de remuneração;
PS: majoração dos valores das licenças parentais com partilha reforçada ente progenitores e melhorar o acesso a outras licenças para cuidados em caso de partilha.
PSD: alargar a licença parental de 20 para 26 semanas a partir do 2º filho com a obrigatoriedade da segunda metade da licença ser partilhada em, pelo menos, 50 por cento do tempo com o pai;
PS: faz propostas concretas que visam melhorar esta articulação na Administração Pública e no sector militar.
Tempo de trabalho
BE, CDU, Livre, PAN e PS: preconizam a redução do tempo do trabalho pago semanal. Nenhum partido faz uma relação direta entre transportes públicos e articulação entre o trabalho e a vida familiar e pessoal, embora seis partidos apresentem medidas que visam melhorar os transportes públicos: BE, CDU, Livre, PAN, PS, PSD.
Chega não apresenta qualquer medida que vise a articulação entre trabalho e vida familiar e pessoal.
3) Habitação
O acesso à habitação condigna é essencial para famílias monoparentais esmagadoramente femininas, sobreviventes de violência em relações de intimidade, mulheres em situação de sem-abrigo (geralmente invisíveis nas estatísticas), pessoas idosas maioritariamente mulheres, entre outras.
No entanto, nenhum partido estabelece a relação entre a garantia de habitação pública ou a melhoria das condições habitacionais e as mulheres, designadamente a importância da sua adaptação aos cuidados no contexto demográfico do envelhecimento populacional, ou a sua relevância na garantia da saúde física e mental das família, embora muitos reconheçam a relação entre a sua acessibilidade e a natalidade.
Seis partidos apresentam propostas que visam aumentar a habitação pública: BE, CDU, Livre, PAN, PS, PSD.
O combate à pobreza energética é referido por sete partidos: BE, CDS, CDU, Livre, PAN, PS e PSD.
4) Saúde
As mulheres têm necessidades e interesses que diferem dos homens decorrentes de fatores biológicos (menstruação, gravidez, parto e menopausa); fatores socioeconómicos que variam para as mulheres em geral, e condicionam o acesso à saúde, e para alguns grupos de mulheres em particular com consequências na sua saúde (por exemplo, a carga adicional de trabalho não pago durante a pandemia); fatores psicossociais distintos entre mulheres e homens (por exemplo, a depressão em geral e a depressão pós-parto em particular, distúrbios alimentares como a anorexia ou a bulimia).
CDS, CDU, IL, PSD e PS não apresentam quaisquer propostas em matéria de saúde sexual e reprodutiva.
O Chega propõe a eliminação das isenções na saúde pública de todos os atos médicos como o aborto.
Três partidos aludem ao combate à violência obstétrica, apresentando propostas concretas: BE, Livre e PAN.
A saúde mental foi claramente uma preocupação para sete partidos: BE, CDU, IL, Livre, PAN, PS, PSD.
5) Paridade
A paridade é um conceito e objetivo, através do qual se pretende reconhecer igual valor a pessoas de ambos os sexos, dar visibilidade à igual dignidade de homens e mulheres, renovar a organização social de modo a que mulheres e homens partilhem, de facto, direitos e responsabilidades, não sendo reduzidos a espaços e funções predeterminadas por hábitos e preconceitos, mas usufruindo de plena igualdade e liberdade a todos os níveis e em todas as esferas.
Vários partidos vão para além do limiar de paridade (40 por cento)1 na composição das suas listas:
BE: 50 por cento das cabeças de listas e 52 por cento das listas são mulheres;
CDU: 45 por cento das cabeças de listas e 51 por cento das listas são mulheres;
Livre: 50 por cento das listas são mulheres mas sobrerrepresentação de homens como cabeças de listas (64 por cento);
PAN: 45 por cento das cabeças de listas e 51 por cento das listas são mulheres;
PS: 47 por cento das listas são mulheres mas sobrerrepresentação de homens nas cabeças de listas (73 por cento);
PSD: 46 por cento das listas são mulheres mas sobrerrepresentação de homens nas cabeças de listas (70 por cento);
Apenas a IL cumpre com o limiar de paridade.
No Chega há ums sobrerrepresentação esmagadora de homens: 91 por cento dos cabeças de listas e 58 por cento dos candidatos.
No CDS há uma Sobrerrepresentação de homens nas listas: – 63 por cento dos cabeças de listas e 57 por cento das listas.
Partidos que propõem alterações ao limiar mínimo da Lei da paridade: BE (50-50).
Partidos que propõem reforço da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração das empresas: Livre, PAN.
6) Educação feminista
Toda a educação deve assumir uma base crítica e transformadora, com vista a contribuir efetivamente para a realização da igualdade entre as raparigas e os rapazes, as mulheres e os homens.
A educação feminista é abrangente e holística, aplica uma perspetiva estrutural e envolve uma análise das relações desiguais de poder entre mulheres e homens. É baseada nos valores da igualdade, reciprocidade, respeito, autonomia, pensamento crítico, não-dominação, não-violência, responsabilidade pessoal e social.
Educação sexual feminista e educação para a cidadania são questões quase ausentes dos programas eleitorais; apenas o Livre quer o reforço da educação para a cidadania e o reforço de conteúdos educativos em matéria de direitos sexuais e reprodutivos e o PS quer aprofundar os instrumentos de educação para a cidadania.
Algumas das referências são pela negativa: CDS quer combater a «ideologia de género» e a sexualização da educação. Propõe tornar a disciplina de cidadania optativa, e o Chega refere o «falhado multiculturalismo ou a fanática ideologia do género, e demais fundamentos progressistas, que à socapa tomaram de assalto as salas de aulas».
7) Organizações de mulheres
Portugal tem legislação específica sobre Associações de Mulheres. No entanto, as suas fontes de financiamento são escassas e incertas. É necessário reconhecer o papel determinante das associações de mulheres dotando as instâncias de diálogo, consulta e acompanhamento do Governo em todos os níveis e sectores de representatividade das organizações de direitos das mulheres e incluir representantes destas ONGDM nas delegações portuguesas a instâncias internacionais onde se desenvolva formal ou informalmente o diálogo civil.
Apenas um partido refere as organizações de mulheres – Livre. Havendo, no entanto, vários partidos que referem organizações antiracistas, de migrantes e refugiados/as, estudantes e LGBTQI.
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres é a maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos Direitos Humanos das mulheres e das raparigas, com 28 organizações-membros. Coordenação nacional do Lobby Europeu das Mulheres (LEM). Organização com Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho Económico e Social (ECOSOC) da ONU. É uma Entidade declarada de Utilidade Pública.
Nota: Este documento é uma síntese analítica e não dispensa a leitura dos programas eleitorais