Auditoria ao município de VRSA vai revelar situações «excêntricas»

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Álvaro Araújo rejeita as críticas da oposição pela demora na prestação de contas do seu mandato. Auditoria em curso em Vila Real de Santo António (VRSA) vai rever a governança municipal desde 2004.

Com um passivo de 182 milhões de euros, supervisionado pelo Fundo de Apoio Municipal (FAM), Álvaro Araújo, presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (VRSA), tem pela frente um mandato desafiante.

«Desde o dia em que tomámos posse que estamos a trabalhar numa auditoria interna que tem sido executada com rigor. Deparámo-nos com muitos problemas estruturais, com assuntos pouco claros e com muitas falhas de organização interna», começa por explicar ao barlavento.

O autarca aponta como exemplo de má gestão corrente, o Complexo Desportivo de VRSA onde, «para fazer a rega dos três campos relvados, existia um contador normal em vez de um contador de rega. Todos os meses o município pagava uma conta de 20 mil euros. Cerca de 9000 euros pela água consumida e o restante em taxas de resíduos sólidos e outras incluídas na fatura. Ainda para mais, aquele equipamento tem furos que não estavam a ser utilizados. Cada um tire a conclusão que quiser. O que é certo é que neste momento se está a pagar 10 por cento do valor que se pagava antes todos os meses», compara.

O novo executivo também se deparou com «uma enorme quantidade de contadores que estávamos a pagar sem que a utilização da água fosse do município. E o mesmo acontecia com uma série de ligações elétricas e com rendas de habitação municipal que, apesar de baixas, nunca foram pagas».

Questionado sobre o porquê destas situações, o autarca encontra poucos argumentos. «Não sei com que critério aconteciam. Pode ter sido por desleixo, para dar uma justificação. A verdade é que encontrámos mais de dois milhões de euros em faturas que nunca foram cobradas. Tivemos de as declarar prescritas porque estavam a pesar nas nossas contas. Acho que isto resulta de uma gestão política. Não se conseguem grandes maiorias se não existirem este tipo de movimentos. Não quero crer que tenha sido por isso, mas tudo indica que foi».

Presidente sem «rabos presos»

Segundo o autarca de VRSA, numa das primeiras reuniões de Câmara, os vereadores do PSD «pediram que eu lhes fizesse chegar uma relação das prestações de serviço, das avenças e dos contratos que firmámos no início» do atual mandato.

«Percebo o objetivo. Quando se chega a um município que foi gerido nos últimos 16 anos, por um determinado partido que criou uma empresa municipal que contratou várias centenas de pessoas e que depois as transferiu para o município, é normal que, quando alguém novo chega ao executivo, queira ter pessoas da sua confiança próximo de si. Portanto, percebo que queiram fazer política com isso. Esquecem-se é que estamos obrigados a publicar tudo no portal Base.Gov», que centraliza a informação sobre os contratos públicos celebrados em todo o país.

«Há pessoas que vêm para a política e que têm compromissos, ou seja, como se costuma dizer, têm rabos presos. Eu não tenho rabo preso algum. Quando me vieram com essa questão, a minha preocupação foi responder ao que, legitimamente, os vereadores estavam a solicitar», acrescenta.

«Pedi aos nossos serviços não apenas para prestarem contas daquilo que foi o nosso desempenho nesse nível, mas também informação desde 2004 até ao dia de hoje».

Situações «excêntricas»

E porquê recuar 18 anos? «O povo que votou em nós exigiu que fizéssemos uma auditoria séria, que passa também por explicar de que forma o dinheiro dos munícipes foi gasto», justifica o autarca de VRSA. «A resposta que dei aos vereadores do PSD é que, em breve, me comprometia a apresentar a documentação solicitada. Sei que já está compilada, falta apenas fazer uma folha resumo para cada ano. O que vamos encontrar são situações que, de uma forma simpática, posso apelidar de excêntricas», garante.

E mais. «Por acaso, descobri uma interpelação apresentada pelos vereadores do Partido Socialista (PS) em 2016, a qual pede exatamente o que o PSD nos exige agora. E qual foi a resposta que na altura, o senhor presidente da Câmara deu? Que a informação estava toda no portal Base.Gov».

Por isso, «foi surpreendente ver aquilo que as mesmas pessoas agora exigem de nós, em 2016, na qualidade de executivo, disseram à oposição (que é hoje poder) que se quisessem [informação] fossem ver ao Base.Gov. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», ironiza.

Traçar o historial da governança tem conhecido «inúmeros obstáculos», até porque a auditoria tem sido feita pelos serviços municipais, sob a tutela de um responsável financeiro. «No final de uma prestação de serviço é obrigatória a apresentação de um relatório. Estamos a solicitar às entidades e às pessoas que nos enviem os documentos em falta. É com esses relatórios que estamos a ficar surpreendidos».

Direito «extremo» à oposição

Álvaro Araújo aponta ainda algo «que este executivo faz e que nenhum outro fez: levar ao extremo o direito de oposição. Qualquer eleito, e qualquer pessoa que se candidatou às eleições tem todo o direito de saber como está a ser gerido o município. Sempre que há uma reunião de Câmara, fazemos questão de enviar a documentação para todos os vereadores, para todos os membros da Assembleia Municipal e para todos os cabeças de lista das listas que concorreram às autárquicas. Nenhum partido pode dizer que não tem informação», sublinha.

«Podem dizer-me que estou a ser parvo. Não acho. Assinei uma carta de transparência e quem não deve não teme. Quantas mais pessoas souberem o que está a acontecer, melhor», afirma.

«Estamos a introduzir medidas transversais ao funcionamento dos serviços para melhorar a eficiência e o controlo da despesa. É importante que os vila-realenses saibam que estamos a zelar pelos interesses do erário público. E a implementar estratégias para rentabilizar os recursos humanos e materiais que nunca foram tidas em conta. Só assim conseguiremos concretizar a mudança que queremos implementar no nosso concelho», conclui o autarca.

Colchões velhos e sacos de batatas na Alfândega, ex-libris da cidade pombalina

Uma das situações que mais surpreendeu Álvaro Araújo é o facto de o Edifício da Alfândega, o primeiro a ser terminado durante a construção da vila pombalina, e propriedade do município de Vila Real de Santo António (VRSA), estar hoje cedido a um privado.

«Estamos a falar de um edifício mãe, um edifício emblemático que deveria ser preservado enquanto símbolo da nossa soberania e daquilo que somos. Verificámos que foi cedido ao Hotel Guadiana. Há um contrato de cedência, penso que será um comodato, para um determinado fim. Fomos ver o estado de execução desse contrato e quando nos abriram a porta, com o que é que nos deparámos? Com sacos de batatas e colchões velhos!», lamenta o autarca.

Ou seja, com «um incumprimento daquilo para que foi cedido». E agora? «Não sabemos se isso nos vai trazer muitas dores de cabeça, mas a Alfândega é património do Estado e nunca deveria ter saído das mãos do município. Queremos reverter esta situação». O plano é devolver o edifício à população para fins culturais e até para albergar serviços municipais de proximidade.

«Demo-nos ao luxo de ter requalificado aquele espaço com fundos do Estado, para agora estar a servir de arrecadação» de um hotel. Segundo o autarca, este não é caso único.

«Os nossos serviços de ação social têm trabalhado em locais com poucas condições. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) está numa escola primária com problemas de salubridade. A saúde funciona num gabinete emprestado pelos bombeiros. No entanto, temos um edifício com todas as condições, que fica por detrás da Biblioteca Municipal, mas está cedido a uma empresa que nada paga ao município» pelo uso. Isto «ao abrigo de um comodato que, do ponto de vista jurídico, não está legal».

Este caso, contudo, talvez seja de fácil resolução. «Já informámos a empresa que tem de abandonar o local até ao final do ano», conclui o autarca.