Apolinário quer amêijoa-boa da Ria Formosa à mesa dos portugueses

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Evento promocional da amêijoa-boa da Ria Formosa, decorreu em Olhão, com o objetivo de incrementar o escoamento através da média e grande distribuição. Iniciativa pretendeu atenuar os efeitos socioeconómicos que a pandemia tem tido em toda a fileira dos bivalves.

O restaurante Lagar Mar, frente aos Mercados de Olhão, foi o local escolhido para um almoço de trabalho para mostrar o potencial da amêijoa-boa (Ruditapes decussatus) capturada na Ria Formosa a várias cadeias de distribuição alimentar, na sexta-feira, dia 17 de julho.

A ideia foi sentar à mesa produtores e representantes de insígnias como a Auchan, El Corte Inglés, Intermarché, Jerónimo Martins, Makro Portugal e Sonae MC, entre outros, para reforçar e valorizar os volumes adquiridos em primeira venda.

Em conversa com os jornalistas, José Apolinário, secretário de Estado das Pescas, explicou o objetivo.

«Estamos numa fase na nossa vida [nacional], em que é preciso valorizar o que é nosso. Havia a necessidade de facilitar a interligação com as grandes estruturas de distribuição e de promover um produto muito importante e caraterístico da Ria Formosa. Os dados de 2018 apontam para 3159 toneladas de produção. Por isso, promovemos este almoço e vamos continuar com iniciativas que visam facilitar os contactos e a promoção de produtos nacionais» das grandes cadeias, em conjunto com as associações e cooperativas de aquicultores.

O governante reconheceu que outras variedades, como a amêijoa japónica, ou a vietnamita, «têm um preço mais acessível. Mas em termos de qualidades organolépticas e de sabor, a amêijoa-boa é substancialmente superior. Estamos numa sociedade de grande concorrência comercial e esse é também um desafio que tem de ser colocado à distribuição. É uma forma de ajudar os nossos produtores. Queremos que haja canais de distribuição, informação ao consumidor, e mais consumo destes produtos. É nesse caminho que estamos a trabalhar com todas as dificuldades que isso representa».

Além disso, José Apolinário explicou que este recurso é uma «almofada social» já que «no Algarve existem cerca de 1100 estabelecimentos e 300 empresas a trabalhar na atividade».

Durante o encontro houve críticas à qualidade da água da Ria Formosa e à elevada mortalidade nalguns viveiros.

«Temos aqui um problema recorrente. Ciclicamente é necessário um novo plano de dragagens para que a água possa circular. O assoreamento é prejudicial e aumenta a mortalidade. Foi também levantado o problema de reativar uma piscicultura que já existia. O receio aqui é a compatibilização com a aquicultura que já existe. Todas as pisciculturas têm de cumprir regras ambientais e espero que essa matéria seja acautelada no processo de licenciamento. Agora, quanto às dragagens, no próximo quadro comunitário é preciso colocar um novo plano», disse.

«Desejavelmente, temos de trabalhar para a existência de uma draga mais pequena e que possa haver um plano de dragagens permanente na Ria», respondeu o governante.

E há amêijoa-boa suficiente para abastecer os grandes hipermercados, caso a procura venha a aumentar? «Por ventura, não há tanta como em outros anos. Mas há suficiente para vender. O importante é remunerar de forma melhor os produtores. Essa é uma forma de manter a produção de amêijoa-boa. Se nós não conseguirmos mantê-la, a tendência é transformar os viveiros em viveiros de ostras. Há aqui uma preocupação. Queremos manter uma predominância de amêijoa-boa na Ria por questões até de biodiversidade. Dá mais trabalho e tem mais custo manter um viveiro de amêijoa-boa do que um viveiro de ostras», admitiu.

«Nas ostras, em muitos casos, somos um pouco barriga de aluguer, na medida em que é vendida para França e para o estrangeiro. Sem prejuízo de a ostra ser muito importante para o equilíbrio social e económico da Ria, nós não podemos perder uma predominância maioritariamente ocupada pela amêijoa-boa, que é a espécie autóctone e de referência» da Ria Formosa.

Nesta altura de crise desencadeada pela pandemia da COVID-19, o secretário de Estado das Pescas lembrou que já foram disponibilizados 4 milhões de euros para ajudar o sector da aquacultura, o que no caso do Algarve, deverá representar um montante entre «300 a 400 mil euros».

Por concelho, estão licenciados estabelecimentos em Loulé (3), Faro (170), Olhão (987), Tavira (32) e Vila Real de Santo António (34).

José Florêncio, 52 anos, presidente da Formosa – Cooperativa de Viveiristas da Ria Formosa, viu com bons olhos esta iniciativa.

«Alguma coisa irá acontecer», garantiu aos jornalistas. Em relação à mortalidade, o dirigente lembrou que «antigamente não havia apoios. Hoje há. Portanto, quem tiver viveiros e fizer deles uma profissão e fature o produto, se tiver um episódio de mortalidade, será recompensado».

O responsável associativo sublinha que a dificuldade em trabalhar com a amêijoa-boa «é que dependemos da natureza. Há marés que são mortas, durante um período de cinco a seis dias, os viveiros ficam submersos» o que condiciona a apanha.

«Quando há marés boas, é claro que existe para fornecer. Temos sempre de nos salvaguardar nos contratos com estas grandes empresas porque isto não é um trabalho» regular. O dirigente também não vê as ostras como uma ameaça. «Por vezes, há descargas na Ria, algo que nós não conseguimos controlar. Por isso, há produto que acusa toxinas. As ostras, como estão em mesas acima da coluna de água, não ficam [tão] contaminadas. É provável que nalguns locais se tenha de substituir amêijoas por ostras». Mas garante que a amêijoa-boa «é um produto de excelência e só nós é que temos».

Bivalves mais frescos e vivos para o consumidor final só quando a lei mudar

Sílvia Cruz, responsável pelas compras de peixe e marisco da Makro Portugal, não perdeu a oportunidade de sugerir ao secretário de Estado das Pescas, mudanças na lei para se conseguir melhorar as condições em que os bivalves, neste caso, a ameijôa-boa da Ria Formosa, chegam ao consumidor final, e com isso, valorizar toda a cadeia de valor.

«No meu ponto de vista, em termos de legislação, poderíamos evoluir no sentido de proteger mais este tipo de animais e este tipo de produto, desde o ponto em que é criado até ao ponto de venda», disse. O problema, contudo, é que «nós hoje temos um conceito antigo em termos de comercialização. O produto é embalado em sacos de rede e depois anda aos trambolhões durante vários manuseamentos entre a produção e a distribuição. E mesmo na placa de venda é colocado em condições que, na minha opinião, poderiam ser melhoradas», disse aos jornalistas.

«Tenho em crer que qualquer comerciante que tenha condições que lhe permitam ter o produto vivo durante muito mais tempo, apostará de uma forma diferente» nos bivalves.

«Poderá garantir uma melhor qualidade e até, honrar, o que de melhor é produzido no nosso país», sublinhou.

Segundo a executiva daquela empresa de distribuição grossista, «há outros países onde os bivalves podem ser transportados e vendidos dentro de água [salgada]. Esta pode ser uma das soluções. Existem já algumas inovações que nós não conseguimos implementar porque há toda uma barreira legislativa que não o permite».

«O facto de um bivalve estar à venda numa placa onde há circulação de ar, ou onde muitas vezes há contacto com água doce ou com gelo que podem matar o animal, e onde durante o manuseamento, as cascas se podem partir, tudo isso é denegrir o produto» e não é uma prática compatível com o discurso «da sustentabilidade dos recursos. No final, todo este processo, não contribui para a qualidade final», defendeu.

Questionada sobre se a amêijoa-boa é uma espécie interessante para aquela cadeia, Sílvia Cruz respondeu que há «clientes para tudo, desde a amêijoa japónica, amêijoa verdadeira, amêijoa macha amêijoa-cão, ou amêijoa branca. O leque é variado. O nosso cliente é profissional e portanto faz as escolhas conforme o prato que vai preparar. O fator preço é decisivo», mas há ainda uma outra questão que encaixa numa lacuna legal.

«O garante que a calibração é sempre a mesma. Aquilo que dizemos aqui que é amêijoa grande, em Aveiro é completamente distinto. Para o consumidor é muito confuso perceber porque é que se chama grande a uma amêijoa do Algarve, que comparada com outra é relativamente pequena e até tem um valor acima. Se houvesse uma uniformização na calibração do bivalves, como há nas ostras, seria uma perspetiva muito interessante para o comércio e até para a perceção do cliente» sobre o que existe no mercado nacional.