A tolerância e a boa educação, em democracia, não podem mostrar a mesma simpatia e colocar no mesmo patamar político quem é portador das sementes do mal e representa uma séria ameaça à sua própria existência.
Com a devida distância e salvaguardadas as diferenças históricas, onde a nossa democracia começa a vacilar e a esmorecer, senão a morrer, à semelhança da República de Weimar (1919-1933), período político que vigorou na Alemanha entre o final da 1º Guerra Mundial e a ascensão ao poder de Hitler e dos nazis, é não apenas na proliferação da corrupção, do amiguismo político e das trocas de favores na ocupação de lugares na administração pública, no desemprego, nos abusos do sistema bancário, na especulação financeira, etc; mas sobretudo na falta de resposta aos problemas concretos dos cidadãos e ao sentimento de frustração generalizado.
Há um extremar de posições em que a moderação e a discussão de ideias e soluções moderadas perde influência, não seduz, arrastando as pessoas para os campos extremos dos pequenos e mesquinhos ódios de estimação em que o bom senso se perde e quem fala mais alto e grosso domina.
E aqui, explorando a demagogia, o nacional populismo e o discurso da autoridade e da segurança, do primeiro nós, os portugueses, leva a melhor em relação à generosidade de um discurso que se propõe acolher os outros, as diferenças e combater a exploração no trabalho.
Na Alemanha do pós-guerra (1918/19) e nos anos 20, em que o SPD – Partido Social Democrata, o Partido Comunista e outros grupos de esquerda tinham um claro apoio e ascendente nas classes populares, as propostas e programas políticos que defendiam acabaram por perder perante o avanço demagógico e arruaceiro de partidos e movimentos de inspiração nacionalista, que nas ruas, com o apoio de milícias e das chamadas forças da ordem e dos interesses corruptos dos bancos e empresários que temiam a partilha dos seus lucros deram a mão a um fanático demagogo e ao seu partido nacional-socialista (partido Nazi) que acabou no poder na Alemanha e conduziu à loucura e destruição da Europa na Segunda Guerra Mundial.
Resultado também da aliança contra natura entre um conjunto de forças antidemocratas com alguns dirigentes sociais-democratas no poder com o objetivo de travar o avanço da esquerda socialista e comunista. Lembremos, por cá e sempre com a devida distância, claro!, as hesitações e contradições de Rui Rio quanto à relação do seu partido com o Chega.
E cuidado, pois no princípio eram poucos, mas foram crescendo, crescendo, à conta da provocação, do discurso demagógico, do discurso nacionalista e antissemita, acusando os judeus de serem responsáveis pela crise económica.
Entre nós, no dealbar dos anos 20 do século XXI, nas palavras de Ventura, são os desgraçados que auferem do rendimento social de inserção, na sua esmagadora maioria trabalhadores cujos salários não chegam para assegurar o sustento até ao fim do mês e os ciganos, a maioria comerciantes, outros vivendo de trabalhos e expedientes ocasionais, outros semi-nómadas e pobres, são eles o bode expiatório do mal-estar deste país.
Por exemplo, a nossa segurança social deve o seu sustento aos trabalhadores portugueses e imigrantes que fazem os seus descontos e não aos milionários parasitas que depositam o dinheiro em offshores.
Mas os aumentos de preços anunciados com o novo ano, o abuso dos bancos ao cobrarem mais pelo uso de cartões Multibanco, mais dinheiro para o Novo Banco, o verdadeiro papão do orçamento e não o aumento do ordenado mínimo, senhor primeiro ministro , não era este ano que não seria necessário mais dinheiro do Fundo de Resolução, ou seja, de todos nós contribuintes!?!?…
Não nos basta o sol e a boa gastronomia que faz de Portugal o paraíso das reformas douradas de franceses e outros europeus, que beneficiam de incentivos à habitação, quando nós não os temos e vemos os salários e a progressão nas carreiras há anos estagnada e temos salários mínimos e médios que nos envergonham.
O problema é que quem cavalga a onda do descontentamento popular já não são tanto os partidos políticos de esquerda. E a direita conservadora de matriz democrata cristã e o centro-direita, sem líderes carismáticos, está ver fugir o seu eleitorado para o Chega, esse partido obscuro no financiamento e no propósito, de avassalador discurso demagógico, com um líder populista, qual catavento de ideias que se apresenta como o salvador que vai fazer tremer o sistema.
Lembram-se das presidenciais, em que ficou em terceiro lugar, graças à Ana Gomes, mas fez uma arrebatadora aparição como se fosse segundo, empolgado pelo bom resultado em muitos distritos, afirmando ser o enviado de Deus para salvar o país…. Agora recupera o lema salazarista Deus, Pátria, Família ao qual acrescenta Trabalho .
Demasiado bafiento e antiquado o bafo de onça de André Ventura, mas perigoso porque se alimenta da confusão de valores e principalmente das injustiças sociais e do desconforto existencial. Por isso, meus amigos, não nos admiremos, para grande tristeza do melhor de nós, se tivermos muito boa gente, honesta e trabalhadora, mas frustrada pela falta de resposta a problemas concretos, a votar num partido duvidoso, liderado por um tipo que nem ele próprio acredita no que diz (observem bem o facies do homem nos cartazes e ao falar ).
Assim como tivemos nos Estados Unidos o operariado branco das zonas deprimidas a votar no milionário da Trump Tower com as suas sanitas de ouro e as periferias trabalhadoras de cidades como Lyon e Paris, onde há 50/40 anos atrás se votava no partido comunista francês, serem hoje eleitores da Frente Nacional, a mesma França que praticamente viu desaparecer o seu outrora forte partido socialista.
Assim, em Portugal, apesar da singular memória do país de Abril, da sui generis revolução dos cravos e da sua imensa festa da liberdade, não estamos isentos nem imunes ao contágio do tempo em que vivemos dominado pela desinformação e as falsas notícias.
Felizmente, algumas boas novas políticas sopram também no mundo, como a vitória do SPD na Alemanha e a ampla e bem negociada coligação que fez emergir de novo a esquerda social democrata e verde, defensora do trabalho e do ambiente, neste país; assim como a espetacular vitória do jovem e simpático candidato de esquerda (35 anos) nas presidenciais no Chile.
Finalmente, discordo do tratamento por igual que a comunicação social dá a um líder político com as características de André Ventura, pois o que este defende alimenta o ódio e confunde ideias e valores. É constrangedor ver o presidente da República felicitá-lo pela vitória no congresso ou o jornalista Ricardo Costa recebê-lo com tanta deferência nos estúdios da SIC, por exemplo.
A tolerância e a boa educação, em democracia, não podem mostrar a mesma simpatia e colocar no mesmo patamar político quem é portador das sementes do mal e representa uma séria ameaça à sua própria existência. Já devíamos ter aprendido isso com a História. Vemos, de novo, o germinar de sentimentos e ideias que sempre existiram, mas havia vergonha e pudor social em as pronunciar. Agora, o pior de nós, o lado mais atávico, vem de novo ao de cima. E pelo que tenho visto até agora, não concordo com uma conhecida comentadora e jornalista que afirmou: – é deixá-lo falar até que as pessoas se fartem e se cale… Pois cada vez o vejo cantar mais de galo.
Nota: Queria de nós uma vida pública menos lambida e mais frontal e sincera; talvez então tivéssemos vontade e energia para o que verdadeiramente interessa. Finalizo este artigo ao som de No time for toxic people dos Imagine Dragons.