No caso atual dos Estados Unidos da América (EUA) estamos a assistir a um problema histórico de racismo, intimamente ligado à época da escravatura e mais recentemente, ao segregacionismo racial, que fez com que se criasse um racismo estrutural, ou seja, instaurado nas instituições da sua própria sociedade americana.
A análise de problemas relacionados com desigualdade e racismo é complexa, diversa e controversa. Para a compreensão das suas causas e soluções temos de emergir em disciplinas como a história, a sociologia, a psicologia ou a ciência política.
O lado mais visível do racismo nos EUA, neste momento, são as forças policiais, mas existem outros exemplos, alguns até ligados ao atual Presidente Donald Trump. Este e a sua empresa (The Trump Organization) negaram contratos de aluguer de casas a famílias negras repetidamente, nos anos 1970.
Dizia e bem George Friedman que «o principal pecado americano não foi a escravatura» (os americanos não foram os únicos a fazê-lo).
Ao invés, foi a traição dos seus próprios princípios, onde Thomas Jefferson referiu que «acreditamos nas seguintes verdades: todos os homens são iguais».
Nunca o foram, e a não perceção de tal leva a que confrontos como os atuais aconteçam.
De acordo com dados da Reserva Federal, os níveis de desigualdade entre brancos e negros nos EUA mantiveram-se idênticos durante os últimos 50 anos.
É por isso seguro afirmar que o que fez transparecer mais facilmente este fenómeno de protesto nos EUA, é a crescente desigualdade da população geral.
Vivem-se níveis de desigualdade nunca antes vistos, o qual gostaria de dar vários dados factuais, para reflexão.
41 milhões de americanos vivem na pobreza, sendo que cerca de metade destes vive em situação de extrema pobreza. 1 por cento dos americanos mais ricos detêm 40 por cento da riqueza daquele país. Os 90 por cento menos ricos detêm 22 por cento dos recursos, sendo em 1989, detinham cerca de 33 por cento.
A esperança média de vida de um branco americano com licenciatura é de 80 anos, enquanto um negro americano com baixa escolaridade é de 66 anos.
Os EUA caminham a passos largos para serem o país mais desigual do mundo, podendo mesmo tirar do trono a Rússia.
Estes números relacionam-se com as políticas de Donald Trump relativas à diminuição dos impostos para os mais ricos e as grandes empresas (inclusive para a sua empresa e os seus filhos).
Ainda assim, é preciso apontar que esta é a consequência de décadas de políticas de hiperliberalização dos mercados, iniciadas na administração Reagan, na sua famosa parceria com a primeira-Ministra Britânica, Margaret Thatcher.
A crescente liberalização veio acompanhada da maior individualização da sociedade.
Alguns dos pilares que permitiam às classes mais desfavorecidas conseguir ter acesso a saúde, educação e a um sistema de welfare, acabariam por cair, dando primazia aos mercados e à privatização destes sistemas.
Estavam criados os alicerces para os mais ricos serem cada vez mais ricos, e os mais pobres serem cada vez mais pobres, destruído aquilo a que se chama de «sonho americano».
Donald Trump é apenas um sintoma de políticas que nasceram há muitos anos. Está longe de ser o culpado.
Dentro das classes pobres presentes na sociedade americana, são os negros e outras minorias que são os mais prejudicados.
Podemos referir o mesmo em outras sociedades. Olhemos para o caso português, outra sociedade ligada à escravatura. Tenho a perceção que Portugal não tem racismo estrutural, pelo menos não ao nível dos EUA.
Não é evidente que as suas instituições sejam racistas, nem facilmente permissíveis a tal. Ainda assim, a sua comunidade negra está mal representada politicamente e no mundo empresarial, em proporção da sua população.
Podemos também observar que em simultâneo com muitos países europeus, foram adotadas políticas públicas marginalizadoras em termos de urbanização.
Juntando negros e outras minorias em bairros sociais, arredados das oportunidades profissionais do centro das cidades, e da própria sociedade.
Podemos considerar isto como racismo estrutural? Talvez.
A verdade é que muitos dos problemas que assistimos hoje no nosso país e também em outros países europeus (França sendo um exemplo imperativo) é consequência desta política de «guetização».
Todos estes confrontos rácicos, de diferença de comportamentos, de nós e eles, nasce desta política negativa de localização habitacional.
Não somos os EUA felizmente, mas temos de estar conscientes dos problemas.
Temos de perceber que mesmo a nível económico e de produtividade, é bastante prejudicador ter uma percentagem relevante da população arredada das oportunidades dos outros.
Não falo apenas de diferentes raças e etnias, mas também a nível das oportunidades presentes nas diferentes classes sociais.
Miguel Braz | Consultor de negócios internacionais