Conhecemos há dias o Programa de Estabilidade para 2019-2023, apresentado pelo Ministro Mário Centeno, que deveria conter o plano e, sobretudo, as projeções económicas e orçamentais para este período.
Ficou uma sensação amarga para quem muito esperava por estas projeções que irão cobrir o período eleitoral e, naturalmente, colocarão a execução destas ditas políticas durante grande parte do seu percurso como sendo da responsabilidade do governo que sairá apenas das próximas eleições legislativas.
Aqui pode estar a resposta para a deceção que nos trouxe o Ministro «bilingue» Mário Centeno. Bilingue porque cada vez mais fala em Portugal a língua que o BE e o PCP querem ouvir e cada vez menos tem espaço de manobra para falar a língua de Bruxelas cá dentro. Decepcionante porque é um programa de estabilidade que fica aquém das expectativas.
Vejamos alguns exemplos para compreendermos o que se passa na, cito, «continuidade da estratégia de política económica e orçamental» que o próprio documento refere.
Começo pelo bom. Ou melhor, que pode ser bom se acontecer. Mário Centeno reviu em baixa o crescimento económico para este ano, é certo, prevendo uma expansão de 1,9 por cento – um decréscimo de 0,3 pontos percentuais face aos 2,2 por cento inscritos no Orçamento do Estado -, e este valor supera as previsões dos restantes organismos. Ou não fossem as previsões das principais organizações internacionais de 1,7 por cento para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Comissão Europeia e, a nível nacional, de 1,6 por cento do Conselho das Finanças Públicas e 1,7 por cento do Banco de Portugal. Portanto: se o Ministro mais forte para António Costa acertar, será bom. Assim esperamos.
Na suposição ou, muito praticada dentro de portas, «futurologia», espero que a manutenção da meta do défice do PIB prevista pelo governo esteja certa, claro, mas não consigo não deixar de ver que essa estimativa de 2019 parece «irritantemente otimista», como em tempos o Presidente da República se referiu ao Primeiro-Ministro, tendo em conta o conhecido Orçamento de Estado e porque a seriedade não nos pode fazer esquecer que estamos num ano eleitoral. Seguramente, esta não será uma opinião isolada.
Vamos ao poucochinho.
O Ministro Mário Centeno justificou o fim da legislatura para as poucas políticas que apresentou neste Programa de Estabilidade de 2019-2023 e, publicamente, refugiou-se muito nos aumentos de salários da Função Pública e diminuição de impostos. É aqui que temos de ver objetivamente os números.
Primeiro ponto: aumento salarial da Função Pública.
Em 2020 apresentou, sem incorporar as progressões de carreira, um aumento salarial de 95 milhões de euros para a Função Pública. Vejamos que a massa salarial do Estado cifra-se em 22 mil milhões de euros. Se falássemos de 1 por cento de aumento seriam 220 milhões de euros e Mário Centeno apresentou 95 milhões de euros. 95 milhões de euros de aumentos são 0,43 por cento. É poucochinho.
A CGTP pedia 4 por cento. Tem 0,43 por cento. Está tudo dito, não está?
Segundo ponto: diminuição de impostos via maior receita fiscal.
Anunciou uma descida de 200 milhões de euros em impostos. Quais? Não sabemos. Mas e este valor é significativo? Pouco. Vejamos este exemplo fácil que demonstra o pouco que o Ministro Mário Centeno falou como sendo muito: com a diminuição do IVA da restauração foi perto de 450 milhões de euros de receita fiscal. Com a revisão do IRS foram 600 milhões de euros em receitas fiscais. Portanto, fazendo um comparativo com o valor apresentado agora, o impacto só no IVA da restauração foi mais do dobro e com a revisão do IRS foi o triplo dos 200 milhões de euros que Centeno apresentou.
E como será mesmo? A título de um possível exemplo, cortará o governo nos benefícios fiscais para baixar impostos? Não foi dito. Não sabemos. Há que pensar e desconfiar destes silêncios.
O que sabemos após este dia 15 de abril, quando Mário Centeno apresentou este Programa de Estabilidade 2019-2023, é que houve total ausência de detalhe, que as políticas estruturais ficaram na gaveta e que este governo não tem pendor reformista do Estado. Na balança do governo de António Costa pesou muito mais a proximidade das eleições que temos à porta do que o ciclo económico que iremos viver ou que a Reforma do Estado que todos ambicionávamos ver.