O Algarve é uma região de contrastes de onde tiramos lições

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Não é totalmente descabido podermos considerar o Algarve um mini Portugal. Por exemplo, é uma região extremamente contrastante entre o litoral e o interior.

A faixa litoral algarvia concentra muito mais pessoas, mais empresas, melhores infraestruturas e maior qualidade de vida. Pelo contrário, o interior rural é ameaçado pela crescente desertificação, quer demográfica quer ambiental.

A falta de oportunidades faz com que a sua população migre para o litoral algarvio ou para outras partes do país. É exatamente o mesmo fenómeno que acontece na faixa litoral entre Lisboa e Porto e o interior português, cada vez mais desolado, com falta de pessoas e em muitos aspetos abandonado à sua sorte.

O aparecimento mais frequente de fenómenos extremos, resultantes das alterações climáticas, faz com que esses problemas se evidenciem ainda mais, com o exemplo dos incêndios que cada vez mais assolam o interior abandonado e empobrecido, onde não existem pessoas para vigiar e cuidar das áreas rurais.

Outra comparação obvia é a dependência em demasia do sector do turismo, que no caso do Algarve é mais agudo.

O turismo é um sector que é muito sensível a acontecimentos internacionais, pelo que o Algarve e o seu principal motor de crescimento económico, estará sempre muito dependente do que acontece a terceiros, muitas das vezes a milhares de quilómetros de distância, fora da compreensão e conhecimento das pessoas que habitam o território. A pandemia é um excelente exemplo disso.

A despreocupação na área da agricultura, ambiente e recursos é outro traço comum que podemos observar entre Algarve e o resto de Portugal.

Nos últimos anos, e apesar dos múltiplos avisos da falta de água, o planeamento agrícola no Algarve continua praticamente a desconsiderar esse fator.

As culturas intensivas, tanto de abacates como frutos vermelhos são uma realidade em muitos concelhos algarvios, grande parte destes originados com dinheiros públicos dos fundos europeus, ou seja, de nós contribuintes.

A agricultura está intimamente ligada com o continuo desrespeito ambiental no Algarve, apesar de ter territórios ricos em biodiversidade, alguns únicos no mundo tanto aquática como terrestre.

São vários os maus exemplos de desrespeito pelos ecossistemas, mas as plantações de frutos vermelhos em pleno Parque Natural da Costa Vicentina ou dos abacateiros na Reserva Natural do Sapal em Castro Marim e Vila Real de Santo António, são os que mais deviam escandalizar.

A situação é clara, não existe muita água no Algarve e cada vez existirá menos. As alterações climáticas apresentam uma oportunidade única para desenvolver a economia do Algarve. Sim, leu oportunidade.

São as crises que mais oportunidades apresentam, já deveríamos saber disto. E as oportunidades nas alterações climáticas não são aproveitadas se não houver pensamento critico e estratégico.

Ou se houver decisões absurdas, como tentar explorar petróleo junta à costa de Aljezur.

A principal ideia deverá ser aproveitar os recursos renováveis do Algarve e centrar a sua economia nisso, criando emprego e captando investimento privado nacional e internacional.

Dessa forma poderá diversificar a sua economia e desligar-se da sua dependência face ao turismo.

O Algarve não tem muita água doce, mas tem muito sol e um grande litoral. Devemos aprender as lições de quem teve o mesmo problema e o resolveu, e ai, podemos olhar para Israel, um país com escassos recursos hídricos e solos agrícolas pobres.

Israel tinha uma situação bem mais extrema que o Algarve, mas que neste momento é uma potência agrícola que exporta água doce para outros países.

Israel apostou na tecnologia de dessalinização, sendo um dos principais centros mundiais dessa tecnologia.

Neste momento cerca de 25 por cento da água potável de Israel vem diretamente do mar. O Algarve tem o potencial de se tornar num polo de desenvolvimento em dessalinização, atraindo empresas e centros de investigação referentes a essa área.

Além disso, Israel é dos principais investidores em tecnologia agrícola, desde sensores que medem a quantidade de água dentro das árvores frutíferas, a sistemas autónomos de irrigação que utilizam inteligência artificial de forma a decidirem a quantidade e a frequência da água que uma determinada planta necessita.

Nada disto aconteceu sozinho, foi uma decisão estratégica política que teve inicio nos anos 1950, fruto das dificuldades criadas não só por um clima extremo, mas também por países vizinhos que dificultavam a própria existência de Israel.

Neste momento o Algarve (e Portugal) têm também um inimigo em comum, as alterações climáticas. Mas não é só a tecnologia que nos vai salvar, é o planeamento. Deve haver contenção e adaptação. O Algarve é uma região de sequeiro, sendo que deverá ser dada primazia a plantações de sequeiro, originárias do Algarve, como as alfarrobeiras, amendoeiras ou figueiras.

Como tinha referido anteriormente, o sol é outro recurso renovável que existe em muita quantidade no Algarve.

Apesar de começarem a existir alguns investimentos na região, como o caso do parque solar de Alcoutim (um investimento de 300 milhões de euros), não existe uma verdadeira estratégia de captação de investimento para este sector ou aposta na investigação.

O Algarve nunca foi conhecido pela produção energética, sendo que as mudanças que estão de momento a ocorrer na produção energética internacional, nomeadamente uma muito maior aposta na energia solar e eólica, são uma enorme oportunidade para o Algarve se tornar um polo nessas áreas.

Aproveitar os fundos atuais para atrair novas empresas, criar regimes fiscais mais amigos para quem investe na região em energias renováveis, ter terrenos próprios para o desenvolvimento desses projetos, a preços abaixo do mercado. São algumas das ideias possíveis nesse âmbito.

É óbvio que estas propostas políticas não são nada de novo, mas continua a haver muita falta de vontade para as fazer, principalmente devido a interesses instalados há muitas décadas na região. Interesses políticos e económicos.

Poderá haver solução também para esse problema, algo que se vem discutindo muito em Portugal nos últimos anos, a regionalização.

Mais especificamente, os círculos uninominais. Mais do que descentralizar, os círculos uninominais permitem aos eleitores de uma determinada região responsabilizar diretamente aos seus eleitos, que deixam de responder apenas ao seu partido.

Quando a fonte de decisão é dispersa, é muito mais difícil para os grupos de pressão fazerem valer os seus interesses.

Estas mudanças estratégicas podem e devem ser decididas pelos algarvios, devolvendo a decisão à população, aplicando mais democracia à democracia. Este é ao mesmo tempo um incentivo à participação cívica e política, numa região (que, mais uma vez, em semelhança com Portugal) tem uma elevada taxa de abstenção em eleições.

Veremos a importância do tema da regionalização para o novo (velho?) governo em 2022.

Miguel Braz | Consultor internacional de negócios.