• Print Icon

No país dos estrangeiros, na sua grande maioria oriundos do centro e norte da Europa, a invasão decorria pacífica e tranquila perante a passividade do povo indígena e o incentivo do governo.

O Turismo, esplendor maior da economia nacional, tinha nas cidades de Lisboa e Porto e na região do Algarve os seus destinos de eleição, concentrando muita demanda e procura, quer temporária, quer definitiva, pois muitos aqui se fixavam comprando casas e terrenos munidos das reformas douradas.

A sul, no Algarve, um jornal local noticiava em manchete o aumento exponencial: «residentes franceses e italianos crescem quase mil por cento em 12 anos».

Uma ministra sueca, em entrevista, regressada deste maravilhoso país, confessava o seu incrédulo espanto por serem maiores os incentivos à compra de casa para quem vinha de fora do que para os portugueses.

Os vistos gold, mais atrativos para russos e chineses e elite política angolana permitiam a entrada de bom dinheiro, apesar da sua duvidosa origem e dos protestos de alguns partidos políticos, regozijando o mérito empreendedor e o business das imobiliárias.

Aliás, por todo o país e muito especialmente na sua região mais a sul, proliferavam outdoors com grandes fotografias dos vendedores, quais estrelas do universo de vendas, sorridentes e pose cheia de confiança, líderes de mercado prontos a abrirem as portas a um futuro radioso, de felicidade e bem estar.

Curiosamente, em altura de eleições, tendiam a confundir-se com os cartazes de propaganda política em que alguns candidatos/candidatas também cada vez mais produzidos, engravatados e maquilhados, em poses cheias de si, convidam ao voto com slogans de venda, imenso marketing de si próprios a esconder o vazio de ideias.

Entretanto, Sofia Boa Pessoa, mulher jovem, natural de Monchique, a viver e a trabalhar num hipermercado em Portimão, folheava distraidamente, na pausa do café da manhã, um jornal de língua inglesa no qual se lia Why Portugal? Portugal has been ranked the best European Country for expats

Levantou-se, apagou o cigarro no cinzeiro; e foi pensando algo confusa: como é que o seu país era um dos melhores do mundo para se viver se ela e o namorado pagavam 450 paus por mês num apartamento minúsculo…

Outros invasores chegavam, em vagas crescentes, fugindo da miséria dos seus países de origem, do Oriente vinham da Índia, do Nepal; de África; do Brasil, na América do sul.

Não privilegiados, cabia-lhes em sorte um destino diferente, de obrigações e duros trabalhos. Engrossavam as fileiras dessa nova escravatura remunerada da venda de comida ao domicílio, com os seus sacos-mochila verdes da Uber Eats ou amarelos da Glovo às costas.

Os mais sacrificados, iam parar às obras ou às estufas. São eles a mão de obra de um mundo rural em acentuada mudança, fazendo as vindimas, a apanha da laranja, dos abacates. Com uma agricultura cada vez mais intensiva e destrutiva não só do meio ambiente mas também da relação humana empregador-trabalhador.

Cruel paradoxo, era para com estes invasores percorrendo odisseias inimagináveis, às quais muitos nem sobreviviam, contra os quais a arraia miúda indígena mais exprimia a sua revolta e sentimento de frustração pela vida difícil no dia a dia.

Existia até um partido, cujo venturoso líder, confiante na sua missão de salvar o país, vociferava contra toda esta pobre gente necessitada, dizendo que vinham roubar trabalho aos de cá, quando muitos dos portugueses de origem ou de bem, não queriam já saber de tão duros e mal pagos empregos.

Felizberto Nefasto, marítimo reformado, filho de Olhão, cidade que tem como lema Olhão tem alma, deambulando o tempo nos jardins à beira da ria, às vezes dava por si cismando, olhando as mudanças, os muitos restaurantes novos, com estranhos nomes Sushi, Indian Tandoori, Chinese Bamboo, e espreitando a ementa de rua de um ou outro que se mantinha tradicional, perguntava-se como era possível um xarém, as papas de milho que lhe tinham matado a fome e aos irmãos em pequenos, custar uma fortuna. Uma tarde, passeando a neta: – Ó avô, quero um gelato!… Levou alguns segundos mais a processar…

Ah, pois é, os gelados agora são gelato.

É certo que vinha o verão e assava-se peixe em todo o lado, até numa esquina entre oficinas, entre um carro e uma parede; no bairro os pequenos grelhadores mantinham-se omnipresentes à porta de casa; e as conversas com os amigos no Bate estacas mantinham a vivacidade e a irrequietude de sempre, alguns mais novos ainda iam ao mar e ofereciam-lhe um saco de peixe do barco à mão.

Apesar de bem consigo, pese embora a vida sempre esforçada e a magra reforma, às vezes sentia asco em relação a alguns turistas, franciús com ares de quem é tudo deles… e mais revoltado se sentia com os modos lambidos de muitos dos seus conterrâneos. A ganância do dinheiro. Homem de poucos estudos, pensava pela sua própria cabeça: vendemos a alma ao turismo… vendemos a alma ao diabo!

Paulo Penisga | Professor