1. Naquele almoço de despedida do ano éramos cinco adultos e dei por mim entalado entre dois registos distintos: sentado à minha direita, o jovem que se prepara para, talvez, votar pela primeira vez e, sentado à minha esquerda, o sénior que, pela primeira vez, se prepara para não votar.
Ambos me demonstraram o seu desencanto pela política. Tive, claramente, grande dificuldade em argumentar contra o desencanto, talvez porque, também eu, estou longe de estar encantado.
O sénior, à minha esquerda, até foi muito claro nas suas razões: «Mas o que é que esta gente já fez por mim? E a reforma miserável de quem trabalhou e descontou uma vida inteira? E a ninharia mensal com que o Estado acha que compensa os anos que me roubou na Guerra Colonial?».
Tentei convencer o mais novo, da melhor maneira que sei, de que o voto dele conta e de que as urnas são o único lugar onde, efetivamente, podemos protestar com alguma eficácia.
Às tantas, lá veio um dos argumentos mais badalados nas redes sociais: as caras dos políticos, sempre as mesmas, gente que se repete, governo após governo, saltando entre secretarias de Estado e ministérios, saídas muitas vezes diretamente das juventudes partidárias, com pouco ou nenhum mérito provado, gente que se afastou do país real à espera do dia em que irão sentar o rabo numa das 230 cadeiras da Assembleia da República e aí tratar da sua vidinha; e a corrupção e os corruptos; e há também as «cassetes gastas» das intervenções políticas, e por aí fora.
Ainda alertei para a injustiça da generalização: alguns políticos correspondem seguramente a esta descrição, muitos outros nem por isso. No final da conversa, fiquei com a ideia de que o jovem talvez vá votar no Tino de Rans.
2) Temos o direito de dar o nosso contributo em defesa dos valores democráticos, como o respeito por cada pessoa, a justiça social ou o combate à pobreza.
Votar é um dos fundamentos de uma democracia, sendo, por isso, um valor democrático fundamental. Não podemos deixar que outros decidam por nós.
Foi este tipo de argumentos que apresentei ao sénior sentado à minha esquerda naquele almoço. Não sei se o convenci a votar.
Mas, pelo menos, acho que ele concordou com a ideia de que não votar não é resposta. Não votar é deixar que outros decidam por nós. Não votar é abdicar de um direito pelo qual lutaram tantas gerações antes de nós, custando sangue e a prisão a tantos homens e mulheres. Ainda acrescentei que o passo seguinte é votar bem.
Perguntou-me o que é votar bem. A minha resposta foi pela negativa: é votar num candidato/partido que não defenda a violência nem o ódio nem a discriminação nem a divisão nem o xenofobismo nem o ceticismo desolador. Tão simples como isso! Mas… aí o meu amigo sénior não se descoseu.
3) Estou a escrever esta crónica dias após o 6 de janeiro. O infame episódio da extrema direita invadindo o Capitólio em Washington vem alertar-nos para o perigo de deixarmos espaço para que as forças políticas dessa área cheguem às margens do poder.
A radicalização na linguagem e no exercício quotidiano, que esvazia o centro e alimenta os extremos, apodera-se das democracias de forma quase invisível (de início, quase ninguém leva a sério os sinais), até chegar ao ponto de não retorno.
Foi o que aconteceu na América. É o que pode acontecer nas democracias europeias: os Salvini, os Orbán, as Le Pen já cá estão e já fizeram as democracias reféns das suas ideologias em Itália, na Hungria e em Paris.
E Portugal não é exceção. A este respeito, concordo com a análise de Teresa de Sousa na imprensa. As forças políticas moderadas, a comunicação social, nomeadamente as televisões em busca de audiências e de «casos», e as redes sociais, focadas em tratar de «casos» em vez de tratar de políticas, têm-se mostrado incapazes de resistir à radicalização do discurso, numa vertigem que pode dar mau resultado.
Num país com uma história democrática tão recente ainda, o meu receio é que o Chega do pregador Ventura – segundo ele próprio, Deus atribuiu-lhe a espinhosa missão de «mudar Portugal» – só tenha 10 por cento nas intenções de voto. Estamos a adivinhar: há por aí muito menino disposto a invadir o Parlamento para contestar os resultados eleitorais. Definitivamente, temos de aprender com os acontecimentos recentes. E votar. E votar bem.