Facebook: ainda podemos esperar algum tipo de privacidade?

  • Print Icon

O Facebook enraizou-se no quotidiano a profundidade que poucas redes sociais conseguiram alcançar. Seja por motivos pessoais, profissionais ou meramente lúdicos, o Facebook é, a nível global, a rede social mais utilizada. E não é por a caso.

Os algoritmos do Facebook, capazes de traçar um perfil comportamental individualizado altamente preciso, torna a utilização desta rede social numa das maiores ameaças à privacidade.

Em teoria, percepciona-se que a informação e a análise comportamental de cada utilizador servem o propósito de tornar mais eficaz a publicidade que lhe é dirigida.

Todavia, a Cambridge Analytica – utilizada pelos partidos pro-Brexit para influenciar o resultado do referendo, e utilizada igualmente pelos partidos de Trump e Bolsonaro – veio demonstrar que existe um lado bastante perverso na forma como são tratados os dados pessoais e de como a sua manipulação pode afetar profundamente as sociedades.

Neste contexto, importa determinar se, ainda é possível traçar qualquer tipo de expectativa em relação à privacidade a partir do momento em que se cria uma conta no Facebook?

Numa primeira aproximação a esta questão, poderão ser utilizados os argumentos voluntaristas e utilitários. Evidentemente, a utilização do Facebook parte única e exclusivamente da vontade de cada utilizador.

Além disso, a análise comportamental operacionalizada por esta rede social parece beneficiar o utilizador, na medida em que somente lhe são disponibilizados conteúdos (publicidade, publicações, notícias, etc.) que se alinham com os seus gostos e preferências.

Porém, tais argumentos assentam no pressuposto de que é aceitável comutar parte substancial da privacidade pelas funcionalidades e conteúdos que a rede disponibiliza.

Ora, estes argumentos só fariam sentido, se também eles assentassem no pressuposto de que os utilizadores encontram-se plenamente informados da forma como são tratados os seus dados pessoais.

E este é um pressuposto difícil de comprovar, uma vez que não existe qualquer índice de transparência relativamente à forma como operam os algoritmos sobre os dados pessoais, que resultados produzem, e como e para que finalidades são utilizados esses mesmos resultados.

Os argumentos voluntaristas e utilitaristas falham, assim, em reconhecer a existência deste equilíbrio, assumindo prontamente a existência de uma relação de igualdade de poderes, de direitos e de deveres entre as partes.

Essa assunção não só carece de fundamento, como foi explicitamente recusada pelo Facebook durante as sessões de audiência que, desde o início deste mês, têm tido lugar no Tribunal Regional de Viena para as Causas Civis, no caso que opõe Max Schrems ao Facebook.

Ao longo destas sessões, o Facebook admitiu explicitamente não só que, actuar em conformidade com as obrigações legais estabelecidas no Regulamento Geral de Proteção de Dados seria economicamente impossível, como referiu ainda que estendeu o consentimento dos utilizadores para o tratamento de dados pessoais aos termos e condições, situação que apesar de reconhecer ser ilícita, nega expressamente que dê lugar a qualquer tipo de compensação e/ou indemnização, uma vez que o acesso plataforma é totalmente livre (e por isso, voluntário).

Por outras palavras, o Facebook admite clara e inequivocamente, que não só incumpre as suas obrigações legais, como processa dados pessoais de forma ilícita, recusando a assumir qualquer tipo de responsabilidades que daqui advenham.

Atendendo às alegadas declarações que o Facebook proferiu, e que vieram a conhecimento pela mão de Max Schrems, parece que a resposta à questão inicial se torna óbvia: é de esperar que o Facebook continue a fazer tábula rasa do direito à privacidade e à proteção dos dados dos seus utilizadores, não os reconhecendo como verdadeiros direitos e liberdades, mas antes, como meras cedências contratuais que assentam numa manifestação de vontade dos utilizadores.