Está na hora de um Green New Deal português

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A greve global do clima mobilizou milhões de pessoas em mais de 130 países. Só em Nova Iorque esperava-se 1,1 milhões de pessoas. Na maioria jovens e estudantes.

A verdade é que parecem ser os mais novos a entender a necessidade de virar a página de uma economia e sociedade construída sob bases insustentáveis.

O aquecimento global, para além de todo o tipo de fenómenos climáticos extremos, irá provocar uma crise humanitária sem precedentes.

A ciência comprova-o, as consequências são mesuráveis e já se notam, principalmente em áreas mais sensíveis, como os trópicos, países insulares, a tundra e principalmente as áreas envolventes do ártico.

O principal problema neste momento, para além das mudanças necessárias serem demasiado lentas fruto de uma série de fatores, é que existe muita desinformação.

Desinformação na própria ciência das alterações climáticas, mas também desinformação nas soluções.

A negação direta do fenómeno parecia uma estratégia viável para quem queria business as usual, mas passados 10 anos (seis desses os mais quentes alguma vez registados), e depois de uma série de acordos internacionais assinados para responder à crise, parece agora que a negação indireta é a nova arma de quem se opõe à mudança, ou seja, a negação da viabilidade das soluções apresentadas.

Greve climática 2019 em Faro.

Portugal é uma pequena economia, dependente de maiores nações e de acontecimentos internacionais, mas é uma democracia madura, integrada no projeto europeu e capaz de também mostrar o caminho, tal como já o fez.

A situação até é bastante simples de entender, temos de limitar o aquecimento a 1,5ºC, isto se quisermos evitar as secas, o aumento descontrolado do nível do mar, as massivas migrações populacionais, os impactos severos na agricultura, entre muitas outras consequências.

Para alterar o estado de coisas, teremos de adaptar completamente o modo como a nossa economia funciona, transformando uma economia linear, em circular, e retirando os combustíveis fósseis da base de tudo o que fazemos (não apenas na energia, mas na manufacturação de muito do que utilizamos). Portugal tem vindo a aplicar alguns esforços na redução da sua pegada carbónica.

Resultados mostram que reduziu cerca de 9 por cento as suas emissões no ano de 2018. Longe ainda do ideal.

Numa altura em que o investimento público anda pelas ruas da amargura (estamos na cauda da Europa, com o investimento público a representar apenas 1,97 por cento do PIB), esta é a grande solução, um Keynesianismo verde.

Precisamos de um programa massivo de investimento público, em colaboração com a União Europeia, em infraestrutura, transportes e emprego no sector de energias renováveis, transformando não apenas este sector, mas a totalidade da economia, descarbonizando-a e tornando-a mais justa.

Ao mesmo tempo que se constitui uma smart grid nacional, o novo investimento nas decadentes infraestruturas, permitirá tornar os edifícios mais eficientes, atraindo com isto o sector agrícola e industrial, que se obrigam a um upgrade.

Todas estas mudanças formam um cluster verde, que permitiria a Portugal, e aos europeus, tornarem-se exportadores de tecnologia, know-how, produtos e serviços relacionados, auxiliando outros países e economias na mudança para economias neutrais em carbono.

O potencial de desenvolvimento de novas tecnologias é enorme, não apenas em energia e produção, mas também em tecnologias de captação de carbono, já uma realidade em muitos países.

O Green New Deal cria empregos, instala painéis solares, introduz veículos elétricos, mas nada tem a ver com impostos. Porquê?

Porque estes programas são numa parte considerável financiados pelo aumento do custo dos combustíveis fósseis, tornando-os indesejáveis e arcaicos.

É verdade que este modelo pode prejudicar famílias de classe-baixa e classe-média. Tal só será evitado se o investimento for aplicado de uma forma similar em todo o território, e principalmente em áreas de economias dependentes deste tipo de energia. É imprescindível o projeto ser inclusivo.

Não poderemos avançar para tal sem a entreajuda de toda a União Europeia, mas se partir de Portugal a intenção de avançar para um projeto desta magnitude, já poderemos dizer que fomos um exemplo (ou tentamos ser).

Miguel Braz | Consultor de Negócios Internacionais