As árvores enfraquecidas por cortes alarves, tornadas pequenas à força, ignoradas e maltratadas, são símbolo da passagem de um tempo ausente e sem memória de quanto fugaz é a vida.
Sabemos do passado comum e da vasta herança cultural partilhada, da vinda de fenícios e cartagineses, da organização do território e da uniformização cívica e citadina da Hispânia romana, a civitas romana; do Al-andaluz e do esplendor civilizacional do califado de Córdova com a sua extensão mais a oeste, o nosso Al-garb.
Talvez o Algarve, a terra mais a ocidente, sem a centralidade política e administrativa das cidades andaluzas (Córdova, Sevilha, Granada), sem ter edifícios/monumentos tão imponentes fosse algo periférica no contexto da presença árabe.
Contudo, a dimensão da estrutura defensiva de Silves (muito para lá do atual castelo), a recordação do palácio das varandas na saudosa evocação de Al-Mutamid, assim como a descrição do cruzado inglês aquando da conquista da cidade por D. Sancho I, entre outros testemunhos, atestam a riqueza citadina então existente.
Tal como os vestígios, documentos e estruturas existentes em Tavira, Faro e Loulé (os banhos islâmicos) também configuram núcleos urbanos importantes no período andaluz do Algarve.
Saltando no tempo, e indo ao encontro do título deste artigo, parece-nos ter havido uma deriva recente e ressentida no presente que fez esquecer o planeamento e ordenamento dos espaços verdes em contexto urbano.
Como se a herança partilhada de jardins e o modo mediterrânico de refrescar os dias, com árvores e plantas, tão vivamente ilustrada no Generalife de Alhambra e nos jardins do Alcazar de Sevilha; e na contemporânea proliferação de arvoredo em ruas e avenidas, parte integrante da convivência das comunidades andaluzas, fosse aos poucos esquecida do lado de cá do Guadiana.
Um pequeno exemplo, da mourisca Silves, onde o largo da Mata da minha infância tinha grandes pimenteiras e hoje, tão despojado de árvores, é quase impossível nele permanecer devido à torreira do sol.
E que dizer da requalificação do largo da Pontinha, em Faro, anos atrás, onde as árvores foram completamente esquecidas no projeto, preferindo os transeuntes continuar a passar nas arcadas para fugir à canícula? Tristemente solitário, num recanto, resiste um velho jacarandá, onde no outro dia alunos se abrigavam à sua sombra, a única!!!, a desenhar numa aula ao ar livre.
Tendo um então presidente da Câmara, plantado gigantescos vasos com laranjeiras nos passeios. Ridículo! Infelizmente, tudo se tem agravado nos últimos anos por toda a região.
O que é notório e faz a diferença é a conceção de parques e jardins, assim como a arborização de ruas e avenidas, fazerem parte integrante e importante do planeamento urbano das cidades em Espanha.
Com grandes parques e até corredores verdes, formando ciclos concêntricos em volta destinados à fruição desportiva e ao ócio saudável dos seus habitantes.
É admirável a atenção esmerada, o cuidado posto em muretes e espaço circundante, deixando a árvore respirar e preservando espécimes antigos no coração cívico e principais artérias. Passeando por Málaga, Sevilha, Córdova, podemos admirar este bem-estar público.
Parques verdes imensos como o Maria Luisa, em Sevilha e o parque de Málaga, correndo uma ampla zona marginal à marina, mantêm os caminhos de terra entre a vegetação.
Nós é oito ou 80. Toca a sufocar bem o chão e derrubar bons muros de alvenaria, onde nos podíamos sentar. Agora é tudo inox nas frentes marítimas, muito fino, qual amurada de iate… como nos renovados jardins de Olhão, frente à ria.
Em Cádiz, por exemplo, há uma gigantesca e muito idosa árvore da borracha, com muletas nos seus braços mais compridos, numa zona que é paragem de muitos autocarros, sentando-se as pessoas enquanto esperam à sua sombra, no muro do imenso redondel à sua volta. Por cá já teria sido toda cortada e considerada um atentado à segurança.
É comum, seja em pequenas pracetas ou praças maiores, ver as esplanadas cobertas de folhas ou flores, de laranjeiras, acácias e outras espécies e as pessoas convivendo felizes, passando o empregado um pano na mesa ao servir as bebidas. Normal, não?!…
Um amigo engenheiro numa câmara municipal do Algarve, um daqueles que ainda reconhece a importância das árvores em meio urbano, em conversa, dizia-me que empresários de restauração há que não as querem e chegam ao ponto de matar árvores recém-plantadas ou pressionar durante a execução da obra, pois são uma porcaria, sujam tudo; preferindo mil vezes os toldos.
Falámos também dessa prática corrente e criminosa, levada a cabo com gosto nas podas camarárias, que consiste em cortar o veio central das árvores ao alto, como pode ser observado por todo o Algarve.
O que não só revela desconhecimento do que é uma árvore como é estúpido de todo, pois vai crescer mal, em baixo e para os lados, em vez de crescer ao alto.
Poderia multiplicar exemplos desse decepar de árvores a que eufemisticamente chamam podas, quando muitas, para mais no estado atual do clima (subida da temperatura e falta de chuva), nem resistem ao massacre, morrendo.
Cabe às vereações municipais e às juntas de freguesia, a quem decide, acabar com estas desastrosas práticas. E se as árvores são muitas vezes consideradas um empecilho, ou porque tiram o sol nos prédios ou sujam os carros (esse deus intocável), pela maioria dos munícipes, então não lhes façam a vontade e sejam pedagógicos e verdadeiros amigos do ambiente. Vejam-se também alguns novos estacionamentos na sua imensidão de alcatrão e escassez de árvores…

Em São Brás de Alportel, as podas camarárias, ano após ano, sem dó nem piedade, vão cortando árvores de grande porte a eito, desnecessariamente, não só roubando sombra e oxigénio que tanta falta fazem como desfigurando a harmonia de ruas e outros espaços urbanos.
Em Alte, os choupos das Fontes, alvo de um corte radical há mais de 20 estão moribundos, feios e a morrer. São hoje um arremedo de árvores e alguns nem resistiram.
Ainda noutro dia, em Armação de Pêra, reparei numa alta e bonita (era bonita) casuarina, frente ao antigo casino, apequenada com o corte de alguns dos seus grandes troncos. Também o largo do antigo minigolfe é um desolador e ardente espaço pela ausência de árvores aquando da sua requalificação.
É uma autêntica ferida no olhar observar com olhos de ver como cresceram cidades como Portimão, Olhão, Faro, esta última com mais um atentado recente com a demolição do edifício sede da RTP.
Portimão, só passados todos estes anos e depois de ter deixado proliferar gigantescos centros comerciais, é que vê os seus políticos e autarcas anunciarem novos espaços verdes na cidade, como aconteceu nas últimas autárquicas.
Faro em 2022 continua a ter tão somente o que já tinha no século XIX, o Jardim da Alameda e a mata do Liceu, ambas em processo de requalificação. Esperemos que não sigam a opção tão em voga e nefasta de pavimentar tudo, cortar e substituir árvores de grande porte por serem perigosas ou estarem doentes.
É certo que qualquer cidade média em Espanha, quer pela dimensão urbana e industrial do país, quer pela densidade populacional das suas cidades, não são comparáveis com Portugal.
Mas então, supostamente, mais fácil seria ordenar e planear as nossas cidades… talvez este fosse um bom vento.
As árvores quando crescem livremente, naturalmente, são grandes e fortes. Inspiram gerações de vida. As árvores enfraquecidas por cortes alarves, tornadas pequenas à força, ignoradas e maltratadas, são símbolo da passagem de um tempo ausente e sem memória de quanto fugaz é a vida.
Paulo Penisga | Professor