As palavras são o que são. E os nomes também. Alguns, como Faro, são pequenos mas parecem ocupar um espaço grande demais.
A verdade é que os anos mais recentes trouxeram-nos esta tendência de cortar o nome de Faro da designação das entidades oficiais, dos equipamentos regionais e das infraestruturas. É o que é. Vivemos bem com o que temos e com o que somos.
Na saúde, deixaram cair o Hospital Distrital de Faro para fazer nascer o Centro Hospitalar [agora Universitário] do Algarve – sem que a qualidade da assistência tenha sofrido alteração positiva, bem pelo contrário.
No ensino sucede coisa semelhante: todas as escolas cuja abrangência supera os limites do concelho são designadas «do Algarve». É assim, muito notoriamente, com a nossa Universidade que é «do Algarve» ao contrário das congéneres de Aveiro, Coimbra, Évora, Lisboa, Porto e outras que se fazem valer do nome da cidade que as acolhe.
Esta é matéria pacífica, sempre o foi. Mas suspeito que não seria assim se os pioneiros da nossa academia, quase todos eles farenses, nos idos da década de 70, se lembrassem de baptizar a Universidade com o nome da cidade que a acolheu desde o primeiro dia.
O mesmo acontece com a Escola de Hotelaria e Turismo, que estando instalada em Faro é «do Algarve», em contraponto com as suas irmãs do Estoril, Portalegre, Setúbal, Lisboa, Porto ou Coimbra. O próprio Conservatório Maria Campina, estando em Faro, é «do Algarve» – recebendo agora a forte concorrência de diversos outros conservatórios, como os de Loulé e Tavira, por exemplo.
Nem a Igreja parece escapar a esta tendência de obliteração do nome de Faro. Organizada no distrito numa diocese regional, que derivou de Silves para Faro em 1577, a Diocese permanece «do Algarve» e não «de Faro», em contraste com as dioceses do Porto, Viana, Setúbal, Leiria, Aveiro, Viseu, Évora ou até do Funchal.
E que dizer do Desporto? Já se ouviu falar da associação de futebol do Minho? E da associação de basquetebol da Beira Litoral, ou do Alto Alentejo? Da Estremadura, ou do Douro Litoral?
Não, nunca se ouviu certamente. E não se ouviu porque o costume adoptado dita que cada organismo carregue o nome da cidade que o sedia. Assim temos as associações de futebol de Lisboa, Évora, Beja, Aveiro e de todas as outras capitais de distrito.
Em todo o território continental subsiste essa regra, com uma única excepção: o Distrito de Faro que, embora tenha na sua capital a sede de todos estes organismos oficiais regionais, os seus associados preferem não ostentar o nome de Faro na sua designação, certamente para não acicatar ânimos clubistas – que dirão estes da Associação de Futebol de Braga, na qual estão inscritos o Sporting de Braga e a sua némesis Vitória de Guimarães? E da Associação de Futebol do Porto, onde coabitam os insolúveis FC Porto, Boavista e Salgueiros?
A ordem dos Advogados (e a generalidade das organizações corporativas) apresenta-se como a excepção, mantendo o seu Conselho Regional de Faro que, aliás, é um órgão colegial geograficamente heterodoxo. No Aeroporto também é assim. Ainda.
Na nossa perspectiva, é bom que assim aconteça, pois reiterar o nome da capital da região é, também, reforçar a região. Não havendo, que saibamos, assumida pretensão de deslocalizar a capitalidade para outra paragem, dir-se-ia que a ninguém aproveita esta tendência de fazer desaparecer de todos os mapas a designação da nossa cidade. Bem ao contrário, reforçar o peso específico de Faro e a sua visibilidade como capital administrativa e política de um distrito que almeja a regionalização seria, só, de meridiana inteligência.
Em Faro não somos bairristas – relevem-se as saudáveis rivalidades idiossincráticas das nossas comunidades.
Somos algarvios. E pensamos, como todos, que Gago Coutinho bem merece a honra que lhe querem conceder baptizando com o seu nome o nosso Aeroporto Internacional de Faro.
Como mereceu, em 1963, a distinção que o Estado Novo lhe concedeu, inscrevendo o seu nome no Aeroporto Internacional de Lourenço Marques, atual Maputo, honrando a inédita travessia do Atlântico Sul realizada em 1922.
É, até, algo surpreendente poder constatar que nos anos 80 tal designação haja caído, sem que as autoridades do regime democrático ou mesmo os fazedores de opinião pública de então tivessem soltado um só queixume. Uma injustiça histórica para com uma figura universal como Gago Coutinho.
Outros egrégios haveria a contemplar neste debate, como o Infante D. Henrique que inaugurou a época da primeira globalização ou António Ramos Rosa, um farense de fio a pavio, cujo lastro poético vai vingando cada vez mais por todo o mundo.
Todas as três seriam escolhas válidas, sempre que não façam cair a designação que já existe. Que se abra o debate e que o mesmo não sirva para que o nome da nossa linda e histórica cidade seja uma vez mais tratado com a leviandade costumeira.
A bem da coesão da nossa região, a bem do respeito pela nossa história e da dignidade da nossa comunidade.
Rogério Bacalhau | presidente da Câmara Municipal de Faro