Avatar é um grande filme, diga-se, não só em duração como em concepção. O que faz um bom filme é o realizador e o argumento – escreve o professor Paulo Penisga
Avatar é um filme com referências a vários filmes. E pelo menos um livro também. Um grande filme, diga-se, não só em duração como em concepção. Como costumo dizer e aconselhar, quando se trata de escolher: o que faz um bom filme é o realizador e o argumento. Ou seja, a história que se conta e o modo como se filma. E James Cameron dá-nos tudo isso, e muito mais, pois o seu génio criativo está em vários campos: na realização, no argumento, nos efeitos especiais e na produção, como se pode ler no genérico inicial.
Como o próprio afirma: «o mundo de Avatar é tão vasto que posso contar a maioria das histórias que quero contar dentro dele e tentar muitas das técnicas que espero explorar no futuro».
O livro é Moby Dick de Herman Melville, clássico da literatura universal, em que a baleia, no caso um gigantesco cachalote, velha sobrevivente com o corpo cheio de marcas e cicatrizes dos arpões com que a tentaram matar, continua a resistir. Tulkun, a espécie do Avatar, parece ter ido buscar mais inspiração a uma baleia azul. Payakan, tida por assassina, foi banida e vive isolada.
O capitão Ahab, do livro, na sua loucura persecutória, vingativo, a querer trespassar a baleia com ódio, acaba arrastado para a morte, enlaçado pela corda do arpão. Tal como no filme, o capitão da expedição do navio baleeiro, que matam as Tulkuns apenas para extrair enzimas cerebrais para criar remédios anti-envelhecimento, também ele acaba vítima da sua terrível perseguição destes sensíveis e inteligentes animais.
Refira-se, talvez tenha passado despercebido no meio de tanta ação, a crítica muito atual e pertinente a uma sociedade e a uma certa ciência e tecnologia, que fazem investimentos milionários, gastando talento e meios, na procura do rejuvenescimento humano e prolongamento da vida. A busca do elixir da eterna juventude. Teimando em alterar o ciclo natural da vida. O nascimento e a morte. As contas do colar desfiadas entre as mãos, no início do filme, as histórias que cada uma conta e seu significado. Essa, sim, é a verdadeira eternidade, que é transmitida e perdura de geração em geração.
As cenas do naufrágio do barco caçador, onde segue o comando especial que persegue a família Sully, o abalroamento, a água a entrar, o afundar, a busca aflitiva de uma saída com o barco a submergir, (a atriz Zoe Saldana, a Neytiri, aguentou cinco minutos debaixo de água), assemelham-se e muito a sequências do filme Titanic (1997); também realizado por James Cameron, ele próprio um explorador de fundos oceânicos.
E até uma cena anterior, em que Jake Sully vem à tona de água, quando se vai entregar a troco da libertação dos filhos aprisionados no barco, tem uma evidente afinidade, assim a vi, no modo como se representa o rosto enegrecido, os olhos abertos de espanto e desafio, com o emergir no rio do capitão Willard (Martin Sheen), em Apocalyse Now, para o culminar da sua missão.
A narrativa é igualmente persistente, tal como no primeiro Avatar, na mensagem ecológica, ficcionada mas tão real, da destruição do equilíbrio homem-natureza, do bem-estar e modo de vida sustentável de povos que vivem em harmonia com o meio ambiente. Tal como acontece no nosso planeta, os humanos com a sua inteligência e poderosa tecnologia, (vejam-se no filme as máquinas que tudo arrasam conduzidas pela ganância humana do lucro) e tenhamos presente a exploração e devastação dos recursos florestais e minerais da Amazónia e a marginalização e perseguição dos povos indígenas.
Quanto aos aspectos etnográficos, o povo da floresta, com os seus arcos e flechas, as pinturas, a ligação às árvores e aos animais (a quem pedem desculpa quando ferem e matam), assemelham-se aos índios das grandes planícies da América do Norte. São muito diferentes, claro, em inúmeras outras coisas, nas suas montadas, por exemplo. Mas reparem bem na semelhança das tendas de habitar do povo avatar, construídas em cima das árvores, com os teepees dos caçadores de bisontes das grandes pradarias.
E os Metkayina, povo do mar e dos recifes, vão buscar inspiração, sem dúvida, aos Maori, povo nativo da Nova Zelândia, nas tatuagens, nos penteados, no orgulho e postura guerreira e até na expressão facial, no riso e caretas de alguns deles.
Maior sucesso de bilheteira de todos os tempos, com receitas astronómicas, Avatar é um fenómeno de popularidade. Gostei de ver tanta gente, sessões em várias salas sempre cheias. Lamento é que não se vejam também outros bons filmes em exibição no circuito comercial. Bastaria apenas uma terça parte da multidão de seguidores deste blockbuster, dar a si própria a oportunidade de assistir a outros géneros para o Cinema no grande ecrã resistir. E Spielberg não teria de nos agradecer termos saído de casa para ir ao cinema ver o seu filme The Fabelmans.