Fui surpreendido com confusas declarações do nosso ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Siza Vieira, há semanas. O governante referiu que «as despesas do Estado hoje são os impostos amanhã».
Dissecando estas declarações, fui invadido por uma séries de questões devido à tamanha contradição do ministro para com o seu governo, que afirmou sob voz do primeiro-Ministro António Costa que as medidas de austeridade são «contraproducentes» para a retoma económica.
Ainda assim, António Costa referiu na mesma entrevista que não quer dar «hoje uma resposta que amanhã não possa garantir». Afinal, a austeridade é uma má ideia do passado, ou uma resposta do futuro?
Não existe ainda uma ideia clara de como vão os governos europeus gerir a sua acentuada despesa pública, que irá disparar devido à crise pandémica da COVID-19.
Governos esses que estão mais limitados do que, por exemplo, economias como a americana ou a britânica que irão adotar medidas de monetarização, muito mais que a Zona Euro.
Penso que uma questão importante é perceber o que é austeridade. A austeridade não se contempla apenas com o aumentos de impostos.
Esses aumentos de impostos podem servir para aumentar a qualidade e quantidade dos serviços públicos, como a educação ou saúde. Nem todos os aumentos de impostos devem ser entendidos como prejudiciais para o contribuinte e a sociedade em geral. Depende muito.
A austeridade é a combinação do aumento dos impostos com o corte na despesa pública, nomeadamente nos serviços sociais, degradando as redes de welfare dos países.
Essa foi basicamente a receita que escolhemos para lidar com a crise financeira internacional de 2007-2009.
O governo de António Costa apareceu como alternativa a essas políticas de austeridade, propondo um caminho alternativo de devolução de rendimentos.
A retoma a este caminho revela o lado mais desprezível da política, e a meu ver, uma ameaça às democracias liberais, a decepção extrema do eleitorado.
Também importante, é o quão errado está o entendimento da funcionalidade desta política de «as despesas do Estado hoje são os impostos amanhã».
Esta é altura para aumentar a despesa pública e utilizar todos os mecanismos disponíveis para fazer isso, atenuando ao máximo as consequências de tal, em conformidade com o que aconteceu com vários planos macroeconómicos colossais no passado, hoje mencionados como exemplos nas recuperações económicas internacionais (exemplo do plano Marshall).
Com isto quero dizer que o aumento da despesa do Estado é o que irá permitir evitar o agravamento da recessão.
Gastos em educação, saúde, apoios no pagamento de salários, impedimento da falência de empresas, irão possibilitar a recuperação da economia e consequentemente o aumento da receita fiscal do Estado, formando uma bola de neve que nos permite aumentar ainda mais o investimento público, ao mesmo tempo que vamos resolvendo o problema do endividamento.
O problema da dívida e os nossos encargos não se resolvem com impostos. Resolvem-se com uma combinação que já antes resultou. Uma combinação de crescimento económico e inflação superiores às taxas de juro.
Por último, e não menos importante, há que falar no elefante no meio da sala: a dimensão das dívidas.
Perdoar a dívida ou parte dela também funcionou no passado, com certeza que funcionará também em tempos de grande incerteza como os de hoje.
A nossa inflexibilidade quanto a esta questão já nos contemplou com enormes problemas no passado. A pouca solidariedade gera extremismos, ontem, hoje e amanhã.