Sejamos claros e objetivos. Sejamos realistas e pragmáticos.
O Algarve já entrou e vai mergulhar profundamente numa enorme crise económica, social e de saúde pública devido às consequências da crise provocada pelo novo Coronavírus.
O Algarve pode também vir a atravessar uma enorme dificuldade devido à falta de um recurso essencial como a água.
Estas verdades nuas e cruas por mais difíceis e duras que surjam aos olhos de todos, em especial dos cidadãos desta região, precisam de ser ouvidas e repetidas até à exaustão.
Porque todos os responsáveis políticos regionais e nacionais sabem o que está a acontecer no Algarve e o que se prevê após este verão.
Porque a sua inércia na ação precisa ser vencida. Porque serão demolidores os prejuízos, insolvências e desemprego que advêm do desastre provocado pela COVID-19 e consequências para a região cuja economia depende mais de 70 por cento da atividade turística, cuja taxa de desemprego subiu 200 por cento num ano e 70 mil empresas estão sob risco de subsistência.
Porque, além desta terrível ameaça, pode o Algarve ter que se debater com a falta de um recurso natural absolutamente fundamental para a sua sobrevivência, a água, caso o próximo inverno não reponha os níveis das nossas barragens e aquíferos, sendo que perante uma situação que se sabe ser de resolução imperiosa e decisiva, nada mais tem vindo a ser feito do que uns meros planos de poupança do seu consumo, mal desenhados e divulgados e com residuais resultados.
Porque perante esta ameaça latente, e que exige respostas a curto/médio prazo, continuamos estupefactos e assistir a regas de jardins e rotundas sem critério, culturas infinitas de abacate, campos de golfe a consumir água como se não houvesse amanhã e outros gastos completamente inadequados perante a escassez deste recurso.
Perante estas ameaças concretas, atuais e demolidoras, o que até agora ouvimos, nove meses após o Estado de Hibernação do Algarve e à distância de (pelo menos) outros nove meses que nos esperam de estado de coma, foi muito recentemente que ouvimos que o Estado central se encontra a preparar um plano para o Algarve.
Plano este que como já vamos sendo habituados se resumirá a uns anúncios e a umas cerimónias pomposas aliadas às prometidas visitas semanais do nosso Presidente da República ao Algarve, e que se irá tranquilamente transformando nuns apoios a juro bonificado a algumas empresas que conseguirem sobreviverem, entretanto já sobrecarregadas de dívidas, e que depois se desvanecerão nas dificuldades habituais perante os obstáculos criados pelo sistema bancário, resultando numa mão cheia de nada.
Valerão eventualmente os apoios da União Europeia ao Algarve, uma vez que conseguiram descortinar mais cedo que o nosso Estado central o enorme rombo que economias como a do Algarve e outros destinos dependentes do turismo iriam sofrer.
O Algarve precisa pois, de uma vez por todas, de tomar as rédeas relativamente ao seu futuro.
Não pode pretender mais autonomia e em momentos de crise ficar de mão estendida face ao Estado central.
Perante este desafio enorme, perante as dificuldades que esperam a região, existe pois a necessidade de unir esforços.
Autarquias, associações empresariais, representantes dos partidos políticos algarvios e/ou eleitos pelos cidadãos desta região, precisam de chamar a si a responsabilidade pelo futuro próximo do Algarve.
A criação de um Plano de Emergência Regional patrocinado por todos os municípios do Algarve, de âmbito económico e social, a canalização de todos os recursos e meios físicos e humanos para esta causa torna-se assim absolutamente prioritário, o que exigirá a suspensão de todas as atividades, investimentos e despesas municipais não essenciais.
Para de uma vez por todas se avançar para o estudo de centrais dessalinizadoras, que por mais voltas que se dê é a solução que garante o abastecimento de água à região e a sua sustentabilidade.
Não existam todavia ilusões nem falsas expetativas. Tudo o que for feito nesta fase terá como objetivo apenas a sobrevivência desta região.
Porque nos aguardam anos de crise e de dificuldades.
O que não impede, exige mesmo, o pensamento e a preparação de uma visão estratégica para o futuro desta região.
Que terão que ser os algarvios a construi-la e mostrar que o conseguem implementar.
Estarão as autarquias e demais entidades desta região disponíveis, preparadas e capacitadas para este desafio?
Para darem as mãos, ignorando lutas partidárias e guerras locais, desprendendo-se de compromissos e interesses «pequeninos» para de uma vez chamarem a si o interesse e o futuro de uma região inteira e dos seus 450 mil habitantes?
Assim haja sentido de responsabilidade e de compromisso.
As próximas semanas serão decisivas e ditarão o futuro do Algarve.
Ricardo Palet | Engenheiro Civil, residente em Portimão