No momento em que escrevo este texto o país está em estado de Emergência por conta de uma pandemia que constitui uma verdadeira ameaça à nossa forma de viver.
É, pois, hora de salvar vidas. No entanto, importa desde já (tentar) vislumbrar o que pode ser a economia pós-pandemia. Neste capítulo, o nosso Algarve tem muitas razões para estar apreensivo. Muitas. Mesmo.
É voz corrente que a região depende do turismo. Os dados disponibilizados pelas entidades oficiais são categóricos nesta matéria. De facto, segundo o anuário estatístico da região do Algarve produzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2018 (último ano disponível), a riqueza produzida pela região medida através do Valor Acrescentado Bruto (VAB) ascendeu aos 7,9 mil milhões de euros.
A mesma fonte revela que, nesse ano, o VAB produzido no Algarve pelas atividades de alojamento, restauração e similares foi de 1,9 mil milhões de euros (i.e., 24 por cento do total).
Somam-se os 1,4 mil milhões de euros (i.e., 17,7 por cento do total) das atividades imobiliárias e os 0,9 mil milhões de euros (i.e., 12,1 por cento do total) relativos ao comércio por grosso e a retalho, reparação de veículos automóveis e motociclos e temos mais de metade da riqueza do Algarve direta ou indiretamente dependente do fenómeno turístico.
Este padrão é único no país, algo que demonstra bem a particularidade no nosso padrão de especialização económica.
A este respeito, vale a pena mencionar que os sectores da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca representam 3,8 por cento do nosso VAB em 2018, com as atividades industriais (de extração e exploração) a pesar apenas 3,4 por cento nesse mesmo indicador.
Não será pois de estranhar que o emprego na região dependa em grande medida do sector turístico. A este propósito, o INE revela que, em 2018, o Algarve contava com um total de 217 mil pessoas empregadas.
Destas, 44 mil trabalhavam em atividades de alojamento, restauração e similares (i.e., 20,2 por cento do total) e 35 mil em atividades de comércio por grosso e a retalho, reparação de veículos automóveis e motociclos (i.e., 16,1 por cento do total).
A comparação com Portugal impressiona já que os valores equiparáveis são 6,9 por cento e 15,0 por cento, respectivamente num universo de pessoas empregadas que ascende aos 4,8 milhões.
As nossas particularidades económicas não se ficam por aqui. De facto, o Algarve também é afetado por um elevado nível de sazonalidade (ver Tabela 1).
A Tabela 1 revela que, em 2019, os meses de junho a setembro concentram 55 por cento da procura turística dirigida ao Algarve. Os dados estão disponíveis aqui.
Neste período, cerca de 70,4 por cento dos turistas que visitam a região são não residentes. Em termos de proveitos, a situação é ainda mais extrema: 64 por cento da faturação de 2019 ocorreu entre junho e setembro.
A leitura crua dos dados leva então a uma conclusão: a economia da região depende, no essencial, dos meses de junho a setembro.
Logo, apesar dos números anuais serem muito interessantes (total de 20,9 milhões de dormidas, que ditam um crescimento homólogo face a 2018 de 2,5 por cento e uma quota do mercado nacional de 30 por cento; 1,2 mil milhões de euros de proveitos totais, que representam um crescimento homólogo face ao ano anterior de 7,2 por cento e uma quota de mercado em Portugal de 28,5 por cento) a fragilidade económica da região é por demais evidente.
As más notícias não ficam por aqui. De facto, à sazonalidade soma-se uma forte dependência de certos mercados emissores.
Infelizmente, não consegui obter informação atualizada sobre este aspeto, vendo-me na contingência de recorrer aos dados disponibilizados pelo Plano de Marketing Estratégico para o Turismo do Algarve 2015-2018 (estrategia.turismodeportugal.pt).
Este documento refere que, em 2013, 54,7 por cento dos passageiros processados pelo Aeroporto Internacional de Faro foram oriundos do Reino Unido.
Seguiam-se os passageiros vindos da Alemanha (11,6 por cento) e da Holanda (9,3 por cento). Admito que os valores atuais não andam longe dos que agora apresento. Partindo deste pressuposto, nota-se uma perigosa concentração da procura externa no mercado britânico, algo que é relevante já que, como demonstra a Tabela 1, três em cada quatro turistas que procuram o Algarve são não residentes.
Os dados acima não podem deixar de gerar apreensão na região já que todos os estudos internacionais apontam para o facto de o turismo ser o sector que mais tem a perder com a situação atual.
São várias as razões que justificam esta certeza, resumidas aqui em torno de duas vertentes essenciais.
A primeira reside na psicologia e prende-se com a convicção de que no futuro próximo a maioria de nós vai preferir evitar grandes aglomerações e tudo aquilo que obriga a um contacto próximo com outras pessoas. A segunda é de natureza económica.
A economia mundial vai entrar em recessão o que vai implicar perda de rendimento para muitas pessoas (seja por desemprego, reduções nominais do rendimento do trabalho e/ou capital e/ou aumento de impostos). Como tal, espera-se que exista uma redução na propensão para viajar, o que afeta negativamente o fluxo turístico mundial.
Dentro deste cenário pouco animador, a situação do Algarve é ainda mais periclitante. De facto, a Páscoa marca o arranque do ano turístico na região. Seria agora que muitas unidades hoteleiras estariam a afinar a máquina, que é como quem diz a abrir as portas e contratar pessoal, reativar contactos com fornecedores, entre outros.
Ora, a Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), já confirmou que a Páscoa não correu pelo melhor, não se perspetivando que seja possível uma grande recuperação das reservas nos próximos tempos. É fácil compreender porquê.
Neste momento os principais mercados emissores estão ainda a lidar com a pandemia COVID-19 sem que seja possível antecipar quando a mesma ficará controlada.
Por outro lado, a esmagadora maioria das companhias áreas têm a sua atividade reduzida a quase nada, estando muitas delas a lidar com um elevado nível de incerteza sobre o que pode ser o seu futuro imediato.
Juntem-se as mais que previsíveis restrições de viajar no espaço intra e extra-comunitário para se perceber que a procura turística externa será bastante mais reduzida do que gostaríamos em 2020.
A procura interna é pois o único ponto que pode gerar algum alento mas a situação nacional desaconselha grandes entusiasmos nesta fase. De facto, são já muitos aqueles que estão em situação de layoff, esperando-se que o desemprego aumente significativamente nos próximos meses. Logo, mesmo a procura interna deverá sofrer um impacto não desprezível em 2020.
O que podemos então fazer? Penso que esta é uma oportunidade para finalmente darmos passos relevantes e decisivos no tema da diversificação da base económica do Algarve.
Neste contexto, três sectores parecem particularmente promissores. A produção de energia «limpa», as tecnologias de informação e, claro, o mar.
No que toca ao primeiro seria interessante canalizar fundos para apoiar a disseminação massiva de painéis solares na região, tanto no sector público como no privado.
Se juntarmos a esta medida apoios comunitários sérios para a criação de uma fileira industrial de produção destes painéis e para a investigação nesta área, teremos a oportunidade para explorar de forma inteligente uma das vantagens naturais da região: a sua exposição solar.
No longo-prazo, o negócio afigura-se interessante já que ajudaria a minimizar a nossa dependência do petróleo, com consequências positivas sobre a balança de pagamentos. Já há passos dados na segunda vertente mencionada acima, nomeadamente através do projeto Algarve Tech Hub.
Temos pois de dar ainda mais força ao mesmo para que possa acelerar o seu desenvolvimento.
É de referir que este projeto capitaliza novamente numa das vantagens naturais da região – a qualidade de vida que oferece – podendo ajudar a somar ao Algarve um conjunto de pessoas e empresas que vão construir o século XXI, seguramente assente no digital.
O terceiro sector frisado acima é, para mim, o grande desiderato da região e do país. Portugal tornou-se na super potência do mundo quando se virou para o mar e decidiu encetar a época dos Descobrimentos. Está pois na altura de voltar a olhar estrategicamente para este enorme recurso que, na verdade, é a última grande riqueza de que dispomos.
Como fica o turismo no meio disto tudo? O turismo será sempre uma atividade-chave da região.
Neste momento de aflição devemos apoiar as empresas economicamente robustas a enfrentar a crise de procura (e de liquidez) que se avizinha.
Neste particular, todas as estratégias (fiscais, de subsidiação direta às unidades, apoio generoso à manutenção dos postos de trabalho, etc) devem de ser equacionadas de forma a salvar algum do músculo empresarial do Algarve.
De frisar que o sector turístico algarvio tem sido instrumental para o consolidar das contas públicas nacionais razão pela qual merece uma especial atenção por parte do nosso governo.
Dito isto, é preciso reconhecer que a região deve continuar a apostar na sua promoção junto do mercado interno e externo promovendo produtos e atributos que possam fazer sentido no contexto atual.
Teremos sucesso? Depende da nossa capacidade para articular e juntar vontades, mobilizando recursos e capacidade de influência.
Luís Coelho | Professor de Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e membro da Ordem dos Economistas