A Festa do Banho Santo, celebrado no dia 29 de agosto de cada ano, que no Algarve tem assumido autêntico cartaz de eventos que anunciam o fim do mês de agosto.
Um período de fim de férias para milhares de veraneantes, onde a ida de homens e mulheres às praias e águas dos rios para se banharem e se purificarem, em nada se relaciona com o dia do martírio de João Batista (29 de agosto), nem com o dia do seu nascimento (24 de junho).
A celebração festiva (desde algumas décadas associada a grandes eventos com a participação de milhares de veraneantes em férias) que ocorria (antes da Pandemia) todos os anos em várias localidades do país, mas com grande incidência na região do Algarve, tem a sua origem na mitologia Clássica e no Cristianismo do século V, em várias localidades da França e também na Itália do século VI.
Presente no livro litúrgico usado pela Igreja Católica para anunciar as festas dos santos na véspera do seu dia (Martirológio Romano)(1) o dia 29 de agosto corresponde ao martírio de João Batista, santo para a igreja Católica e apenas Profeta para outras religiões (por exemplo, para os muçulmanos; para os fiéis bahá’ís, etc.) e que nasceu a 24 de junho e faleceu no ano de 28 d.C., sendo o único santo que é evocado em duas solenidades pela Igreja Católica.
A Festa do Banho Santo, celebrado no dia 29 de agosto de cada ano, onde a ida de homens e mulheres às praias e águas dos rios para se banharem e se purificarem, em nada se relaciona com o dia do martírio de João Batista (29 de agosto), nem com o dia do seu nascimento (24 de junho).
Devemos encontrar as raízes dessa Festa popular no ato de batismo de Cristo efetuado por João Batista nas águas do rio Jordão.
Na verdade, a simbologia da purificação que o povo procura no dia 29 de agosto quando mergulha nas águas do mar e dos rios, está associada às águas do rio onde Cristo foi batizado.
Esta analogia tem, pois, o significado de pureza e de redimir o pecado, o mal, no sentido geral que, no caso de Cristo, tal não se verifica, mas no que se relaciona com os povos, a Humanidade, seria uma oportunidade de remissão e de fortalecimento da sua «saúde espiritual», usando as palavras do jesuíta Baltazar Altamariano numa obra do século XVI (2).
Recuando alguns séculos, a tradição do banho, das pessoas se banharem em épocas festivas vamos encontrá-la na mitologia Clássica, onde os deuses se divertiam nas águas dos rios comtemplando a natureza, e que nas Culturas Grega e Latina, os banhos, o ato de tomar banho, era importante para as suas populações.
Com a implantação do Cristianismo nos territórios ocupados pelos romanos, a higiene e o costume outrora havido de se tomar banho amiudamente decaiu para retomar a sua essência, sobretudo nos países da Europa do Sul, a partir do século XVI.
A data de 29 de agosto, como data festiva e comemorativa apenas a podemos categorizar como uma data litúrgica e de solenidade religiosa e nunca associada a um dia do calendário litúrgico que atualmente (e sem data inicial conhecida) associada á tipificação de festejos e comemorações populares premiada por folguedos e convívios que não entroncam na solenidade da citada data.
Então, por que se convencionou a data de 29 de agosto como a data da ida a banhos do povo e hoje também consagrada até em feriados municipais, como por exemplo em Aljezur?
Ano após ano, o povo deslocava-se até à praia de água salgada e às praias fluviais, onde o Algarve constitui, atualmente, a região com maiores desenvolvimentos de recreação histórica da efeméride.
Na região algarvia, tradicionalmente, o povo da serra deslocava-se ao litoral, com o seu gado para lavar os animais assim como para os curar de doenças, sendo a água do mar um excelente meio de debelar enfermidades, tanto para animais como para humanos.
Terminado um ciclo de colheitas ou de trabalhos agrícolas que os Forais Manuelinos do século XVI emanam nos seus capítulos, a população descansando do trabalho árduo, deslocava-se até ao litoral, acompanhada do seu gado, onde se juntava para um convívio familiar e comunitário, trazendo os seus farnéis e regressando ao pôr-do-sol às suas casas.
Não havendo o costume do banho conjuntamente com outras pessoas ou vizinhança, (aliás, mal visto socialmente, sobretudo ao nível da população adulta e proibida pela própria Igreja Católica) apenas podemos compreender essa data como o encerramento do período de Verão associado a atividades socioeconómicas da população rural e que procuravam um momento de lazer e de recuperação de energias para os subsequentes trabalhos que adviriam.

Não sendo normal o uso de ir á praia como forma lúdica, as populações foram, aos poucos, usufruindo de outros valores culturais através do convívio com outras nacionalidades.
Em Portugal (como em outros países) a ida à praia, como local de tomar banho, apenas se vulgarizou muito mais tarde, sobretudo no primeiro quartel do século XX.
Mas a ida ao mar e aos rios, como locais de banho (associados tanto à limpeza dos corpos, como à revigoração da «saúde mental») implicava que homens e mulheres usassem roupa para tal, isto é, aquilo que hoje se conhece por «fatos-de-banho».
Não se conhecendo, para os séculos precedentes ao período de Oitocentos, imagens ou pinturas de roupa para ser usada nas praias, apenas se sabe da existência de uma imagem datada de 1858 e relacionada com roupa feminina, que se apresenta como uma indumentária de uso comum nada tendo a ver com os atuais fatos-de-banho mesmo aqueles que na primeira metade do século XX foram usados por homens e mulheres(3).
As roupas usadas, sobretudo nas zonas rurais seriam as que eram utilizadas no dia a dia e no que respeita à roupa masculina, o uso de calças e coletes em algodão, seriam os mais utilizados, pois a tradição e a moral vigente, incidia mais sobre a apresentação da indumentária feminina e o seu resguardo dos olhares masculinos.
Em Portugal, a evolução da roupa para se ir à praia, tomou tais proporções ao nível da exposição física de homens e mulheres que, no ano de 1941, foram ditadas normas de conduta que normalizaram os fatos de banho feminino e masculino e que vigoraram até ao 25 de abril de 1974. As exceções a esta normalização incidiam sobre os jovens entre os 10 e os 18 anos, salvo se o seu «crescimento fosse precoce».
Contudo, os dados existentes sobre o acatamento deste Decreto-lei (afixado nas praias, em editais (extensivo também a treinos e piscinas) não teve grande aceitação por parte da população, pois nos anos 1950 e seguintes, as imagens que podemos observar, na Imprensa da época, é que os trajes de banho não respeitavam inteiramente as normas ditadas em 1914(4).
Com a evolução socioeconómica e a aculturação de novos padrões culturais, as tradições, aquilo que no século XIX se vulgarizou como um ato cultural associado à vida económica das populações rurais, praticamente desapareceu, pois com a evolução cultural das populações e o surto do Turismo, a praia e os rios deixaram de ser lugar de convívio com data marcada, para passarem a ser locais de fruição de gente de várias nacionalidades, onde o Sol e o clima ameno se tornaram o ex-libris de uma região que hoje se apresenta recreações de tradições que na sua origem, em muito pouco se relaciona com a verdadeira ancestralidade da festividade que hoje denominamos de Banho Santo-29 de agosto.