A dança das cadeiras

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De quatro em quatro anos, chegada a altura da preparação das listas para as eleições autárquicas, começa o habitual jogo das cadeiras.

Vemos as mesmas caras a surgir, uma e outra vez. Repetem-se candidaturas, repetem-se cargos, repetem-se ideias. Ser autarca não deveria ser uma profissão, mas sim uma missão.

Ser autarca é uma opção pessoal, que deveria ser de puro altruísmo e sentido cívico. Ser autarca é dar de si aos outros, é deixar para trás a sua vida profissional e prejudicar muitas vezes a vida pessoal.

E nem todos estão, nem são obrigados a estar, disponíveis para isso. Mas tudo isto não deveria servir como desculpa para uma e outra vez se repetirem os nomes de sempre.

No Algarve, as taxas de abstenção, mesmo nas eleições autárquicas, são elevadíssimas. Em 2017, a taxa de abstenção na região foi de 52,56 por cento. Ou seja, mais de metade dos cidadãos inscritos decidiram não votar.

Lamentavelmente, já em 2014, esta média rondava os 52 por cento.

Se compararmos estes valores com a média da abstenção a nível nacional, apesar de não ser assim tão mais elevada, a verdade é que o Algarve, no que respeita a eleições autárquicas, tem no geral mais abstenção do que a média nacional, cerca de 4 pontos percentuais.

Abunda a abstenção e há falta de motivação. O desinteresse generalizado das populações sobre este processo, tem com toda a certeza muito a ver com a ideia pré-concebida de que a sua opinião não vai mudar nada.

Frases como «vota no partido x, y ou z porque é esse que ganha sempre» ou «não vale a pena preocupar-me com isso porque não vai mudar nada» têm de começar a ser desconstruídas. Podemos mudar as coisas, sim.

Podemos e devemos querer mais e melhor para as nossas cidades, para as nossas freguesias e para os nossos concelhos no geral.

Temos de parar de ter medo de ter ideias que sejam vistas como disruptivas e que ao final do dia impeçam por exemplo, um empresário de as partilhar, com receio das consequências.

Não devemos continuar a achar que democracia é um exercício onde nos devamos alienar dos nossos deveres cívicos.

Como cidadãos, devemos todos fazer parte ativa do processo. Haja motivação, haja iniciativa. É urgente fazer um esforço para aproximar o comum cidadão dos órgãos autárquicos das nossas terras, começando nos concelhos do Algarve.

As recentes alterações à lei autárquica, aprovadas pelo PS e PSD, veio aumentar a dificuldade de um grupo de cidadãos se poder reunir e apresentar candidatura aos órgãos autárquicos de determinado concelho.

Um aumento brutal de burocracias, como conjuntos elevados de assinaturas reconhecidas por notário, a necessidade de criação de movimentos diferenciados para uma junta ou para a câmara municipal por exemplo, entre outros, fizeram com que Aurélio Ferreira, presidente da Associação dos Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI), solicitasse à Procuradoria-Geral da República que peça a fiscalização do diploma, que considera inconstitucional.

Esta alteração à lei terá dois impactos visíveis: por um lado a desistência de grande parte de movimentos de cidadãos que possam estar interessados em fazer parte ativa da vida dos seus municípios, e por outro lado, a procura de apoio por parte destes movimentos em partidos habituados a gerir a sua agenda eleitoral.

Segundo a AMAI, em 2017 foram eleitos 403 presidentes de junta e 17 presidentes de câmara como independentes.

Já em 2013, tinham sido ganhas 13 Câmaras Municipais por candidaturas independentes.

Pessoal e politicamente, considero esta alteração à lei, um bloqueio claro ao avanço de movimentos independentes e naturalmente uma ação clara contra a cidadania e democracia no geral.

Todas estas questões são bloqueadoras ao incentivo para qualquer cidadão comum em participar de forma mais ativa na vida política da sua localidade.

A atual situação pandémica que o mundo atravessa também não ajuda a que haja maior aproximação entre os cidadãos e os órgãos autárquicos. Se por um lado se tem assistido a um esforço de alguns municípios para transmitirem as suas Assembleias Municipais através das redes sociais e meios digitais disponíveis, outras autarquias aproveitaram esta desculpa para fechar ainda mais os seus órgãos à sua população no geral.

É lamentável que uma autarquia se recuse a transmitir as suas assembleias municipais e que dê como motivo a pandemia.

Todo o processo autárquico é de proximidade e numa fase pandémica é difícil estar próximo das pessoas.

Mas temos de tentar chegar-lhes. Ao invés de se afastar os munícipes, porque não aproveitar um momento em que todos tantos de nós nos habituamos a usar o computador e as várias plataformas, para trazer os munícipes para mais próximo dos seus órgãos locais?

O mérito de todos os que já deram de si a todos os nossos concelhos não deve ser esquecido. Não devemos desvalorizar todo o esforço e tudo o que de bom se fez. E muito menos devemos achar que foi tudo mal feito até aqui.

Mas devemos acreditar que todo o processo pode ser melhorado. Devemos todos fazer um esforço para atrair boas pessoas, boas e novas ideias e bons valores que, ao final do dia, ajudem os concelhos do Algarve a progredir como um todo e reforcem a posição da região a nível nacional.

As autarquias têm de parar de servir interesses umbiguistas, sejam eles políticos ou económicos.

As câmaras municipais têm de deixar de ser vistas como um mero meio para atingir determinado fim.

Os autarcas têm de olhar para o poder autárquico não como uma ferramenta de aumento de poder pessoal, mas como uma ferramenta ao serviço das suas cidades e populações.

Há quem se inspire, mas de forma invertida, na máxima de não voltar a um lugar onde foram felizes, abdicando ou ignorando o valor da renovação.

Enquanto Coordenadora do Grupo de Coordenação Local da Iniciativa Liberal de Faro, assumo o compromisso de que iremos lutar para que, nestas eleições autárquicas que se aproximam, novas ideias e novas caras possam estar ao serviço da população rumo a um Algarve melhor.

Cláudia Vasconcelos | Coordenadora do Grupo de Coordenação Local da Iniciativa Liberal de Faro