Rat Rig começou numa garagem e hoje exporta kits para impressoras 3D para os Estados Unidos, Europa e até Austrália.
Todas as semanas saem das instalações da Rat Rig, no Chelote, arredores de Faro, dezenas de encomendas, a maioria das quais para os Estados Unidos da América (EUA).
Fundada em 2013 por dois amigos, a empresa nasceu numa garagem para explorar o potencial de uma peça revolucionária: o perfil de alumínio extrudido V-Slot que, na altura, ainda não era fabricado na Europa.
Explicado de forma simples, é uma peça de design livre (open source) com inúmeras aplicações. A característica que distingue este perfil é que tem dois ângulos de 45 graus, em forma de «V», que servem de encaixe e como tal podem ser utilizadas numa grande variedade de máquinas e equipamentos cujas peças precisem de algum movimento.
«Foi o perfil que começou tudo», recorda Sonat Duyar, diretor de operações da Rat Rig, que se juntou à equipa, dois anos depois da fundação da loja online.
«A impressão 3D estava a dar os primeiros passos, digamos assim, pelo menos, fora das indústrias. Na altura, o YouTube ganhava popularidade e as câmaras digitais estavam a tornar-se cada vez mais acessíveis. De repente, a intersecção destas duas tecnologias provoca uma explosão de videografia e há muita procura por equipamentos», algo que os fundadores perceberam, acabando por colocar no mercado um kit para sliders – uma plataforma que permite deslizar uma câmara, de forma estável e controlada. E por um preço muito abaixo do que então existia no mercado. Foi um sucesso.
«Lançámos esse produto inicial, mas o facto de termos uma plataforma que era muito modular e personalizável, permitiu-nos evoluir rapidamente e ir ao encontro daquilo que os clientes procuravam, sliders em vários tamanhos», recorda. Entretanto, «reparáramos que as pessoas estavam também a comprar perfis em tamanhos não standard. Uma encomenda da Alemanha, depois outra da Bélgica, com os mesmos requisitos. Algo se passava! Vimos que estavam a usar os perfis para reforçar impressoras 3D chinesas baratas que vibravam muito».
Então, «entrámos de forma muito humilde nesse mercado, sem conhecimento profundo, a oferecer kits de reforço para o que já existia. Aos poucos, a nossa base de clientes a crescia. Estava a nascer um nicho interessante», recorda.
E, ainda hoje, a Rat Rig está focada no chamado mercado DIY (Do it yourself). «Como é o cliente que tem de montar o produto final, fazemos o sourcing das peças em kit. E por isso conseguimos um preço muito atrativo. Ofereceremos algo com qualidade equivalente ao que existe no mercado, mas é o cliente que tem o trabalho de configurar, afinar, o que também permite personalizar tudo à medida das suas necessidades».
Então, «criámos a nossa primeira versão da impressora 3D, experimental», o que atraiu ainda mais entusiastas. «Criámos comunidades online numa colaboração muito próxima com os utilizadores que montavam a nossa máquina, faziam modificações e partilhavam o resultado», segundo a sinergia open source.
«E colaborávamos no sentido de integrar essas boas ideias» na versão seguinte do kit. Desde o início, empresa colocou todos os planos «disponíveis online. Cada um podia construir à sua maneira. Um de co-desenvolvimento que também nos ajudou a perceber em que direção é que os clientes queriam que o produto evoluísse. Também criámos algumas relações com pagamento de royalties e de comissões».
Houve 11 versões da impressora 3D até chegar à atual. E eis que de repente, «a pandemia desloca muita atenção para o online. Confinadas e fechadas em casa, muitas pessoas começam a interessar-se pelo hobby da impressão 3D pela primeira vez. Tivemos assim a oportunidade de surfar essa onda e, ao mesmo tempo, lançámos finalmente uma versão do produto que já estava polido o suficiente para captar a atenção de alguns youtubers populares que fizeram boas reviews. Isso acabou por provocar uma explosão gigantesca. No início de 2020 ainda éramos uma empresa com quatro a cinco pessoas. De 2020 para 2021, passamos para 14 e, de 2021 para 2022, passamos para 25. No ano passado, nos óscares da indústria, ganhámos o prémio de empresa do ano».
CNC é passo seguinte
Agora que o mercado está mais estabilizado, «e que somos, sem dúvida, uma referência, queremos a começar a diversificar» através da produção de máquinas de corte CNC (Computer Controlled Cutting Machine). O primeiro modelo chama-se «Stronghold one». «Todos os carpinteiros hoje têm de se modernizar e começar a usar estas ferramentas que permitem poupar tempo, produzir com repetibilidade e garantir a produção sempre com as mesmas especificações». De novo, o fornecimento em kit permite competir em custo e no fator flexibilidade.
«Pode-se personalizar o tamanho e o tipo de ferramentas que são montadas. É possível usar eletrónicas mais avançadas para dar mais controlo ao que a broca faz, ou outras mais simples e mais baratas, e também vários tipos de motores. Enviamos as caixas todos os componentes, peça a peça, e é o cliente que monta tudo seguindo o manual de instruções que providenciamos».

Curiosamente, estas máquinas estão a suscitar grande interesse na Austrália, onde a Rat Rig tem agora um distribuidor, de forma a minimizar os custos de transporte. «No outro lado do planeta há imenso interesse pelos nossos produtos. O mercado australiano é cada vez mais importante, embora tenhamos essa limitação», sublinha.
Ou seja, «estamos a trabalhar em dois mercados adjacentes com tecnologias irmãs. O CNC faz fabrico por remoção, enquanto a impressora 3D faz adição de material, camada por camada. Apesar de permitir fazer coisas com designs muito mais intrincados, embora ainda sem grande robustez estrutural».
Além disso, «o mercado das impressoras ainda é muito dominado por entusiastas. O das CNC é dominado por profissionais e isso dá-nos entrada noutro universo. Não ficamos tão dependentes de algo que pode flutuar muito. Numa crise económica, se calhar, as pessoas não vão gastar tanto no seu hobby», compara.
Máquinas auto-replicantes
Nas instalações da Rat Rig, uma quinta de impressoras 3D (print farm) fabrica muitas das peças de plástico fornecidas nos kits. «Usamos as nossas impressoras também para produzir as peças dos nossos produtos que têm um design mais elaborado. É mais fácil, flexível e dinâmico».
«Este é o produto que nos colocou na ribalta, mas também é o que usamos para produzir. O que temos aqui são máquinas a auto-replicarem-se e a criar cópias de si próprias, 24 horas por dia».
Agora «estamos no processo de converter todas as nossas máquinas para um processo ligeiramente diferente. Estão ser fechadas para trabalhar com plásticos resistentes a altas temperaturas. E para isso é preciso que mantenham uma temperatura estável e mais elevada».
A empresa tem três tamanhos diferentes de impressoras 3D para venda, e 50 por cento das vendas correspondem à de maior dimensão. Podem custar entre 600 a 3000 mil euros.
«Certos componentes acabam por sofrer desgaste e precisam de ser substituídos, mas a vantagem de trabalhamos com uma plataforma open source, torna isso muito fácil. As nossas máquinas mais antigas foram montadas em 2019 e ainda estão vivas», detalha. Aliás, «sempre que lançamos uma nova versão, fazemos também um kit de upgrade para quem tem a versão anterior. Desta forma, mantém o equipamento atual e nós podemos também tirar partido da audiência que já existe».

Sonat faz um balanço positivo de toda esta atividade. «Tem sido um processo muito interessante construir tudo isto, porque estamos, de facto, a navegar em território inexplorado e desconhecido, tirando partido de coisas que são, todas elas, muito novas e muito recentes. Esta empresa não podia ter funcionado há 30 anos. É tão simples quanto isto. A maneira como desenvolvemos produto, tudo online, não seria possível», diz o gestor de operações.
60 por cento das vendas são para os EUA. A empresa algarvia já aprendeu a agilizar os processos alfandegários e tem vindo cada vez mais a trabalhar com distribuidores locais.
«Os nossos mercados-chave são, sem dúvida, além dos EUA, a Alemanha, o Reino Unido, a França e um pouco por toda a Europa. Curiosamente, Portugal representa menos de um por cento da nossa faturação e o mercado regional, então, é uma gota de água. Às vezes temos contactos com empresas nacionais que nem sabem que somos uma empresa portuguesa. Somos um oásis de indústria no meio da hotelaria», conclui.
«Desmaterialização de objetos»
Sonat Duyar, diretor de operações da Rat Rig, acredita que esta tecnologia, apesar de ainda estar nos «primórdios», tem muito para crescer. «Permite uma flexibilidade gigantesca. Por exemplo, eu não preciso de ir à procura de um determinado componente. Posso produzi-lo localmente. A única coisa necessária são ficheiros digitais que podem ser partilhados ou vendidos. Qualquer pessoa pode criar qualquer coisa. Ou seja, há uma desmaterialização de objetos. À medida que estas tecnologias evoluem e se tornam cada vez mais fiáveis, serão também mais massificadas e mainstream.
Um dia, qualquer empresa, em vez de ir comprar uma ferramenta, pode descarregar um ficheiro e criá-la. Acho que isto vai ser cada vez mais comum», prevê. Há limitações com os materiais, «mas estamos a falar do futuro. O nosso nicho hoje funciona com plástico, mas haverá impressão 3D em muitos materiais diferentes, inclusive até metais e betão. Ainda assim, plástico dá para fazer muita, muita coisa».
E mais. «Num paradigma como tivemos há dois anos, em contexto de pandemia, era praticamente impossível conseguir certos componentes. Imagine uma linha de montagem, na qual me falta um componente em mil, e, por isso, nada sai da fábrica. Posso ter uma impressora 3D para quando há faltas por razões logísticas e imprimir a tal peça, mesmo que este não seja o processo mais eficiente e mais económico. Mas permite não parar a linha de montagem, com uma solução temporária», exemplifica.
Perfil de alumínio V-Slot ainda tem muito onde se inventar
Sonat Duyar, diretor de operações da Rat Rig, dado o historial da empresa, prevê que «daqui a cinco anos, o nosso negócio será qualquer coisa diferente. O fio condutor que unifica todas as ideias e que é a base fundamental de tudo o que temos feito até hoje é a modularidade do perfil de alumínio e do sistema de conectores que usamos. Permite uma flexibilidade enorme para desenvolver novos produtos».
E ainda há mais por inventar? «Claro! Por exemplo, os chamados Simrigs (estruturas para jogos de simulação de voo ou de carros de corrida). Há gamers que compram volantes e pedais e depois não têm suportes onde os agarrar», pelo que seria «fácil» entrar neste mercado. E também com oferta para usos mais mundanos.
«Temos pessoas que praticam offroad e precisam de estrados à medida das suas necessidades para montar por cima dos tejadilhos dos veículos, onde possam colocar uma tenda, transportar jerricans», ou até montar monopés para fotografia. «E já cá vieram autocaravanistas em busca dos perfis de alumínio para montar painéis solares ou outras aplicações».
Outra ideia em caixa é o mobiliário industrial. «Os tróleis que usamos foram feitos por nós e personalizados a vários níveis. Como temos de estar sempre a movimentar as peças no armazém, começou a ser uma necessidade. Temos interesse em lançar uma marca que se foque neste tipo de soluções direcionados para fábricas. Tudo que seja tróleis, bancadas, estantes, ilhas e secretárias». Além do original perfil de base 20, a empresa usa hoje um total de 30 variedades.
Cosplay, prototipagem rápida e print on demand
Questionado sobre qual a utilização que os clientes da Rat Rig fazem das impressoras 3D, Sonat Duyar, diretor de operações, tem alguma dificuldade em responder, de tão diversos que são os usos possíveis. É mais fácil responder, distinguindo entre entusiastas e profissionais. «Um dos usos mais populares, acaba por ser o Cosplay», um hobby que consiste em criar a roupa e acessórios de personagens do mundo do cinema ou da banda desenhada. «Pessoas que gostam, por exemplo, de criar a armadura do Iron Man, o capacete do Mandalorian, pistolas da ficção científica, esse tipo de coisas».
Entre os profissionais, «o principal uso é a prototipagem rápida. A impressão 3D permite imprimir em plástico uma prova de conceito, ou testar várias versões» antes de se avançar para um processo final de produção em escala.

«Temos um cliente que nos comprou 42 máquinas e tem a intenção de adquirir pelo menos mais 100 ao longo dos próximos 12 meses. Produzem sinais luminosos personalizados de iluminação interior. Temos outro que faz vasos para plantas com designs artísticos. O catálogo tem dezenas de modelos diferentes. Uma vantagem é que em vez de produzir e ficar com um enorme stock, não precisa acumular. Produz cada peça conforme as encomendas», exemplifica. É um conceito semelhante ao print on demand, que já existe no mercado livreiro independente. «Se fosse preciso resumir tudo isto numa palavra, seria a flexibilidade».
E «há uma grande percentagem de clientes que querem apenas brincar com as máquinas, ver como podem fazer com que imprimam mais rápido e com mais qualidade. A máquina é um fim em si mesmo, e não o que a máquina faz. O open source ajuda nesse aspeto porque estamos sempre a puxar as fronteiras do possível. As pessoas podem experimentar e fazer coisas que ainda não existem». Por exemplo?
«Ainda não lançámos a nossa impressora 3D de duas cabeças para o cliente final. O produto está maduro, mas ainda não está polido o suficiente. No entanto, a versão atual já está disponível online, gratuitamente. Quem quiser, pode ver os planos, comprar as peças, e se quiser e colocá-la a funcionar. É um processo aberto e transparente, mesmo antes do pré-lançamento. Alguns dos nossos clientes são também os nossos beta testers e os mais conhecedores», conclui.
Código aberto… mas até quando?
A filosofia open source (código aberto) «tem sido crucial para o nosso sucesso e uma vantagem competitiva», diz Sonat Duyar, «pelo tipo de pessoas e pelo nicho que conquistámos.
Mas diria que estamos a chegar a um ponto em que o open source se está a tornar cada vez mais insustentável. Há cada vez mais casos de empresas que beneficiam do open source e que integram conceitos nos seus produtos, e depois fecham a fonte e patenteiam», o que acaba por perverter o conceito e criar concorrência desleal.

Apesar de toda a inovação, a Rat Rig não tem por hábito registar patentes. «Nunca o fizemos. Mas não digo que não o consideremos fazer no futuro. O panorama está a ficar tão competitivo que não consigo ter uma resposta clara. Isso está a ser debatido, contudo, tivemos de modificar ligeiramente a licença dos nossos produtos. Até há pouco tempo era uma licença 100 por cento aberta. Agora é uma licença não comercial. Isso é, é aberta para quem não tem fins lucrativos, embora seja possível pedirem-nos uma licença comercial. Na maior parte dos casos, vamos dá-la até porque temos interesse que as pessoas desenvolvam a parte comercial. Mas, pelo menos, têm de nos pedir autorização, para não estarmos completamente expostos».
Aliás, um dos desafios «é evitar sermos esmigalhados pela China. São muito bons a imitar, mas se conseguirmos inovar mais rápido do que eles conseguirem copiar, estamos sempre um passo à frente».
Fundos europeus ajudam à contratação
«Recrutar talento de grande qualidade é sempre uma das maiores dificuldades das empresas, e simultaneamente um dos fatores críticos de sucesso a longo prazo. O CRESC Algarve 2020 ajudou-nos a fazer o investimento necessário nalguns recursos humanos críticos durante o período de crescimento explosivo que tivemos durante 2020 e 2021», diz Sonat Duyar.
«Embora se tenha revelado impossível contratar um web developer qualificado, que era e continua a ser uma necessidade muito grande que temos por colmatar, conseguimos, através do projeto, fazer a contratação de um web designer que tem superado todas as nossas expetativas e contribuído para elevar o nível do nosso marketing e comunicação. O projeto ajudou-nos ainda a reforçar a nossa equipa administrativa, que teve de expandir consideravelmente nos últimos anos», sublinha.
«Estamos num nicho de mercado muito especializado, em que não há pessoas que tenham experiência. Mas, por outro lado, também somos uma empresa muito verticalmente integrada. Temos desde pessoas cujo trabalho é contar parafusos, e outras que fazem design de máquinas, apoio ao cliente, embaladores, e, portanto, a estratégia de marketing de talento acaba por ser muito diversificada».
Além disso, «uma grande parte vital do nosso negócio foi a construção de comunidades online com cerca de 20 mil utilizadores, que têm uma relação tão próxima connosco que começam como clientes e acabam por se tornar membros da equipa de desenvolvimento. Acabamos por ter as pessoas mais dedicadas e mais apaixonadas a trabalhar. Não podemos estar constrangidos à piscina de talento do mercado local que é muito focado para hotelaria. Portanto, esse tipo de talento, temos de ir buscá-lo a uma rede muito mais abrangente. Temos pessoas espalhadas por todo o mundo, desde os Emirados Árabes à Holanda».