Âmago, a empresa algarvia que põe a hotelaria a poupar energia, prepara o futuro a 3D

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Atingir poupanças nos consumos energéticos que podem ir até aos 60 por cento ao ano em grandes edifícios é o foco da Âmago. Nova tecnologia digital de ponta vai impulsionar os projetos de eficiência e reduzir os custos de implementação.

Com sede em Portimão, a Âmago – Energia Inteligente posiciona-se no mercado com o objetivo de poupar dinheiro nos custos com os consumos de energia e água em grandes imóveis onde os sistemas e redes atingem, regra geral, grande complexidade.

«Somos engenheiros, sabemos de edifícios, sabemos como funcionam», começa por explicar o fundador João Raposo.

«Estamos muito focados em hotéis, centros comerciais, escolas, hospitais, estruturas residenciais para pessoas idosas, instituições particulares de solidariedade social, equipamentos desportivos e também indústria. Em todos, por vezes, existem grandes desperdícios. Não estamos muito focados na habitação, embora também façamos muitos trabalhos de certificação energética para particulares», descreve.

Fundada em 2008, numa altura em que a ideia de poupar euros nas faturas ao final do mês com o conceito de «eficiência energética» ainda parecia longe de fazer parte do dia a dia de gestores e empresários, a Âmago tem vindo a consolidar o seu conhecimento técnico e a diversificar a carteira de serviços.

«O nosso core business, além da certificação energética, são os projetos térmicos e AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado). Das várias especialidades para se entregar um projeto formal numa autarquia ou entidade licenciadora (eletricidade, estabilidade, águas e esgotos, arquitetura, acessibilidades), existem também esta duas. Desde 2021, todos os novos imóveis são obrigados a ser aquilo que se designa por Edificios de Energia Quase Zero ou na sigla inglesa NZEB», acrescenta.

A lei impulsionou esta atividade, embora desde o rebentar da guerra na Ucrânia, «o tema da energia está cada vez mais em cima da mesa».

Visão tridimensional para engenharias

A grande novidade na Âmago é a recente aquisição de um equipamento de digitalização 3D Scan, que será utilizado sobretudo em espaços indoor, «capaz de gerar milhões de pontos por segundo com uma precisão milimétrica e que permite adquirir a realidade construída» ao pormenor. «É um sonho que tinha há anos e que finalmente foi tornado realidade através de um aviso do CRESC Algarve 2020», releva o fundador da empresa.

E qual a utilidade? «É um grande salto tecnológico para nós. O 3D Scan resolve uma série de situações complexas. Muito do trabalho que fazemos ao nível de eficiência energética acontece em centrais térmicas de hotéis e não só, onde temos de medir o que lá existe, todos os equipamentos, todas as tubagens, caldeiras, as distâncias entre si, e depois, desenhar tudo, em projeto (2D). Numa remodelação nunca se faz tábua rasa. Há todo um corte e costura importante associado aos cálculos da engenharia», por exemplo, de um sistema AVAC.

Numa fase inicial de auditoria, «vamos perceber o que um edifício consome, como e porquê. E em seguida, vamos pensar como podemos reduzir os gastos. Há duas questões paralelas: perceber quais os equipamentos que queremos colocar, qual vai ser a poupança (em kilowatts-hora e/ou em toneladas de CO2), quais os custos de implementação e que poupanças vão gerar. Também temos de perceber o espaço físico, onde é que os podemos instalar».

Por vezes, as plantas, «não correspondem à realidade. Podem até haver desenhos, mas com o tempo acabam por ficar obsoletos». Assim, «o 3D Scan permite-nos digitalizar, ao milímetro, tudo o que existe, por exemplo numa central térmica. Imagine uma fotografia digital de 360° de instalações com enorme complexidade. Desta forma, podemos prever tudo ao detalhe e obter uma grande redução no tempo de mão de obra e de planeamento. Poderemos ir para a obra com uma imagem daquilo que é e do que vai ser» explica.

A máquina, fabricada pela gigante suíça Leica, chegou em novembro. A empresa está ainda numa fase de aprendizagem. «É a que tem maior precisão e a mais cara da sua gama, abaixo dos 100 mil euros, pois o fabricante tem outras que ascendem ao milhão de euros e que são utilizadas em aviões para trabalhos especializados».

Nuvens de pontos gerados pelo 3D Scanner.

Aluno da primeira geração do Instituto Politécnico de Faro do curso que, na altura, se denominava Engenharia Térmica, o empresário revela ainda que a aplicação do 3D Scan, contudo, não se esgota ao nível interno.

«A nossa ideia é também prestar uma panóplia de serviços a arquitetos e engenheiros privados ou públicos. Podemos fornecer os dados do 3D Scanner em bruto ou trabalhados por nós». Neste caso, o financiamento do CRESC Algarve 2020 teve a premissa que «o serviço prestado a terceiros não seja demasiado caro».

Por outro lado, «o futuro a curto prazo dos projetos de engenharia será em 3D, através do chamado Building Information Modeling (BIM). No Reino Unido já é obrigatório os projetos de obras públicas serem feitos em BIM. Na maior parte dos casos, a dificuldade está no custo da subscrição do software e do computador especializado, além de uma pessoa devidamente formada. Estamos agora a começar a integrar o BIM nas remodelações com a precisão que o 3D Scanner permite».

Nuvens de pontos gerados pelo 3D Scanner convertidos para BIM (ou Building Information Modeling).
Gémeos digitais e automatização

O projeto do 3D Scan inclui uma viatura (elétrica) de mercadorias de forma a poder operar em todo o país e ir às obras fazer os levantamentos digitais.

E também uma parte de Investigação e Desenvolvimento (I&D) que deverá estar pronta até junho e que usará, além dos mapeamentos gerados pela nova máquina, os dados dos três softwares desenvolvidos e comercializados pela Âmago.

«A nossa ideia é criar uma nova plataforma única que permita gerar a imagem tridimensional de um edifício, de uma sala técnica, de onde for preciso, onde o encarregado de manutenção (Facility Manager) possa ver, no ecrã de um dispositivo (computador ou tablet), todas as informações que necessita: onde estão os quadros elétricos, quais as máquinas em funcionamento, qual o estado das redes de água quente e fria, consultar o histórico das manutenções, ler os consumos de energia e gerir os alarmes dos vários sistemas», tudo em tempo real.

Segundo João Raposo, «existem já produtos parecidos em algumas grandes marcas ao nível industrial» e este tipo de réplicas informáticas de espaços reais chamam-se «gémeos digitais (digital twins)», embora o objetivo da Âmago seja ir muito mais além. «Se a pessoa estiver no local de trabalho e consultar a plataforma que idealizamos, poderá até colocar óculos de realidade virtual e ver, por exemplo, as intervenções feitas, o que está por realizar, entre outros dados úteis».

A realidade aumentada também poderá ser um suporte a incorporar. «Vamos fazer um embrião, aquilo a que se chama uma prova de conceito (Proof of Concept ou POC), que mostre a viabilidade da ideia. Depois, eventualmente, o projeto será desenvolvido a sério, embora precise de muito mais investimento», não estando de lado uma nova candidatura ao próximo quadro de fundos europeus PT 2030.

E existe mercado? «Sim, sobretudo ao nível das multinacionais. Cada vez mais, a tendência é automatizar tudo e deixar de depender de recursos humanos tanto quanto possível. Claro, terá de haver pessoas chave a gerir isto», prevê.

«Nós falamos a linguagem dos técnicos de manutenção. Percebemos as suas dores no dia a dia. E para tornar isto num produto vendável, terá de ser algo muito simples, fácil de usar e os utilizadores terão que ver grande utilidade para alguém estar disposto a pagar. Mas nós temos todas as condições, todo o ecossistema, todas as peças do puzzle» necessárias.

Três soluções de software

As «peças do puzzle» são, na verdade, aquilo a que João Raposo chama «a santíssima trindade» da eficiência energética, isto é, três softwares que se interligam de várias formas. O primeiro chama-se EASYMAX (Gestão Técnica Centralizada) e «serve para a automação de edifícios, para a condução e controlo de instalações. Basicamente, são botões para ligar e desligar máquinas», simplifica.

O segundo, chama-se GEMAX, está presente em mais de 100 edifícios em três continentes, é desenvolvido pela empresa desde 2012, com o objetivo de ajudar a gerir o histórico e as operações de manutenção de hotéis.

«Todos os funcionários de uma unidade hoteleira, sempre que precisam de alguma coisa, fazem um pedido de trabalho e este software emite um ticket aos técnicos que, no final, registam tudo o que fizeram e quanto tempo demoraram. É marca registada nossa, foi desenvolvido por nós e programado por uma software house no Algarve. É acedido por login/password e as bases de dados estão numa cloud».

Qual a vantagem? «Resulta de uma obrigação legal de se ter um registo das manutenções reativas e preventivas». E exemplifica: «tivemos o caso de um responsável que se reformou depois de 40 anos de serviço num hotel aqui do Algarve. Para percebermos o que tinha acontecido numa remodelação recente, tivemos de o chamar, porque ninguém sabia onde estavam certas válvulas. O pessoal da cozinha queixava-se de calor. Descobrimos que havia uma máquina para arrefecer, mas como ninguém sabia o que era, na dúvida, estava sempre desligada».

Exemplo de uma central térmica. Complexidade exige um registo organizado e histórico das manutenções.

Além disso, «a grande vantagem é a simplicidade de utilização. Antigamente, a receção tinha um livro de ocorrências que dava para tudo, até perdidos e achados dos hóspedes. Havia um produto parecido, à data, que foi desenvolvido para indústrias e para navios da marinha mercante. Os hoteleiros não gostavam de usar» por ser pouco prático e intuitivo.

Entre outros clientes, o GEMAX está presente em todas as unidades do Grupo Pestana em Portugal Continental e ilhas, em todas as Pousadas de Portugal, em hotéis no Brasil, Madrid, Barcelona, Amesterdão, Nova Iorque e Miami. «Tem um custo fixo de formação dos utilizadores e instalação e depois tem uma avença mensal». 

O terceiro software, chama-se ENMAX (Sistema de Monitorização dos Consumos de Energia, Temperaturas, Ocupações) e trabalha com bases de dados em SQL (big data).

«É o Big Brother dos  edifícios, que grava todos os históricos diários, relatórios, gráficos e alarmística. É usado por nós nas unidades onde temos os Contratos de Desempenho Energético».

Recentemente, a Âmago contratou a equipa de Jânio Monteiro, do Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve (UAlg), «para fazer um módulo adicional» com recurso a Inteligência Artificial (AI), denominado Predictive Alarm Management.

«Vamos imaginar que num fim de semana de inverno, o consumo energético num hotel é relativamente baixo. Mas se houver um casamento ou uma festa, há um pico e os alarmes disparam. A ideia é que este módulo analise o histórico dos últimos anos para ver se houve casos semelhantes. Por outro lado, sempre que dispara um alarme, o chefe da manutenção terá um botão no computador para reportar se é uma ocorrência verdadeira ou falsa, para o sistema ir aprendendo».

Pandemia impulsionou sistema para purificar ar condicionado

Sendo a Âmago – Energia Inteligente uma empresa focada na eficiência energética, manutenção e qualidade do ar interior, não pode deixar de colaborar no esforço de combate à pandemia de COVID-19. «A melhor forma que encontrámos foi desenvolver um equipamento de desinfeção do ar baseado em radiação ultravioleta tipo C (UV-C) que, nas doses certas, permite matar de forma rápida um largo espectro de agentes patógenos no ar», recorda João Raposo. Sob o título «GERMFREEUVC», foi o primeiro projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) «e uma grande aprendizagem a todos os níveis».

Futuro será a remodelação de todos os edifícios do país

João Raposo, engenheiro térmico e perito qualificado, não tem dúvidas que o futuro, quer da sua empresa, quer do sector no qual trabalha, em parte, tem a ver com a já aprovada Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), que prevê a reabilitação de 100 por cento do parque de edifícios existentes no país, até 2050.

Um objetivo ambicioso que tem por finalidade a reabilitação do parque edificado existente, residencial e não residencial, público e privado, com investimento total estimado na ordem dos 143 mil milhões de euros.

«Estão na calha uma série de fundos europeus para resolver o problema da pobreza energética», refere o fundador da Âmago, que já está a posicionar a empresa na linha da frente.

O 3D Scanner consegue «orientar-se» dentro de espaços complexos.

«Existe o problema da falta de habitação, mas sobretudo haverá mais trabalhos de remodelação do que construção nova. A nossa especialidade é calcular o potencial de poupança dentro da certificação energética. Hoje, muitos dos avisos, por exemplo, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para este fim, exigem que os projetos, para serem elegíveis a financiamento, têm de conseguir atingir uma poupança pelo menos de 30 por cento em kilowatts-hora ou em toneladas de CO2, ou ambas. Ou então, têm que conseguir melhorar a eficiência em duas classes energéticas, passar de C para A. Isso é o que fazemos todos os dias».

Além disso, o novo aparelho de 3D Scanner será também muito útil em casos mais complexos.

Aposta nos Contratos de Eficiência Energética

Em 2010, a Âmago assinou um contrato com o Grupo Pestana para a certificação energética de todas as Pousadas de Portugal. «E começamos a entregar relatórios das auditorias. Tipicamente, têm mais de 200 páginas. Mas o resumo é uma folha A4 que diz: se investir 300 mil euros vai poupar 100 mil euros de energia por ano. Matemática muito simples. O investimento paga-se em três anos. A pergunta. contudo, é: quem garante que se gastar tanto dinheiro vou mesmo conseguir poupar isso? Quem se responsabiliza?», recorda João Raposo, fundador da empresa.

«Havia alguma dificuldade em acreditar. Por isso, desenvolvemos um novo modelo de negócio quase desconhecido em Portugal, os Contratos de Desempenho Energético (CDE)», tendo celebrado o primeiro no Hotel Pestana Dom João II, em Alvor, em 2013.

«Acreditaram em nós por uma relação de confiança que já existia. Houve um salto de fé por parte dos nossos interlocutores e correu bem, para ambos», recorda.

Neste modelo, «recebemos em função das poupanças de energia geradas. Se temos assim tanta segurança e tanta confiança que atingimos os valores previstos, então, somos nós a arranjar o dinheiro, fazemos as obras e ficamos a receber a poupança durante cinco anos, em que o cliente não investe nada e recebe 10 por cento da poupança», explica. E no final, «é quase um leasing. Fica com os equipamentos e nós ficamos com uma pequena avença para a gestão da energia», garante João Raposo.

«Muito do nosso know-how foi gerado assim. Esta aprendizagem tem sido muito didática. Ficamos presentes enquantos o contrato vigorar, a optimizar e a acompanhar tudo, todos os dias. Isso dá-nos uma responsabilidade maior. Depois, conseguimos demonstrar comparando as faturas dos fornecedores de gás, eletricidade e gasóleo. Mas não é um processo imediato. É preciso funcionar um verão, um inverno, um ano. Além dos alarmes, dos históricos, de consumos ou acontecimentos anómalos, há uma massa cinzenta de engenheiros disponível». Os mais recentes CDE celebrados são para as Pousadas de Beja, Vila Viçosa, Arraiolos e Crato. 

Alguns números 

A filosofia de engenharia desenvolvida pela Âmago para reduzir os custos de energia foi reconhecida como o projeto mais inovador na área da Eficiência Energética e Energias Renováveis no Algarve, em março de 2022, no concurso Inova Algarve 2.0, com o projeto «Hotel Free Heat». Esta é a empresa que conta com mais Contratos de Desempenho Energéticos (CDE) no país, com metas ambiciosas. Por exemplo, no Belive Palmeiras Village, em Porches, uma unidade com 536 quatros, o CDE celebrado em 2020 prevê uma poupança de mais de 40 por cento nos consumos, ao longo de sete anos. No Hotel Pestana Viking, de 220 quartos, também em Porches, a Âmago propôs-se a reduzir os consumos em 48 por cento, mas acabou por atingir os 60 por cento. O CDE foi assinado em 2017 com um prazo de cinco anos. Este projeto foi o vencedor do concurso nacional do Fundo de Apoio à Inovação (FAI). 

Investimento Elegível

A Âmago – Energia Inteligente, Unipessoal tem três projetos apoiados por fundos europeus, através do Programa Operacional (PO) Regional CRESC Algarve 2020 no montante total de 320 mil euros. A taxa de cofinanciamento é na ordem de 60 por cento.

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