Fábio Simão, 40 anos, ativista dos direitos humanos e conhecido pelo trabalho à frente do MAPS – Movimento de Apoio à Problemática da Sida, preside também a direção da Associação Xis. Fundada em 2017, é o único coletivo organizado no Algarve dedicado à defesa da comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo).
barlavento: Qual é o objetivo da Associação Xis?
Fábio Simão: É um grupo para a promoção e proteção dos direitos das pessoas LGBTI. Apesar de ser única, até hoje não conseguiu singrar nem criar uma resposta. Estamos a falar de uma pescadinha de rabo na boca porque para nos candidatarmos aos apoios da Segurança Social temos de ser uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). Para sermos uma IPSS temos de ter a contabilidade organizada e para isso temos de ter dinheiro ou financiamentos. Não temos. Por isso tem sido muito difícil criar um serviço. Temos tentado obter algum apoio da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), o que não aconteceu.
E não há mais nada no Algarve?
Não. Neste momento, atendendo às circunstâncias, há uma ligação muito grande entre a Xis e o MAPS e trabalhamos muito de mãos dadas. O apoio psicológico e o apoio social tem sido sempre prestado e encaminhado para o MAPS.
Faz sentido haver uma associação como a Xis?
Eu achava que não e por isso é que também me custou a abraçar este projeto. Após a sua criação, contudo, começaram a bater-me à porta. Somos contactados para dar formação a equipas já presentes no terreno, quer de entidades públicas, quer de entidades privadas, sobre atendimento a pessoas LGBTI. Aconteceu um pouco como no caso dos Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA). Dizia- se que não existiam pessoas nessa situação, chegaram os NPISA e as listagens têm centenas. Tornou-se visível. Começámos a perceber que não só faz todo sentido a Associação Xis existir como criar aquilo que é o nosso grande objetivo: criar um centro de apoio psicossocial para estas pessoas, com psicólogos e técnicos de serviço social disponíveis para ajudar não apenas os mais novos, mas também os jovens adultos e as suas famílias.
Onde?
Seja onde for. Neste momento nem sede temos. Não temos instalações, somos apenas um grupo.
Que formação deram?
Já demos a duas equipas de Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS) que são financiados por Fundos Europeus para apoiar crianças carenciadas e para combater o abandono escolar. Existe um em cada município.
Já se diagnostica que é preciso saber lidar com esta problemática?
Usamos o termo temática porque é um tema e não um problema. Mas sim, sobretudo no que diz respeito à discriminação.
O que se pode fazer para combater a homofobia?
Temos de perceber que o que é necessário é educar. Estamos a falar de pessoas e a preferência sexual é apenas um gosto, como eu gostar mais de vermelho do que do azul ou gostar mais de carne do que de peixe. O preconceito vem porque as pessoas associam aqui a questão da orientação como algo pejorativo, como maneirismos, como promiscuidade, até com HIV, que muita gente ainda associa hoje em dia. Falo de criarmos uma sociedade em que as pessoas não tenham receio de partilhar a sua vida. Numa conversa simples, diz- -se: «a minha mulher faz isto», «o meu marido faz aquilo». Em regra, uma pessoa homossexual não o diz. Tem vergonha. Esconde e acaba por não admitir. Temos tido até aqui uma educação em que parece que nos formatam contra. Por exemplo, a expressão mariquinhas. «Não sejas maricas! », dizemos aos nossos filhos. Cria-se logo cedo o estigma que ser maricas é mau. E portanto não se pode ser maricas. Uma criança que nasceu diferente do padrão, vai ser criada de forma a achar que há qualquer coisa de errada consigo própria. É muito mau quem está a crescer, a desenvolver-se, e ter um conflito entre aquilo que se ouve e aquilo que sente. Isto poderá causar danos muito grandes. Pessoalmente, sou contra uma pessoa ter de sair do armário. Acho que as pessoas não têm de sair do armário, porque não tem de haver armário.
O Algarve é uma região tolerante?
Acho que temos tudo para sermos a região mais inclusiva do país. Mas o Algarve ainda é muito tacanho. Prefere tapar os olhos, desviar o olhar. O politicamente correto veio estragar tudo porque as pessoas não são sinceras. Não dizem o que lhes vai na alma. Mas depois agem de acordo com o que acham. O facto de não exteriorizarem não as impede de agir mal. Mas estamos a dar muitos pequenos passos. Este ano, pela primeira vez, tivemos a bandeira da luta contra a homofobia hasteada em vários institutos públicos em Faro, a 17 de maio (Dia Internacional contra a Homofobia).
Isso é importante?
Poderia ser insignificante, mas é um marco. Posso dizer que há três anos, o pedido foi negado. É uma evolução, portanto. Uma das coisas que tem contribuído muito para a tolerância são os Planos Municipais para a Igualdade e Não Discriminação, obrigatórios por lei.
Já há planos nos 16 concelhos?
Ainda não. Estão todos em fase de elaboração e de conclusão. Aqueles que não estão feitos, estão a ser feitos. O último município que nos contactou foi Vila do Bispo.
O que é mais importante, educar as pessoas para a diferença LGBTI ou para a Igualdade de Género?
Estamos do mesmo lado da balança. Estamos a falar de uma coisa muito básica: direitos humanos.
Os Conselhos Locais da Ação Social (CLAS) abordam esta temática?
Pouco. Olha-se para o lado, não se dá importância. Ao nível nacional, temos uma taxa de suicídio infantil muito alta e aqui no Algarve também. São raras as situações em que é atribuído o motivo à orientação sexual, quando na maior parte dos casos é essa a razão. Isto é algo que temos vergonha de admitir com a desculpa de tranquilizar os pais e não criar mais um desgosto para a família.

Ser homossexual é um desgosto para a família?
Em muitos casos é. Vivemos no mundo de expetativas. As mães são quem mais sonha o futuro do filho. Aquilo que a mãe não teve, vai querer que o filho tenha. Imagina-o a tirar um curso, a casar, a ter filhos. Mas um dia o filho cresce e diz que não vai casar pela igreja. Que não vai ter filhos porque a sua escolha é outra. Cai tudo. A rejeição é o primeiro passo. Isso é sentido quase como uma traição. Das famílias com quem tivemos contacto e prestámos apoio, custa muito mais às mães do que aos pais. Tivemos uma situação em que falei com uma mãe algumas vezes. Disse-me que gostava muito de mim, mas que se continuasse a defender o que estava a defender, que eu iria para o inferno. A forma como se expressava era assustadora, porque acreditava mesmo naquilo.
O preconceito vem um pouco na nossa matriz cultural católica…
Ainda vimos de uma fornada muito católica, mas hoje já nem se pode ir por aí. Temos o Papa Francisco que diz que os homossexuais são filhos de Deus, têm lugar na Igreja, têm direito a constituir uma família e que devem ser protegidas por lei.
Há um lobby LGBTI?
Se houvesse, eu estaria dentro dele e ninguém precisava da ajuda de ninguém. Também se pode dizer que há um lobby de mulheres. Há mulheres poderosas em todos os lados e acabam por se conseguir defender umas às outras. Creio que não existe um lobby, mas uma comunidade, que existe por detrás de uma grande tela e de uma grande cortina, que se protege, e que são uns para os outros porque são o suporte que têm. Quando assumi a direção da Xis, muitas pessoas vieram ter comigo a dar-me os parabéns, a dizerem que podia contar com elas, mas pediram para não comentar com ninguém, que ninguém podia saber.
E hoje, existe mais abertura para se mudar estas mentalidades?
Há vontade. O que se pretende é que o mundo seja efetivamente igual e as pessoas tenham os mesmos direitos e os mesmos deveres. O que tem vindo a acontecer muito é que as pessoas que apoiam a Associação Xis já tiveram alguma situação que viram ou sentiram de injustiça com os seus. Temos muitas situações de pessoas que tiveram um familiar, sentiram na pele, viram o que aconteceu e por isso lutam, fazem, oferecem- se e isso.

Faro vai ter apartamentos partilhados apenas para pessoas LGBTI
A Segurança Social abriu um aviso para candidaturas no âmbito do housing first e dos apartamentos partilhados para pessoas em situação de sem-abrigo. Objetivo é aumentar as 260 camas hoje disponíveis a nível nacional até 600, distribuídas de forma correta pelas regiões. A prioridade este ano será nos concelhos com mais sinalizações, mas também abranger todo o território. O MAPS – Movimento de Apoio à Problemática da Sida já coordena cinco projetos.
Este aviso, contudo, trouxe uma novidade. Prevê a criação de respostas específicas LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo) no que diz respeito ao acompanhamento social e alojamento. Fábio Simão, presidente do MAPS e da Associação Xis, propôs ao município de Faro abrir mais dois apartamentos partilhados, proposta que foi aceite, segundo o barlavento confirmou junto da Câmara Municipal de Faro.
«O município compreendeu que além de inovador, seria a primeira resposta fixa e correta na área LGBTI. Serão arrendados dois T3», revela.
E porquê a discriminação positiva? «Neste momento temos vários jovens, todos menores de 24 anos, que foram expulsos do seio familiar porque a sua preferência sexual foi motivo de rejeição. Imagine o que é um miúdo que teve apoio e retaguarda da família a vida toda, que teve sempre tudo, estudou, que agora é colocado na rua porque é gay. Vamos colocá-lo num apartamento onde muito provavelmente temos pessoas em situação de sem abrigo crónicas, pessoas com dependências? Como garantir que que não o vão discriminar na mesma? É muito difícil. Além disso, é necessário um tratamento personalizado, é necessário que aquele jovem não tenha vergonha, dentro daquela resposta, de ser quem é. Por isso foi à Assembleia da República a criação de respostas específicas, porque há necessidades que têm de ser atendidas. Por vezes é necessário resguardar e individualizar para trabalharmos um projeto de vida e a integração futura na sociedade».