VRSA vai entregar resultados da auditoria interna ao Ministério Público

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Álvaro Araújo apresentou um levantamento às contas do município de Vila Real de Santo António (VRSA).  No balanço do primeiro ano de mandato, revelou que tudo será entregue ao Ministério Público. Agora, a prioridade é ver o Plano de Apoio Municipal (PAM) aprovado.

Um ano após a entrada em funções, o executivo da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (VRSA) convocou a imprensa para um balanço do trabalho realizado na manhã de terça-feira, dia 18 de outubro.

Álvaro Araújo, presidente de uma das mais endividadas autarquias do país e sob assistência financeira desde 2016, contabilizou a dívida atual na ordem dos 160 milhões de euros e o passivo a rondar os 182 milhões, números que aumentam de «dia para dia», quer devido aos juros de mora, quer no caso de algum credor intentar ações judiciais contra o município devedor.

Mas não é apenas a questão financeira que inquieta o autarca. «Havendo dívida e havendo obra, para nós seria pacífico. O que encontrámos foi um município completamente abandonado com situações que nos provocam insónias».

Um exemplo é a pista de tartan do Complexo Desportivo «que está impraticável. Já ninguém vem estagiar para aquelas pistas de lançamento e a seleção da Polónia acabou de cancelar» uma estadia por «falta de condições para acolher atletas de alta competição». Também os balneários precisam de obras, sendo que o total da intervenção ronda os 3,2 milhões de euros.

Outro motivo de orgulho do município é o Parque de Campismo de Monte Gordo «que estava numa lástima. Fizemos algumas reparações» e uma lavagem de cara ao perímetro. Havia também «um plano de pormenor para a construção de dois resorts de cinco estrelas na área. Não concordamos com isso. O parque não pode nunca ser alienado, tem de ser requalificado para atrair ainda mais pessoas».

No entanto, segundo o autarca, é preciso acrescentar a esta dívida mais 50 milhões de euros de forma a fazer investimentos urgentes no concelho, na reparação de estradas «esburacadas que parecem autênticos queijos», no Centro Cultural António Aleixo, «que não tem ar condicionado, o telhado ainda é de fibrocimento, as janelas em madeira estão podres e todo o equipamento está obsoleto», e no parque de habitação social.

O autarca do Partido Socialista (PS), que com a sua eleição pôs fim a 16 anos de governação do PSD naquela autarquia, mostrou-se estupefato com o facto de nunca ter sido posto «um travão» à governança daquela autarquia, que mesmo depois do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), o primeiro instrumento de apoio financeiro a ser implementado, «ultrapassa o limite de endividamento» imposto.

«Como é que isto pode acontecer? Quando chegámos aqui tivemos uma reunião com o FAM e com o IGF – Autoridade de Auditoria, e disseram-nos que tinham entregue ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, um dossier com determinados assuntos relativos ao município de VRSA. Já passaram dois anos e não há notícia de que alguma coisa tenha acontecido. O que vamos fazer, depois desta conversa, é entregar documentação nas autoridades competentes. Temos provas e é preciso responsabilizar quem tem de ser responsabilizado», detalhou.

Frisando que não se trata de uma «tentativa de caça às bruxas» e que nada move o atual executivo «contra absolutamente ninguém», Álvaro Araújo disse estar a cumprir a promessa de mostrar à população «onde o dinheiro é, e foi gasto».

Segundo o edil, quando o novo executivo chegou à autarquia de VRSA encontrou cerca de dois milhões de euros de dívida prescrita, relativa a consumos de água, despesas de ocupação de espaço público e rendas, tendo ainda sido descobertos vários «contadores instalados em propriedades privadas e pagos pelo município».

«No Complexo Desportivo existe uma nave desportiva feita, na altura, pelo PS, pelo António Murta, e que quando o PSD entrou na Câmara, o que fez foi transformar, na nossa ótica bem, uma parte do edifício num centro médico internacional. Tudo muito bem. Só que no contrato diz que a renda está associada aos resultados positivos» da entidade concessionária.

Rui Setúbal, auditor contratado para rever as contas da autarquia e Álvaro Araújo.

«Isto é, só paga renda se o exercício de determinado ano for positivo. Destes anos em que o Grupo HPA está naquelas instalações, apenas em 2019 foi recebido o montante de 9.612 euros. Em 2020 foi recebido o valor de 12.433 euros a título da renda de 2019. E pagam todos os meses um valor fixo mensal de 600 euros para comparticipar os gastos com água e com luz», detalhou.

Ora bem, «juntando estes valores todos e o tempo do contrato, podemos dizer que a renda corresponderia a cerca de 227 euros por mês. O problema é que há uma dívida para cima de 700 mil euros, porque era tradição que todas as pessoas que tivessem problemas de saúde fossem encaminhadas para o HPA», apesar de existir Centro de Saúde na cidade cubista.

«Temos uma dívida que está no Plano de Apoio Municipal (PAM) e que vamos pagar. Depois, a partir dessa data, teremos de renunciar o contrato que existe, porque como é óbvio não podemos estar contentes com a utilização daquelas instalações para um gasto apenas de 217 euros por mês. Isso não é justo, mas como é óbvio, se existe uma dívida daquele montante, não temos muitos argumentos para poder exigir mais», admitiu.

Por outro lado, no mês anterior a ter sido eleito, em setembro de 2021, o município gastou cerca de 20 mil euros em água no Complexo Desportivo, que possuía um contador doméstico, normal, para a rega dos relvados, e que incluia as taxas de saneamento e outras despesas. Depois de regularizada esta situação, a fatura mensal desceu para os 800 euros mensais.

Embora não tivesse avançado um número, o autarca falou também nos gastos com o consumo de gás para aquecimento das piscinas, uma vez que os painéis solares instalados para esse fim há 12 anos, estavam inoperacionais. «Gastámos apenas 5.000 mil euros para os reparar. Vejam o que não se baixou nas despesas», disse.

De acordo com o presidente da autarquia, o levantamento apurou que foram pagos 882 mil euros a uma bem conhecida agência por viagens a Cuba, a maioria realizadas entre 2007 e 2011, país com o qual a autarquia de VRSA estabeleceu um acordo para a realização de cirurgias oftalmológicas e tratamentos médicos, tendo ainda sido detectados gastos de 205 mil euros relacionados com a geminação com a cidade de Playa.

«As viagens a Cuba deram muita celeuma na altura. Eu era vereador da oposição e tive oportunidade de fazer declarações e dizer que não achava bem. É de louvar que nos preocupemos com a saúde dos nossos munícipes e, na altura, até dei o exemplo de Alcoutim e de como o autarca Francisco Amaral estava a fazer esse trabalho em Portugal.

De acordo com aquilo que conseguimos perceber da pouca documentação que existe, encontrámos 822 mil euros, dos quais 790 euros ocorreram no período de 2007 a 2011. Nesse período, foram ainda adquiridas viagens a Madrid, Barcelona, Luanda, Estocolmo. Não encontrámos muitas evidências sobre o que lá foi feito».

Também sem grandes «evidências» à exceção das faturas, a equipa de Álvaro Araújo encontrou contratos com várias empresas para «estudos» e «avaliações de notoriedade sobre vários autores da política local», que neste caso custou 150 mil. «Não sei se será legítimo que utilizemos o erário público para mandar fazer uma sondagem antes de um ato eleitoral. Infelizmente, essa situação teremos que esclarecer».

Há também gastos acima dos 100 mil euros com a criação de «uma marca» que nem o logótipo se conhece, para a prestação de serviços como «diagnósticos digitais» sem relatórios de atividade conhecidos, para assessoria e dinamização do centro histórico e consultadora em investimento turístico, cujos únicos documentos conhecidos são adiantamentos de dinheiro «para despesas».

«Estes valores têm de ser justificados. E que um município completamente endividado perceba como é que» foi gasto o dinheiro.

A tudo isto acrescem as indemnizações com um ex-funcionário que entrou em litígio judicial com a autarquia e a quem já terá sido pago «um milhão de euros», além da reintegração nos quadros de pessoal.

Falando aos jornalistas após a apresentação, Álvaro Araújo voltou a lamentar que «está tudo numa situação paupérrima e degradada. É uma situação que nos preocupa muito e que nos vai continuar a tirar o sono. Estamos a falar de uma dívida que será impagável nos próximos tempos. O que vamos tentar fazer, através dos 36 milhões de euros do PAM, é pagar os empréstimos na banca» porque a qualquer momento, se os bancos executarem a dívida, o município corre o risco de ficar sem o próprio edifício sede ou outro património.

«É grave e por isso é importante que venha rapidamente o PAM. Depois vamos pagar ao FAM, não os seis por cento dos juros que estamos a pagar às várias instituições financeiras, vamos passar a pagar juros de 0,75. A dívida vai baixar consideravelmente».
Ainda há uma almofada financeira de «dois milhões de euros», embora ainda tenha algumas restrições em termos orçamentais e de utilização.

Segundo as contas, o novo executivo já reduziu cerca de 200 mil euros nas despesas das contas correntes. Também o tecido associativo, os clubes, as coletividades e instituições de solidariedade social aguardam a assinatura dos contratos-programa, até porque não havia regulamento, segundo disse o autarca. Também as Juntas de Freguesia estão «a chorar por dinheiro».

«Não podemos apresentar projetos em que o município tenha comparticipação. Estamos proibidos. Todos os investimentos são feitos com verbas do Orçamento de Estado (OE), do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou de receitas próprias» e com financiamento a 100 por cento.

E que mais? «A partir de agora os carros dormem todos no município. O próprio presidente vai para casa a pé e aproveita para fazer exercício. Muito dinheiro se gastava na utilização do parque automóvel municipal com manutenção e combustível. Temos de moralizar todo o trabalho autárquico e o exemplo vem de cima», concluiu.