Ulisses Marreiros, o algarvio na liderança do Belmond Copacabana Palace

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Talvez o mais famoso hotel de luxo do mundo tem agora liderança de Ulisses Marreiros, um algarvio que não poupa elogios ao Rio de Janeiro. O novo diretor-geral do Belmond Copacabana Palace está otimista em relação à retoma do sector em ambos os lados do Atlântico.

barlavento: Como surgiu a oportunidade de gerir o Copacabana Palace?
Ulisses Marreiros: Surgiu por transferência. Já trabalho há algum tempo para este grupo. Comecei a no Hotel Quinta do Lago, que na altura era parte da Orient Express que é hoje a Belmond, onde estive cerca de nove anos. Depois o hotel foi vendido e ainda fiquei mais uma temporada com a nova administração. Acabei por aprender muito. Tive aí um interregno de cinco anos fora e em 2008 voltei a esta companhia, primeiro na ilha da Madeira como diretor residente e depois passei a diretor-geral. Correu bem e fui para a ilha de Maiorca, onde acabei por ficar oito anos.

Copacabana é seguro?

Sim. Todas as imagens e notícias que saem sobre o Brasil, acabam por não ajudar porque as pessoas ficam com uma ideia pior do que realmente é. Estamos a falar de uma cidade enorme. Toda a zona metropolitana é quase como Portugal inteiro, mais ou menos 10 milhões de habitantes, se considerarmos todo o perímetro urbano do Rio de Janeiro. Esta zona sul é quase como outra cidade dentro da cidade e é a zona chique do Rio, digamos assim. Copacabana é provavelmente a praia mais famosa do mundo. É tranquila, segura, há um grande patrulhamento por parte da polícia, talvez por ser das zonas mais turísticas. Mas claro, é América do Sul, há sempre extremos. Ou seja, vê-se coisas que nunca se veriam na Europa, mas existe um distanciamento, um espaçamento social muito grande. Tanto se vê um pobre a dormir na rua, como ao lado se vê uma loja da Louis Vitton.

Está contente?

Muito contente. Nesta vida de hoteleiro acaba por ser interessante poder ter novas experiências, descobrir novos sítios. O Belmond opera em 23 países, temos quase 46 unidades de negócio entre barcos, hotéis, restaurantes, cruzeiros fluviais e comboios. Este hotel é um ícone aqui da cidade e acaba por ser também um ícone da hotelaria de luxo. É uma honra estar aqui.

Foi bem acolhido?

Fui muito bem recebido. Cheguei no dia 28 de dezembro. O meu último dia de trabalho no La Residencia, em Maiorca foi no dia 24 de dezembro. Às 18 horas fechei a porta do escritório e fui para casa. Cheguei aqui e foi realmente uma experiência nova porque vim da Europa, onde quase tudo está fechado, inclusive o hotel onde eu trabalhava. Chego ao Rio de Janeiro e tenho o hotel cheio, dentro daquilo que nos propomos a encher, porque não passamos dos 60 por cento de ocupação para permitir o distanciamento social e controlar as massas. Chegar aqui e passar de um hotel vazio para um hotel com mais de 300 clientes, foi realmente uma experiência interessante. Fui bem acolhido pelos meus colegas, que alguns já conhecia.

Ajuda o facto de ser português?

Ajuda o facto de dominar a língua. Nestas cadeias internacionais, o que acontece, às vezes, é alguém chegar a outro país e não falar nada do idioma. Tive um colega que foi para a Rússia e viu-se grego. Ajuda também conhecer um pouco da história da cidade.

Agora terá que se adaptar ao sistema brasileiro…

Sim, mas mesmo em Espanha, as diferentes regiões operam de maneira diferente e inclusive com legislação diferente. O mesmo acontece aqui. Por exemplo, o que é decretado pelo Estado do Rio de Janeiro, não é a mesma coisa que é decretada pelo Estado de São Paulo. Há toda uma equipa que me ajuda a perceber um pouco as bases da legislação. Ao todos, somos quase 370 pessoas.

À primeira vista, o que o surpreendeu?

O que me surpreendeu foi a positividade das pessoas. O nível de contágio aqui não é menor que na Europa, o que existe é uma reação um pouco diferente. Também temos tido a sorte, possivelmente por ser verão, da propagação do vírus não ser tão potente como seria se fosse inverno. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, entrei no táxi e ouvi: «moço já há vacina, vamos todos sair disto». Existe esta positividade do carioca que ajuda realmente a enfrentar esta crise e esta intempérie.

Quer mudar algo na gestão do hotel?

Respondo perante um comité executivo que está em Londres e que delega em mim a responsabilidade de fazer a gestão do hotel, em conjunto com a equipa que aqui está. Nos últimos 97 anos, desde que foi inaugurado, o hotel sofreu sempre mudanças, e há sempre pequenos ajustes a fazer. Na nossa companhia, todos os anos, há uma percentagem da faturação que é dedicada a investimentos na manutenção da propriedade, mas também na criação de novos projetos. Neste mês e meio que cá estou já deu para perceber algumas coisas. Por exemplo, temos muitos clientes repetidos no hotel que não querem que nada mude, mas todos os anos gostam de ver alguma coisa nova. É um contrassenso, mas é o que acontece. Então, temos de reinventar as experiências que oferecemos aos hóspedes.

Que experiências são essas?

Temos três restaurantes, sendo que dois deles, um italiano e um panasiático (cozinha japonesa, da Coreia, chinesa) com estrelas Michelin. Este último funciona muito bem. Depois temos o terceiro, um all day dining, que faz pequeno-almoço, almoço e jantar, está aberto o dia todo e funciona também como bar na zona da piscina que é o coração do hotel, possivelmente das mais emblemáticas do Rio de Janeiro. Tudo se se passa à volta da piscina, tanto durante o dia, como durante a noite. Funciona muito como um hotel de lazer.

E como está a ocupação?

No mês de janeiro, 33 por cento dos nossos clientes eram estrangeiros, maior parte vindos da Europa, que queriam fugir à pressão (do confinamento). Pessoas que vinham passar uma semana e acabaram por ficar quatro semanas porque têm esse poder económico, e podem trabalhar a partir daqui. Preferiam estar cá do que estar encerrados em casa. Porque, por exemplo, França, desde outubro que tem os restaurantes fechados. Há uma depressão a nível social. Até ao final de janeiro tínhamos ainda muitas ligações, incluindo com a TAP. Desde o final de janeiro e início de fevereiro que cortaram a maior parte das ligações e, neste momento, temos apenas duas ou três ligações internacionais para Miami, Paris e Amesterdão. O cliente que tivemos no mês de fevereiro, quase 90 por cento, era brasileiro. É um cliente que não vem passear ou ver a cidade. Vem para descansar.

Que perspetiva para o resto do ano?

Neste momento temos 45 por cento de reservas confirmadas daquilo que nos propúnhamos fazer para todo o ano. É muito, muito bom, mas também estamos a falar de umas expetativas que tínhamos bastante baixas. O que refletimos foi que o mercado nacional iria ser o nosso grande suporte nos primeiros dois trimestres do ano. Nós fazemos parte do maior aglomerado de luxo do mundo, a LVMH. Estou incluído em algumas reuniões com outros diretores-gerais de outras marcas e a resiliência do mercado brasileiro é incrível. Estamos a falar de 210 milhões de pessoas. A previsão para o resto de 2021 é que haja uma retoma. Será também pouco a pouco, no terceiro trimestre do ano, e depois sim, a partir de outubro, se tudo correr bem, veremos algo um pouco mais musculado já com mais clientes internacionais. Se tudo correr bem e se as novas variantes não derem a volta a tudo outra vez, a partir de outubro, quando grande parte da população já estiver vacinada, acho que isso passará uma mensagem positiva e de confiança para que as pessoas voltem a sair de casa e voltem a usufruir. Não voltaremos rapidamente aos números de 2019, mas voltaremos a ter uma vida um pouco mais normal.

Está otimista em relação à retoma da hotelaria?

Sim, neste nível onde trabalho, não tenho a menor dúvida porque é o feedback que temos dos nossos clientes. Quando estava em Espanha, mantinha contacto com os clientes ingleses que estavam desesperados para reservar. A partir do momento que fosse possível viajarem, eles iam fazê-lo. Vimos isso quando houve uma janela aberta no Reino Unido, com um disparo ao nível de reservas para destinos como o Algarve, o sul de Espanha, as ilhas de Maiorca e a Grécia. As pessoas, principalmente na Inglaterra, estão desesperadas para sair. Acho que vai haver um boom a nível de viagens, nos diferentes segmentos.

Acompanha o que se passa no Algarve?

Sim, sim. Infelizmente, mesmo que a ocupação dispare em outubro, o que ficará para trás é um ano completamente perdido. É impossível recuperar tudo o que foi a paragem da economia durante todos estes meses. Os hotéis estavam com vontade e preparados para operar e com o bloqueio completo deixaram de poder faturar. Mas acho que vai haver uma fatia considerável da população, principalmente na Europa, que não teve acesso nem a restaurantes, nem a viagens, nem a hotéis, que a partir do momento em que tudo abrir, irão aderir. Não sei se voltaremos aos a níveis de 2019, repito, mas creio que nos últimos três meses deste ano haverá um crescimento.

Como viu esta situação agravar-se no nosso país?

Aqui no Rio de Janeiro, o número de casos é 10 vezes superior ao que existe em Portugal, mas a economia não para. Ou seja, os hotéis e os restaurantes continuam abertos, com as devidas restrições. A economia continua a funcionar. Aqui, praticamente em todos os sítios, faz-se o registo de temperatura e nalguns sítios medem os níveis de oxigénio. Acho que aí muitos hotéis poderiam ter continuado a trabalhar porque há clientes que, mesmo assim, estão dispostos a sair com as devidas precauções. É fácil dizer que a culpa é sempre do governo, ou de quem quer que seja, mas parte de cada um de nós e dos nossos comportamentos, ajudar a parar toda esta situação.

Há um prazo para ficar no Brasil?

Não temos nunca nenhum prazo definido. Em algumas cadeias hoteleiras havia uma cultura em que passados dois anos, o diretor-geral saía e vinha outro. Mas acho que dois anos é um período curto para se criar e amadurecer contactos.

Pondera voltar a trabalhar no Algarve?

Neste momento não temos nenhum hotel no Algarve, mas já me surgiram algumas oportunidades. Por norma, nem quero ouvi-las porque gosto tanto de trabalhar nesta cadeia que, a curto prazo, não vislumbro regressar. O Algarve é um daqueles destinos paradisíacos que, às vezes, nós algarvios acabamos por massacrar, mas é único a nível de praias, das pessoas, da restauração, da paisagem, da serra. É um destino muito interessante o nosso Algarve do céu azul.

Um percurso exemplar

Ulisses Marreiros tem um currículo de mais de 25 anos ligado à hotelaria, de onde constam experiências como general manager no Reid’s, no Funchal. Foi ainda diretor de marketing e vendas no cinco estrelas Vila Vilta Parc Resort & Spa e passou também pelo Hotel Quinta do Lago. O novo diretor-geral do Belmond Copacabana Palace é formado em gestão hoteleira pela Universidade do Algarve e soma outras formações de liderança e gestão na Harvard Business School, Cornell University e Bocconi University, em Milão. «Quando todos estão de folga, nós hoteleiros estamos a trabalhar. É um sector onde os profissionais investem muitas horas e em todas as posições. Há trabalhos bastante duros, mas é um sector apaixonante, de pessoas para pessoas», descreve.

Um mito no coração do Rio de Janeiro

Copacabana ainda era uma praia deserta quando os empresários Octavio Guinle e Francisco Castro Silva inauguraram o Copacabana Palace, a 13 de agosto de 1923. Inspirado nos palácios da Riviera Francesa, a obra do arquiteto francês Joseph Gire é uma instituição desde 1923. O Belmond Copacabana Palace viu desfilar as personalidades mais influentes do mundo, realeza, políticos, estrelas da música e do cinema. Dolores del Rio, a atriz mexicana que brilhou em Hollywood, contracenou com Fred Astaire e Ginger Rogers no filme «Flying Down to Rio» (1933), onde o amor impossível acontece nos cenários art déco do hotel. Anos depois, o hotel foi palco de um arrufo que levou o cineasta norte-americano Orson Welles (que tinha um affair com a cantora brasileira Linda Batista) a jogar um sofá pela janela da suíte, que acabou dentro da piscina onde Brigitte Bardot e Madonna mergulhariam nas décadas seguintes. Marlene Dietrich passou por aqui nos anos 1950 e até o cientista Albert Einstein esteve hospedado. Por ali passaram a Rainha Elizabeth e o príncipe Philip. A discreta nora, a princesa Diana de Gales, pediu que fossem desligadas as luzes da piscina para que pudesse nadar em paz. Já a polémica cantora Janis Joplin decidiu nadar nua e foi presa. Alice Cooper e a sua banda fizeram uma guerra de comida. Rod Stewart foi outro que destruiu parte do quarto ao transformá-lo num campo de futebol. Paul McCartney passou por lá sem deixar marcas. Só em 1991, por exemplo, estiveram no Hotel George Michael, Pelé e Nelson Mandela. O verão de 2006 trouxe os Rolling Stones e a sua comitiva que ocupou 60 quartos. No palco em frente ao hotel, tocaram para 1,3 milhão de pessoas, o recorde da banda. Com duas estadias no hotel, o lendário guitarrista Keith Richards, chegou a convencer a gerência a vender-lhe a cama onde dormiu com a mulher para oferecer à amada, já que ela, que sofria de insónias, conseguiu dormir tranquila durante a estadia. Em 1985 chegou a se especular sua demolição que não aconteceu. Só em 2014 é que se passou a chamar-se Belmond Copacabana Palace.