Algarve é a 27.ª paragem do TREC – Traversing European Coastlines, um projeto inédito pretende desenhar um mapa europeu dos ecossistemas costeiros.
O Algarve é a 27.ª paragem do TREC – Traversing European Coastlines, um projeto inédito pretende desenhar um mapa atualizado dos ecossistemas costeiros da Europa e perceber como respondem a fatores ambientais naturais e ao impacto da ação humana, em diferentes escalas, no solo e na água.
Até sábado, uma equipa multidisciplinar está instalada junto no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve (UAlg), em Faro, junto ao Centro de Ciências do Mar (CCMAR), um dos 70 parceiros locais envolvidos no projeto.
A expedição TREC começou abril no norte da França, percorreu todo o Báltico, Reino Unido e Irlanda, rumou a sul pela costa atlântica francesa até Espanha, numa iniciativa liderada pelo Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL).

Em Portugal, a expedição já passou pelo Porto e está agora no sul do país, uma zona considerada «muito interessante» pelos cientistas, devido a fazer uma fronteira entre o Atlântico e o Mediterrâneo. A próxima paragem será o Instituto Universitario de Investigación Marina (UCA/INMAR) de la Universidad de Cádiz , na vizinha Andaluzia, onde termina esta primeira parte do circuito.
Kiley Seitz, microbiologista do solo norte-americana e investigadora do EMBL, explicou ontem aos jornalistas que na costa algarvia as amostras estão a ser recolhidas em Sagres, Faro e Vila Real de Santo António (VRSA).
«São três lugares a distâncias diferentes da costa e com diferentes profundidades. Queremos ver o que está a acontecer em vários gradientes». Para isso, a equipa conta com três veículos para trabalho de campo e uma embarcação.
Uma das carrinhas tem um laboratório móvel, equipada com um espectrómetro de infravermelhos, forno de secagem e espaço para armazenamento das amostras de solo, sedimentos, águas rasas e organismos, recolhidas na faixa costeira e no mar. Depois de processadas, as amostras são enviadas para a sede do EBML, em Heidelberg, na Alemanha, para estudo posterior.
«Fazemos algumas análises básicas antes de enviá-las para nossa base onde há um armazém frigorífico que concentra todas as amostras, antes de serem distribuídas aos nossos diferentes parceiros. Este é um grande projeto europeu e estamos a trabalhar com laboratórios que farão diferentes perguntas», acrescenta a cientista norte-americana.
Perguntas como «quais são os impactes que os humanos estão a causar no meio ambiente? Estamos a analisar problemas como a resistência a antibióticos. Podemos encontrá-los em lugares diferentes? Estão a acumular-se na natureza?».
«Também analisaremos questões como gases de efeito estufa e tentaremos encontrar diferentes processos de mediação, isto, como é que alguns locais estão a adaptar-se melhor à ação do homem que outros».
Para já, «não tiramos conclusões, pois estamos apenas a começar» a recolha de dados em mais de 120 locais de 46 zonas do continente europeu.
No entanto, os cientistas já conseguem perceber alguns problemas. «Pessoalmente, procuro novas espécies de microrganismos, bactérias e Archaea. E estamos atentos a pequenos organismos como vermes. Fazemos muitas análises químicas para podemos observar a saúde do solo, dos sedimentos e da água. A poluição pode ser útil para servir de marcador porque estamos a olhar para os ecossistemas como um todo. Queremos ver como lidam com os diferentes impactes. Alguns prosperarão, alguns serão destruídos por causa disso. Outros podem até ajudar a degradar a poluição e melhorar o meio ambiente», explicou.
Por outro lado, «vemos muita poluição em locais que esperávamos encontrar imaculados, que não são frequentados pelo homem. Portanto, se os plásticos forem levados pelo oceano, ninguém os recolherá. As praias públicas estão muito mais limpas do que as nossas reservas naturais», comparou.
Além disso, «olhando os dados e conversando com os nossos colegas, vemos que o impacto climático foi muito forte este ano. Tem havido secas em toda a Europa e consigo ver como isso está a afetar o solo. O impacto a longo prazo, contudo, só veremos dentro de alguns anos», explicou a microbiologista.
Verme não está onde era suposto estar
Num dos laboratórios do CCMAR, a pós-doutarada italiana Antonella Ruggiero, interroga-se sobre o paradeiro do invertebrado marinho Platynereis dumerilii, um dos poucos seres que a ciência conseguiu mapear o sistema nervoso, célula por célula. «Então, recolhemos amostras em lugares geograficamente distantes para depois comparar a sua evolução. Assim podemos ver se o ambiente em que vivem impacta na sua biologia», detalhou. E «embora haja relatos de ter sido encontrado e descrito aqui há 15 ou 20 anos, ainda não conseguimos encontrá-lo. Temos encontrado outros anelídeos interessantes, mas este que é o nosso principal foco, ainda não apareceu», nem com os conselhos dos mergulhadores do CCMAR.
«Fomos a cinco zonas, trouxemos várias algas de ecossistemas diferentes e ainda não conseguimos encontrá-los. Há dois motivos possíveis: ou estamos procurando nos locais errados ou simplesmente desapareceram. Talvez o ambiente mudou», disse, embora, «esta é também uma evidência que é útil para pesquisa».
Na verdade, compreender como os organismos e ecossistemas se adaptam às mudanças ambientais no nível molecular e celular, serão a base para o estudo das mudanças na costa e ecossistemas nos próximos anos.
Kiley Seitz considera que «nunca houve um projeto como este em grande escala de recolha de dados, em terra e água, com protocolos uniformizados para a química e a biologia. É inédito. Uma das maiores vantagens que obteremos será uma base de comparação em toda a Europa. Grande parte da ciência é muito específica ou muito localizada e estamos a usar protocolos para que outras pessoas possam usar esta base para continuar» mais estudos.
«Todos os nossos dados se tornarão públicos e esperamos poder começar a fazer perguntas muito maiores e a trabalhar com pessoas muitos diferentes, com o objetivo de chegarmos a algum tipo de biorremediação», um método que usa bactérias ou outros pequenos organismos para decompor poluentes em determinadas condições, «mediando o impacto humano» na natureza.
Será um objetivo que «levará anos e anos», estimou. «A nossa esperança é que essa base esteja aqui, para que outros laboratórios possam começar a ajudar-nos, em como podemos fazer isso melhor».
A primeira fase do projeto encerra já este mês. A segunda fase decorrerá de fevereiro a agosto de 2024, percorrendo a costa mediterrânica e encerrando em Malta.
A expedição TREC é dirigida pelo Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL), em conjunto com a Fundação Tara Ocean, o Consórcio Tara OceanS e o Centro Europeu de Recursos Biológicos Marinhos (EMBRC). Envolve mais de 150 equipas de investigação de mais de 70 instituições de 29 países europeus.