Trabalhadores contestam eventual mudança da delegação da RTP de Faro para o campus da Penha

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Empresa tem vários cenários em estudo, segundo admitiu ao «barlavento» Ana Dias Fonseca, administradora com o pelouro financeiro da RTP, após reuniões com os trabalhadores, PCP e BE, no início desta semana.

A notícia caiu que nem uma bomba. Apesar de Ana Dias Fonseca, administradora da RTP não confirmar, nem desmentir, que os terrenos e a sede da delegação, junto à Avenida Calouste Gulbenkian, em Faro, possam vir a ser alienados e vendidos a privados para a construção de prédios de habitação, também não esconde que há «muita gente interessada» no negócio.

«Estamos a estudar muitas opções, mas a verdade é que temos aqui uma torre desativada há mais de 40 anos, um terreno a precisar de manutenção e uma delegação muito antiga a precisar de atualização», disse ao «barlavento», na tarde de segunda-feira, 20 de maio.

A responsável veio a Faro reunir-se com os trabalhadores da empresa e também com os deputados Paulo Sá, do Partido Comunista Português (PCP), e João Vasconcelos, do Bloco de Esquerda (BE), forças que, segundo o «barlavento» apurou, foram sensibilizadas para o futuro incerto da delegação da RTP.

João Vasconcelos e Ana Dias Fonseca.

Paulo Mendes, da Comissão de Trabalhadores da RTP, diz «a questão está a preocupar-nos bastante. Já sabíamos, aqui em Lisboa, que havia algumas movimentações estranhas. Tentámos inteirar-nos da situação, e recebemos a confirmação de que havia uma intenção de vender o terreno e as instalações, mobilizando a redação para o campus da Penha da Universidade do Algarve», cenário que, segundo garantiu ao nosso jornal, não existe em parte alguma do país.

«Nenhuma delegação funciona desta forma, uma coisa são os escritórios dos correspondentes, outra é um centro regional desta dimensão. Faro assegura emissões nacionais de rádio», acrescenta.

Mesmo que a hipótese de mudança para o campus da Penha avance, «todo o equipamento e todo o espaço tem de ser redesenhado para funcionar. No mínimo, será meio milhão de euros de investimento», estima Paulo Mendes.

Sobre a possibilidade da redação passar a laborar na UAlg, Ana Dias Fonseca, apenas diz que «estão a ser realizados estudos» há cerca de dois meses. Para já «é impossível» responder à pergunta do «barlavento».

«Só depois podemos tomar decisões de gestão, e perceber qual a melhor opção para conseguirmos ter o desígnio de informação de qualidade», assegura.

Por seu turno, João Vasconcelos, deputado do Bloco de Esquerda, defende «a modernização» dos atuais estúdios da delegação. «Não nos esqueçamos que este espaço é da RTP e que faz parte do património da cidade e da região, por isso só faz sentido que sejam aqui efetuados todos os investimentos necessários» à continuidade deste serviço público.

Para o parlamentar bloquista, «a deslocalização poderá subalternizar a RTP no Algarve. Tememos que o serviço público perca qualidade, que as condições dos trabalhadores se degradem e que haja despedimentos».

Aspeto do terreno adjacente.

Em relação à eventual alienação dos terrenos na envolvente, João Vasconcelos diz que «não podemos admitir que se tornem objeto de especulação imobiliária. Isso vai totalmente contra o serviço público, que pode ficar prejudicado em detrimento de outros interesses».

Mais cético é Paulo Mendes. «A administração, formalmente, informou a Comissão de Trabalhadores que isso estava em estudo. Mas já foram apanhados promotores imobiliários no terreno, alguns estrangeiros, que estão interessados» na compra do terreno adjacente, paralelo à Avenida Calouste Gulbenkian, uma das principais artérias de Faro.

No entanto, e ainda segundo Paulo Mendes, nem a Comissão, nem os trabalhadores, se opõem à eventual alienação do espaço ocupado pelas duas antenas desativadas. E explica porquê: «o que aqui está em causa é que querem vender tudo, e depois investir no polo do campus da Penha para a RTP funcionar lá dentro. É o mesmo que você vender a sua casa e depois investir na casa do senhorio».

Também ouvido pelo «barlavento», Paulo Sá, tem uma visão diferente. «Não há problema que o património seja alienado desde que a receita se venha a traduzir na melhoria da capacidade de intervenção da RTP no Algarve, e desde que se utilize o dinheiro para melhorar o edifício» atual.

O otimismo do deputado comunista, no entanto, acaba aqui. Dado o longo historial «de desinvestimento nas delegações regionais da RTP, incluindo o encerramento de algumas, com implicações negativas na cobertura informativa, na presença e na produção de conteúdos por parte dessas delegações, esta situação não pode deixar de suscitar preocupações quanto ao futuro».

O PCP teme que este processo «apenas tenha como objetivo a alienação e rentabilização de património, em prejuízo do reforço do serviço público de rádio e de televisão», na região, o que já levou o grupo parlamentar comunista a interrogar a Ministra da Cultura Graça Fonseca sobre esta situação.

Paulo Mendes corrobora. «Faro é um Centro Regional que cobre todo o Algarve e toda a região do Baixo Alentejo. É a delegação mais importante da RTP. Já foram, em tempos, feitos investimentos, aquando da união entre as instalações da rádio e da televisão. Os investimentos estão ali, naquele edifício. Nos últimos anos houve uma certa falta de manutenção, mas está tudo a funcionar. Toda a RTP precisa de obras e investimentos, mas nunca nos passou pela cabeça que passasseem por vender património».

Se a redação mudar, onde fica a imparcialidade?

Paulo Mendes, da Comissão de Trabalhadores da RTP insiste que «não faz sentido sair da parte visível da cidade e ir para dentro de um polo universitário. E depois como se noticiam depois as questões relacionadas com a Universidade do Algarve?».

«Eu próprio coloquei essa questão», afirma João Vasconcelos. «Parece-nos que ia haver uma subalternização da autonomia da RTP em relação a outras entidades».

Ainda em declarações ao «barlavento», Paulo Mendes sublinha que «acredito na independência jornalística dos meus colegas, mas há um problema. Logo à partida, o acesso às instalações. É um dos maiores erros que pode ser feito» e se assim for, «a RTP, uma das grandes instituições em Faro, deixa de ser visível na cidade, e estará sempre na sombra da Universidade».

Uma opinião partilhada por Nuno Sabino, repórter de imagem, 30 anos ao serviço da RTP, que trabalha em Faro desde 2015. «Ninguém está com vontade de sair daqui. As pessoas querem permanecer no seu local de trabalho, num espaço emblemático, virado para a cidade e onde se faz serviço público. Se fossemos para qualquer outro sítio, possivelmente perderíamos independência e isenção, logo não vemos uma mais-valia nessa decisão», diz.

«Palacete a cair» diz Ana Dias Fonseca

Ouvida pelo «barlavento» Ana Dias Fonseca, administradora com o pelouro financeiro da RTP, confirma que a empresa «tem no plano estratégico trabalhar nas delegações regionais para garantir que estamos próximos das pessoas e com informação mais próxima» e que a mudança para o campus da penha está em cima da mesa.

«Nós de facto aqui temos uma delegação muito antiga que precisa de ser atualizada. O espaço também foi feito com outras condições porque havia aqui uma torre e, de facto, isto é como um nobre antigo estar numa casa que é um palacete, mas o palacete estar a cair. Portanto, temos de tomar opções de gestão».