Teia D’Impulsos lança projeto de ajuda social em Portimão

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São já cerca de 100 refeições diárias servidas no refeitório do Centro Social de Nossa Senhora do Amparo, em Portimão, que precisa de um reforço de alimentos para manter a resposta. Iniciativa «Convocados para Ajudar» pretende dar a conhecer este trabalho e incentivar a comunidade a contribuir.

O peixe está a fritar e o arroz de tomate cheira bem. Lá fora, pouco antes do meio-dia, já há quem se sente à sombra à espera que a porta abra para o almoço. Até poderia ser um dia igual aos outros, nos 14 anos de atividade do refeitório social do Centro Social de Nossa Senhora do Amparo, em Portimão. Mas não é.

«Antes da pandemia, a média estava talvez nas 40 a 50 refeições diárias. As pessoas vinham aqui comer e iam às suas vidas. Agora, tivemos que reformular e muita comida sai em embalagens de take-away», refere ao barlavento o padre Nuno Tovar de Lemos, pároco da paróquia de Nossa Senhora do Amparo.

«Algumas instituições quedavam alimentação na cidade tiveram de fechar portas durante o estado de Emergência, e começaram a aparecer novos casos, de pessoas que não estavam habituadas a pedir comida. Para quem nunca pediu é difícil saber o que fazer e ultrapassar a vergonha. Ainda assim, temos tido sempre novos casos», descreve.

Esta é uma nova e complexa realidade e por isso o Centro está a tentar criar formas de ajudar este perfil, com recato e compreensão.

«É um outro público. A sensação que temos é que a procura irá aumentar ainda mais, ou porque a pouca reserva no banco acabou, ou porque a família não pode mais ajudar. Tudo dependerá do que acontecer com o turismo em Portimão. Achamos que há muitas pessoas que têm estado a aguentar, a viver situações provisórias», que numa fase limite, e quando o desespero apertar, terão de procurar apoio.

«Por isso é muito importante dar a conhecer o nosso refeitório a quem esteja a precisar e não saiba o que fazer. Qualquer interessado pode contactar-nos. Combinamos uma primeira conversa e a pessoa começa logo a levar refeições para casa. Ao fim de uma semana fazemos uma avaliação com um assistente social. A nossa política, à partida, é: venha!», sublinha o padre Nuno Lemos.

Voluntários na linha da frente

No refeitório social trabalham 15 pessoas, embora só tenham contrato uma cozinheira e uma auxiliar em part-time. A maioria são voluntários. Alguns vêm todos os dias. Outros vão rodando o turno. Quando o confinamento foi decretado, e apesar de alguns serem reformados, e como tal, grupos de risco acrescido à COVID-19, «algumas pessoas quiseram continuar a vir, mesmo contra a vontade das famílias. E apareceram pessoas novas, que se aproximaram de nós. Tivemos até um chef de cozinha, da nossa comunidade, cujo restaurante onde trabalha encerrou e que se ofereceu para vir laborar», aponta o padre Lemos, sacerdote jesuíta ordenado em 1995 que durante 20 anos dedicou-se sobretudo à pastoral universitária em Braga, Coimbra, Porto e Lisboa.

Entretanto, «se alguém ficar infetado, teremos que mudar a equipa e já temos planos. Mas é curioso este espírito de carolice. A não institucionalização do Centro, em alturas de crise, funciona, porque o que nos move é um amor e um desejo pelo bem comum», diz o padre que está desde 2016 a trabalhar na Diocese do Algarve.

Anabela Franco é uma das mais antigas e um exemplo do altruísmo que move esta obra. É voluntária há 14 anos, presente quase desde a primeira refeição que aqui se serviu. Fala com o coração: «na altura, eu ainda trabalhava. Saía ao meio-dia e vinha para aqui ajudar», recorda. Nunca mais parou, mas também não sabe explicar a motivação.

«Só me sinto bem assim. Tenho problemas de saúde, mas chego cá passam-me logo as doenças todas. Isto é uma dádiva», resume.

Anabela Franco, um coração enorme.

As ementas são feitas com base no que há na despensa, receitas temperadas com uma dose de criatividade e claro, experiência acumulada. «Precisamos de ovos, batatas, óleo. Tudo o que vier, agradecemos porque faz falta», diz.

Se a comida é boa? «Temos uma cozinheira de primeira categoria. Não há restaurante como o nosso. Sabe porquê? Nos outros temos de esperar. Aqui é só comer e abalar». E há um outro ingrediente que dá muito sabor. «Só com a ajuda de todos é que conseguimos» fazer o bem, sem de facto, olhar a quem.

Milagre diário

Mesmo em tempos incertos, «temos tido ofertas de muita gente», diz o padre Nuno Lemos, que agradece os apoios que vieram da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia de Portimão, assim como de particulares e empresas. «Chovem ajudas! Só assim conseguimos fazer tantas refeições. Mas claro, aqui não há nada garantido» e o fluxo não pode parar.

«O facto é que o dia a dia tem dado para todos os dias, sem nunca termos um stock assegurado para vários meses. A nossa coordenadora costuma dizer que fazemos um milagre diário. Chega a haver meses que temos apenas 100 euros de despesas», contabiliza. «A nossa paróquia é particularmente generosa. Ainda a nossa igreja não estava concluída e já havia assistência aos mais pobres. Basta fazer um aviso, que irão chegar ajudas. Às vezes surgem sacos aí à porta que ninguém sabe como aparecem. Ainda ontem alguém trouxe feijão e chouriços». Os almoços são servidos de segunda a sexta-feira, dia em que os utentes levam um reforço para o fim de semana.

Projeto nascido para ajudar

Com a suspensão dos jogos da Liga NOS e a impossibilidade de realizar o já conhecido projeto «À Bola para Ajudar», que em oito edições já angariou 25 toneladas de alimentos para apoiar 19 instituições diferentes, a Associação Teia D’Impulsos acaba de lançar a iniciativa «Convocados para Ajudar», com o objetivo específico de ajudar a obra do Centro Social de Nossa Senhora do Amparo, em Portimão.

«Nesta altura (maio) as pessoas davam bens alimentares para pagar a entrada num jogo solidário. Este ano, contudo, percebemos que seria urgente fazer alguma coisa para que o refeitório social possa continuar a ter sustentabilidade neste período mais difícil. A procura tem aumentado muito e é preciso que possa dar resposta a mais pessoas», segundo explica o dirigente associativo Nuno Vieira.

A iniciativa foi pensada em várias vertentes. Até 19 de junho, a Teia D’Impulsos irá divulgar as necessidades de alimentos em falta, para quem quiser ajudar. Por outro lado, «queremos criar uma rede de parceiros, que intitulamos como padrinhos, entre empresas e entidades, que possam dar um contributo mais permanente». O pároco Nuno Lemos elogia a iniciativa da associação, que nasce de «uma amizade antiga e de uma grande comunhão de ideais e maneiras de estar na cidade e na vida».

Rota do Petisco 2020 recupera o espírito original

A pandemia foi um duro golpe para muitos negócios, sendo o sector da restauração um dos mais castigados.

«Este ano, estava tudo programado para ser uma rota emblemática, porque celebra 10 anos. Estava prevista uma primeira fase em maio e uma especial em setembro, só em Portimão, para celebrar o aniversário. Com tudo isto que aconteceu, tivemos de dar a volta ao contexto», explica ao barlavento Nuno Vieira, da Associação Teia d’Impulsos, organizadora do evento.

O curioso é «que vamos recuperar o conceito original. A Rota do Petisco nasceu durante a crise para tentar dinamizar e impulsionar a restauração e mesmo uma vertente do comércio tradicional. Vamos voltar a ter essa mesma função», sublinha.

Devido à pandemia da COVID-19 e à declaração do estado de Emergência, o processo de angariação de estabelecimentos de restauração e similares parou logo no início de março. Na altura, já havia 250 aderentes.

«Agora, não é que volte tudo à estaca zero, mas fica muito próximo disso», lamenta Nuno. O plano agora é que tenha início a 11 de setembro e dure até 11 de outubro.

«A ideia é tentar transportar tudo o que já estava programado para essa altura. Nós obviamente que nesta fase, em que a restauração esteve fechada e começa agora a reabrir, teremos que voltar ao terreno e retomar os contactos. Sabemos que há muitos estabelecimentos que não terão condições para voltar a abrir».

Este ano, todos os concelhos do Algarve estavam envolvidos à excepção de Vila Real de Santo António (VRSA) e Alcoutim, no extremo do Sotavento.

«Castro Marim ainda estava em dúvida. É óbvio que teremos de repensar o conceito, de forma a respeitar as normas de segurança, mas o principal objetivo, o de tentar que as pessoas voltem à rua, frequentem os café e restaurantes tradicionais, volta a fazer sentido».

Unir as associações: primeiro Portimão, a seguir o Algarve

Segundo revela ao barlavento Luís Brito, dirigente da Associação Teia d’Impulsos, há um novo projeto na calha, intitulado ReMAC-19 – Resposta do Movimento Associativo à COVID.

«Tem várias fases, mas o que se pretende é fazer um retrato ao movimento associativo em Portimão, as dificuldades que tiveram com a COVID-19 e aquilo que perspetivam, no pós-confinamento. Enviámos um questionário a 160 associações, tivemos 70 respostas (até ao final da semana passada) e estamos a planear reuniões online por área de atuação: social, desportiva, cultural e ambiental».

«As especificidades e as ambições de cada uma são um pouco diferentes. Em paralelo, estamos a criar um gabinete de apoio ao associativismo com pessoas e instituições que podem trazer uma mais-valia e apoio» aos coletivos.

Luís Brito fala, por exemplo, da Academia de Gestão Social da Fundação Manuel Violante, uma das mais prestigiadas no que toca à capacitação de estruturas e organizações do terceiro sector, que já se associou ao projeto algarvio, através da disponibilização de formação.

O gabinete poderá ainda ser útil numa altura em que várias associações, sobretudo desportivas se preparam para retomar a atividade e podem ter dúvidas.

Por outro lado, o objetivo é «estabelecer e fortalecer parcerias. O Portimonense tem mais de 1000 atletas, que representam centenas de famílias, num universo muito significativo para a cidade. Um clube que se associe a uma causa social, como o Convocados para Ajudar, poderia alavancar imenso a angariação de alimentos», neste caso.

«Sabemos que a boa vontade é o que faz acontecer. Mas temos de dar um passo em frente na capacitação destas organizações que têm um papel mesmo muito importante no desenvolvimento das comunidades. O movimento associativo do Algarve tem um enorme potencial, mas no que toca ao know-how, estamos ainda num nível muito baixo em comparação com outras zonas do país. É determinante mudarmos este paradigma». Luís Brito acredita que se esta experiência der frutos em Portimão, «será fácil de replicar, porque gostaríamos de alargar a toda a região».

Aumenta entrega de refeições e cabazes em Portimão

De acordo com a Câmara Municipal de Portimão, nos últimos três meses, e devido à atual conjuntura, verificou-se um aumento significativo das refeições diárias confeccionadas nas cantinas sociais de várias instituições de apoio social local, bem como a entrega mensal de cabazes com produtos essenciais a pessoas e famílias carenciadas.

Assim, neste momento, são confeccionadas uma média de 600 refeições diárias, distribuídas pela Associação Cultural e Recreativa de Alvor; Cáritas Paroquial de Nossa Senhora da Conceição – Matriz de Portimão; Centro Paroquial da Nossa Senhora do Amparo; delegação local da Cruz Vermelha Portuguesa; GRATO – Grupo de Apoio aos Toxicodependentes; MAPS – Movimento de Apoio à Problemática da Sida e APF – Associação para o Planeamento Familiar – Projeto Rio.

Na sequência desta pandemia, admite a edilidade, cresceu o número de instituições que confeccionam refeições sociais.

Em relação aos cabazes para agregados familiares carenciados, e distribuídos mensalmente pela Associação Cultural e Recreativa de Alvor, ADRA – Associação Adventista Para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência, Cáritas e Associação Flor Amiga, são compostos por alimentos não perecíveis e frescos, tendo duplicado dos 292 no início do ano para a média atual de 638 unidades.

Neste número, também figuram os cabazes de fruta que a ADRA distribui por semana, assim como os cabazes semanais que o MAPS passou a entregar, a partir desta crise, aos sem-abrigo e a famílias em situação de vulnerabilidade.

O município de Portimão estabeleceu diversos protocolos com o movimento associativo local, para que as entidades com trabalho na área social mantenham e reforcem as suas saúde.

Numa primeira fase (2 de abril), e em resposta às necessidades identificadas de apoio à Casa Paroquial Nossa Senhora do Amparo, Caritas, APF (na sua componente de ajuda aos sem-abrigo) e MAPS, foram celebrados protocolos no valor de 60 mil euros, sendo que numa segunda fase (7 maio) já foram aprovados novos protocolos, que envolvem 25 instituições/associações de cariz social, no valor global de 211621 euros.

A Câmara Municipal de Portimão pretende dar resposta e apoiar, não só quem já se encontrava numa situação de carência social, mas também os cidadãos que viram os rendimentos a diminuir, embora as suas obrigações continuem inalteradas.