Tavira quer Balsa ex-líbris arqueológico do concelho

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Desde 1970 que se fala na criação de um projeto de salvaguarda da Cidade Romana da Balsa. Quase 50 anos depois, uma candidatura ao programa CRESC Algarve 2020, vai permitir concretizar o sonho. Os trabalhos de prospeção geofísica na freguesia da Luz de Tavira, começam a 19 de agosto.

«Há mais de dez anos que se fala na cidade de Balsa. Somos da opinião que há lá muita coisa, e que este é um ativo importante para o conhecimento de nós próprios, da nossa civilização, dos nossos antepassados, mas também daquilo que é a História do Algarve e de toda a cultura marítima associada a esse tempo. Queremos retirar a parte escondida da cidade para ser reconhecida. Esse é o nosso compromisso», revelou Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira, durante a assinatura do protocolo entre a autarquia, a Universidade do Algarve (UAlg) e a Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg), na manhã de sexta-feira, 26 de julho.

O projeto, a três anos, dá pelo nome de «Balsa, recuperação e divulgação de uma cidade romana do Sudoeste Ibérico» e é o resultado de uma candidatura aprovada ao CRESC Algarve 2020, por parte do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, da UAlg, liderado pelo professor e arqueólogo João Pedro Bernardes.

As escavações iniciam-se no dia 19 de agosto e prolongam-se, numa primeira fase, até 6 de setembro, com o objetivo de resgatar a memória e o conhecimento do que resta da cidade histórica e contribuir para a requalificação e valorização da área. Além disso, todos os trabalhos, realizados por profissionais das três instituições envolvidas, pretendem ter um cariz educativo.

Como tal, está programada a organização de um campus-escola para todos os alunos universitários, portugueses ou estrangeiros, que pretendam estudar as temáticas em questão.

«Este é um projeto que procura no fundo conhecer melhor as origens do Algarve. Estamos a falar de um local que pela sua localização geográfica tem uma responsabilidade e um contributo muito importante para conhecermos aquilo que fomos e, por essa via, aquilo que somos. Ao termos cá estudantes sentimos que estamos a cumprir a nossa missão de contribuir para o desenvolvimento cultural da região», afirmou Paulo Águas, reitor da UAlg, durante a cerimónia.

Questionado sobre quais as suas expetativas, Jorge Botelho revelou que pretende que o concelho de Tavira seja tomado como exemplo.

«Espero que se encontrem indícios suficientes para se poder avançar para outra fase mais avançada. Espero que seja um campus contínuo de trabalho e que Tavira seja uma referência com escavações produtivas, com um registo importante e com um trabalho contínuo que possa trazer à descoberta uma cidade de Balsa. Uma cidade que possa ser visitável, partilhável, editável, visível, com segurança e com museu integrado, para que possamos ter um ex-líbris no concelho. É este o trabalho que hoje inicia, são essas as minhas expetativas e é esse o compromisso que as pessoas que acreditam no trabalho e na História devem ter, sem demagogias», defendeu.

Também Adriana Freire Nogueira, diretora da DRCAlg, no uso da palavra, mostrou a sua vontade em reunir todas as peças em museu. «Este projeto era já um desejo muito grande da DRCAlg e penso que também dos cidadãos e gentes de Tavira que sempre acarinharam e viram necessidade de proteger o que resta da Balsa. A cidade tem muito para dar ainda e a Direção vai estar presente na fase de museonalização, uma boa oportunidade de mostrar ao concelho algumas das peças. A Direção empenha-se neste protocolo com todo o seu coração, trabalho e vontade de ver acontecer e estamos todos muito curiosos para saber o que vai sair deste primeiro campus-escola. Acho que vamos encontrar coisas que nos vão fazer sentir orgulhosos de ter feito aquele trabalho. Se não acontecer e encontrarmos tudo partido, mesmo os cacos contam histórias».

Opinião corroborada por João Pedro Bernardes, ainda em 2018, quando já se falava da possibilidade de um projeto como este seguir em frente. «Poderá surgir um núcleo museológico. Obviamente que sim. É uma zona belíssima. Será diferente de Milreu porque a natureza dos vestígios é diferente. Mas imagine, e isso não está fora de causa, que se encontram algumas casas com mosaicos. Seria o ideal para constituir um núcleo museológico, integrado com a própria paisagem, com a produção das ervas aromáticas. Poderia ser criado um circuito que aliasse a cultura com a natureza. São ideias muito prematuras, mas possíveis», admitiu ao «barlavento».

Neste projeto, que une as três entidades, à DRCAlg compete a participação na investigação científica, o acompanhamento técnico e a colaboração nas medidas de proteção e salvaguarda das estruturas.

A UAlg ficará encarregue da investigação científica e da participação no planeamento da conservação e do restauro de materiais. Por fim, a autarquia de Tavira fica responsável pela participação da equipa técnica nas atividades arqueológicas, na conservação e no restauro do espólio, bem como pela dinamização de ações de informação.

A Cidade Romana da Balsa, encontra-se classificada como imóvel de interesse público e estende-se ao longo da zona ribeirinha da Ria Formosa.

O local, abrange várias propriedades e áreas de domínio público marítimo, onde já foram descobertas várias necrópoles cetárias (grandes tanques para a realização de preparados de peixe), vestígios de edifícios com pavimentos de mosaicos, condutas de água e inscrições alusivas à construção de um circo.

No dia 6 de setembro está marcado um dia aberto em Balsa, onde todos os interessados podem ver com os seus próprios olhos as descobertas feitas pelos arqueólogos.

Cidade divide opiniões de investigadores

A Cidade Romana da Balsa, na freguesia da Luz de Tavira, viu um projeto para a salvaguarda do seu património ser aprovado e consignado na sexta-feira, dia 21 de julho entre as três instituições responsáveis: Universidade do Algarve (UAlg), Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg) e a Câmara Municipal de Tavira.

Apesar dos novos trabalhos de prospeção geofísica iniciarem no dia 19 de agosto, há muito tempo que se discute o verdadeiro valor da cidade ao largo da Ria Formosa, e as opiniões de investigadores e historiadores se dividem.

Adriana Freire Nogueira, diretora da DCRAlg afirmou que o novo projeto poderá acabar com todas as dúvidas existentes. «Já sabemos que Balsa não é irrelevante, agora se foi uma das cidades romanas mais importantes, ou se é assim tão extensa como alguns especialistas dizem, não sei. Temos de esperar para ver o que a terra nos diz. A população de Tavira, e os portugueses em geral, gostam muito do passado romano e sentimos que somos descendentes de uma cultura imponente e é sempre bom saber que eles estiveram cá. A cidade de Balsa existiu, agora o tamanho não sabemos. Há uma ideia de que esta cidade era muito importante, e se calhar era, não sabemos ainda. Especula-se também que haja um grande porto dentro de água que poderia fazer parte da cidade, mas são coisas de que ainda não há certezas».

Já João Pedro Bernardes, arqueólogo e professor do Departamento de História Arqueologia e Património da UAlg vai ainda mais longe. Em 2018, ao «barlavento», quando questionado sobre essa questão, lamentou que a mesma não passava de um mito.

«Escreveram-se muitas barbaridades. Nunca se consultaram os especialistas que trabalharam em Balsa. Nem o Vasco Mantas da Universidade de Coimbra, nem Catarina Viegas que fez um doutoramento sobre Balsa, foram ouvidos. Ouviram quem? Amadores. E depois surgem aquelas ideias espetaculares que, aliás, depois nos dá muito trabalho a desconstruir, de que Balsa é uma cidade maior que Lisboa». Mas porque é que essa ideia ocorre?

O docente respondeu. «Decorre muito do facto de Balsa ter materiais muito excecionais no contexto nacional. Estes materiais oriundos de Balsa constituíram a reserva e a mostra principal do atual Museu Nacional de Arqueologia. E eram peças completas e intactas. Repare esta era uma zona de transição. A partir dos anos 40 do século I, os barcos passavam aqui em trânsito, e faziam escala em direção à Britânia e norte da Europa. Quase tudo o que existia no Império Romano aparece em Balsa».

No século XIX, com Estácio da Veiga, e XX, já com Abel Viana, foram descobertos «materiais excecionais no contexto nacional. Constituíram a reserva e a mostra principal do Museu Nacional de Arqueologia. Estátuas, vidros, peças completas e intactas lindíssimas que vieram das necrópoles de Balsa. Tudo isso contribuiu para criar a ideia de cidade fantástica»

Para o arqueólogo, um projeto de salvaguarda irá permitir «desmistificar isso. As coisas para terem valor não precisam de ser fantásticas». Mas, qual é a verdadeira riqueza de Balsa?

«Quando estudamos a epigrafia funerária de Balsa, nota-se que há uma grande relação com quem vive nas cidades da Andaluzia. Relações familiares mas sobretudo de comércio. Pessoas que viviam muito do comércio com Itália e o Norte de África. Estou a lembrar-me de um tal Annius Primitivus que enriqueceu tão rapidamente que dedicou uma lápide à deusa Fortuna e pagou um combate de boxe e um combate de barcas à população, possivelmente na Ria Formosa. Isso está lá escrito. Quando me pergunta qual é a riqueza de uma cidade como Balsa, bem, são coisas deste género», concluiu João Pedro Bernardes.