Grupo de jovens quer consciencializar os estudantes do secundário a da universidade para a importância da democracia. Mariana Afonso, de 22 anos, algarvia natural de Tavira, com os colegas, criou o «Política (NÃO) Importa» com o objetivo de combater a abstenção juvenil, desmistificar conceitos e simplificar a agenda política aos olhos dos mais novos.
«Decidimos que tínhamos de fazer algo sobre o assunto quando nas eleições europeias de 2019 a taxa de abstenção registada foi enorme e quase 70 por cento dos portugueses não votaram», conta ao barlavento, Mariana Afonso, de 22 anos, natural de Tavira e licenciada em Relações Internacionais.
«Nessa altura percebemos que, enquanto no nosso curso, os nossos colegas estavam muito atentos ao assunto e queriam divulgar informação sobre o tema, qualquer outro amigo nosso ou jovem estudante de outras áreas que não Ciências Sociais e Políticas, não tinha nenhum interesse em votar. Na sua maioria, além de nem se terem dirigido às urnas, não percebiam porque é que fazia diferença o seu voto. Quando concluí os estudos, decidi que estava na altura de começar o projeto e pôr mãos à obra».
Foi assim que, em setembro de 2020, se juntou a mais quatro colegas de curso: Inês Faias, João Lopes, Leonor Ferreira e Simão Pedro, e a Rúben Bento, licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Algarve, de 21 anos, também natural de Tavira. Nasceu assim o «Política (NÃO) Importa».
Segundo a co-coordenadora geral do grupo, «trata-se de um projeto apartidário, sem fins lucrativos, de jovens para jovens, com o objetivo de combater a abstenção juvenil e a falta de interesse político, motivando a participação cívica de uma forma dinâmica, com ações presenciais e digitais. Queremos mostrar aos jovens como é que a política faz parte das suas vidas, de todas as áreas de interesse que possam ter, e como o voto é a maior ferramenta de participação política e de se exercer o direito democrático».
E como pretendem fazer isso? «Primeiro, através de ações presenciais, de consciencialização, para fomentar a educação política no secundário e no ensino superior. É isso que achamos que nos diferencia. De início, queremos focar-nos nos 12º anos e nos primeiros anos de faculdade, jovens entre os 17 e os 19 anos. Vamos explicar como funciona a política em Portugal, porque é que é um direito e um dever votar e ao mesmo tempo porque é que é tão preocupante que as pessoas não votem. A nossa ideia é apresentar atividades e exposições presenciais com as turmas, e fazer exercícios em dinâmica de grupo. Queremos que percebam a importância do seu papel e a importância que o seu voto tem, de uma forma prática. Não vamos apenas falar e debitar conteúdos», diz.
«Queremos que entendam o impacto das eleições e que qualquer preocupação que possam ter está relacionada com política, usando casos pragmáticos. Por exemplo, há jovens extremamente interessados e a fazer o seu ativismo em questões ambientais. Vamos mostrar-lhes que isso também são questões que entram na esfera política. Mostrar-lhes, acima de tudo, que as preocupações que têm podem ter soluções e espaço na agenda política».
A primeira sessão está já marcada para a próxima semana, na Universidade Católica do Porto.
No entanto, apesar de o projeto só se ter lançado nas redes sociais no final de 2020, já ganhou proporções nacionais e há sessões agendadas um pouco por todo o país.
«A nossa equipa tem estado a crescer e já somos cerca de 15 pessoas focadas e envolvidas. Em pouco tempo já adquirimos uma dimensão considerável e temos contactos feitos com várias escolas, associações de estudantes e universidades. Já temos acordos e sessões agendadas com escolas da zona oeste, do Algarve e de Viseu», explicita.
Isto porque, o «Política (NÃO) Importa» conta já com uma rede vasta de embaixadores, jovens de todas as zonas do país que pretendem levar a mensagem aos seus colegas.
«Quando nos começámos a aperceber que a iniciativa estava a crescer, vimos que tínhamos necessidade de chegar a todo o lado e apercebemo-nos do interesse de jovens de várias regiões, com contextos académicos diferentes e até com diferentes perspetivas políticas. Temos já uma rede de embaixadores bastante grande, de outros jovens, estudantes e não estudantes, que entraram em contacto connosco e nos disseram que a nossa mensagem era importante e que queriam fazer parte da mesma. Os embaixadores são pessoas que levam a mensagem do projeto às suas escolas, às suas faculdades e que procuram ajudar-nos a encontrar parcerias e facilitar as ações presenciais e até digitais, dado o contexto das restrições», afirma Mariana Afonso.
Quanto às dinâmicas e ao material a ser apresentado, estes estão a ser preparados pelo departamento de formação do grupo, do qual Mariana Afono é coordenadora. Segundo a jovem, «o que pretendemos é pegar no conteúdo selecionado pelo departamento pedagógico, onde tentamos ter as fontes mais esclarecedoras, credíveis e diversificadas possíveis, e tratar essa informação. O intuito é não perder o tema principal, mas aplicar uma linguagem simples, direta, adaptada aos jovens e ao mesmo tempo desenvolver várias dinâmicas. Temos três pessoas só a tratar disso. Depois, teremos de explicar e formar os outros elementos do grupo porque serão as 15 pessoas do projeto que irão fazer as várias sessões».
Em suma, o objetivo é simples e bem definido. Segundo a coordenadora, «queremos conseguir ver os jovens a fazer a diferença. O intuito é que um jovem nos diga que não estava nas suas ideias votar, mas que foi, porque ficou consciencializado para as questões políticas devido à intervenção do projeto Política (NÃO) Importa».
O conterrâneo Rúben Bento, acrescenta: «é clichê, mas se fizermos a diferença numa pessoa, já ficamos realizados. Aos poucos e poucos esperamos baixar a taxa de abstenção nestas faixas etárias e passar a mensagem que a política importa, sempre».
Talvez demasiado ambicioso? A verdade é que em relação ao futuro, e uma vez que o projeto já está preparado para uma escala nacional, o próximo passo a ser dado é a formalização de uma associação.
«Estamos nesse processo porque precisamos de nos oficializar dessa forma para termos uma maior facilidade de irmos a vários sítios. Queremos chegar a muitas escolas e distribuir-nos, cada vez mais, geograficamente. Queremos que seja um projeto nacional. Temos essa vontade e pretendemos chegar ao maior número possível de alunos», define a algarvia.
Quem quiser conhecer todas as ações do projeto, basta visitar a página de Instagram (@politicanumporta).
Por outro lado, quem se quiser juntar ao projeto, como membro ou como embaixador, ou quem quiser pedir ao grupo que desenvolva uma sessão na sua escola, basta enviar uma mensagem privada na rede social ou um email (politicanaoimporta@gmail.com).
«Estamos muito recetivos a receber embaixadores ou a integrar uma pessoa na nossa equipa para nos ajudar a chegar a mais jovens. Além disso, estamos também abertos a criar novas parcerias» no universo educativo, conclui Mariana Afonso.
COVID-19 é pau de dois bicos nas presidenciais
Em relação às eleições presidenciais, marcadas para dia 24 de janeiro, Mariana Afonso, co-coordenadora geral do projeto «Política (NÃO) Importa», ao barlavento, faz uma antevisão.
«Foram criadas tentativas de soluções para o momento, a forma como se vota e a possibilidade de um voto antecipado mais abrangente. No entanto, acho que vai haver muita gente com medo de aglomerações. Apesar dos espaços interiores estarem limitados a um número de pessoas, as filas continuarão sempre a ter um grande número de pessoas. Mas acho que vai haver os dois lados. Tenho visto imensas pessoas que nunca antes tinham mostrado interesse político, a fazerem-no agora, devido à questão da pandemia e de perceberem, a uma escala tão grande, o impacto das decisões políticas. Sinceramente, não sei se haverá ou não menos abstenção, mas acredito que haverá abstenção nas faixas etárias mais velhas porque são pessoas que, ao estarem em grupos de risco, se resguardam mais. No geral, não sei, espero muito que não se verifique uma taxa de abstenção maior que nas presidenciais de 2016».
Rúben Bento corrobora: «é mesmo um pau de dois bicos. Se por um lado as pessoas este ano estão mais conscientes para este tema devido a tantas polémicas, existe a pandemia que leva ao receio de votar. Se calhar por isso é que este ano, o voto antecipado bateu alguns recordes»
Falta literacia política nas escolas
O projeto «Política (NÃO) Importa», criado por um grupo de seis jovens, dois dos quais tavirenses, surgiu da lacuna que todos sentiram no programa educativo lecionado nas escolas.
Nas palavras de Rúben Bento, responsável pela comunicação do projeto, ao barlavento, «parece que a política é um assunto tabu na sociedade. Não tanto por aquilo que é, mas porque as pessoas têm medo de falar e influenciar os outros. Acho que a política deveria ser um tema abordado na secundária, nem que fosse apenas algumas bases. São assuntos que dizem respeito a todos e a política é tão importante na nossa sociedade que devíamos começar a aprender a compreender o sistema desde cedo. Chegamos aos 18 anos e deparamo-nos com imensas dúvidas. O que é isto da política? Será que as minhas ideias se identificam mais com a esquerda, com o centro, ou com a direita? O que é a extrema esquerda e a extrema direita? Esses assuntos são importantes e deviam ser abordados nos currículos escolares. Os jovens, só quando escolhem ingressar em cursos relacionados com a política no superior, é que abordam ou aprofundam esses temas. Ou então, jovens que se interessam e pesquisam na Internet porque na maioria dos casos, são assuntos que passam ao lado», lamenta.
A co-coordenadora geral também tem uma opinião.
«Com a minha própria experiência, acho que a política é um problema complexo, mas que não é falado ou não é falado o suficiente nas escolas. A maior participação política que temos é quando existe uma associação de estudantes, mas em termos de educação não há a consciencialização dos alunos sobre aquilo que é a política e sobre como influencia a sua própria vida. Não há uma explicação sobre a importância de eu votar. Depois, porque nunca ninguém nos falou de política de uma forma que nos cativasse. Portanto, diria que, para mim, e para os meus colegas do projeto, a maior falha é não se falar muito do assunto».
Uma lacuna que pretendem combater com o projeto porque «a política está em tudo e é nas escolas que se começa a formar o pensamento enquanto indivíduos. Daí ser tão importante o nosso projeto. Ao mesmo tempo, esperamos que outras pessoas também percebam a importância de uma abordagem dinâmica às expressões políticas», acrescenta a algarvia.
Projeto quer fazer diferença todo o ano
Um dos propósitos do «Política (NÃO) Importa» é estar presente tanto nas redes sociais como em ações presenciais ao longo de todo o ano letivo e não apenas numa fase pré-eleições. «Queremos desmistificar questões políticas e isso acontece ao longo do ano quando há propostas de lei aprovadas, fenómenos internacionais que marcam a sociedade e até casos nacionais. O intuito é explicar algumas coisas da esfera política e cívica, mas de uma forma simples, com uma linguagem que simplificamos ao máximo e assim chegar aos jovens», explica Mariana Afonso, a co-coordenadora geral do projeto, ao barlavento.
«Não nos queremos prender, por exemplo, a estas eleições presidenciais que se aproximam. Queremos criar uma consciencialização a longo prazo. Claro que, como estão a existir campanhas para eleições presidenciais, estamos a transmitir informação nas redes sociais e, neste momento, estamos a apresentar os candidatos políticos. Mas, também quisemos mostrar qual o papel do Presidente da República porque achamos que o mais importante é os jovens saberem para o que é que estão a votar e qual a importância do seu voto», acrescenta ainda.
O seu colega de Tavira, Rúben Bento, explicita mesmo que, apesar de já existirem várias páginas na Internet de combate à abstenção, «parecem todas destinadas a eleições específicas, neste caso às presidenciais, que são as que se aproximam. O nosso projeto não, vamos estar presentes durante todo o ano letivo e é nisso que queremos marcar a diferença».
Taxa de abstenção pode ser reflexo de conformismo
Na opinião de uma das fundadoras do projeto «Política (NÃO) Importa», Mariana Afonso, não há uma resposta clara para a grande taxa de abstenção que se faz sentir nas eleições em Portugal. «Diria que muitas vezes há algum conformismo. O facto do nosso país, na última República, ter sido sempre governado por um ou outro partido do centro, leva a que as pessoas achem que são sempre os mesmos. Há sempre esse discurso e acho que há muitas pessoas que por esse motivo conformam-se e pensam que não faz diferença votarem, uma vez que vai sempre ganhar um dos mesmos».
Por sua vez, Rúben Bento, afirma ao barlavento, que pode ser devido «à falta de informação clara. A política utiliza muitos termos, que nem eu com uma licenciatura considero acessíveis. Depois é a falta de interesse em procurar. Se houvesse formação nas escolas ou em casa, se calhar também seria diferente. Tudo isto contribui para o desinteresse, para a desinformação e consequentemente para a taxa de abstenção».