Projeto une reitoria da Universidade do Algarve (UAlg), Centro de Ciências do Mar (CCMAR) e município de Vila do Bispo. Sagres terá um polo científico de atração internacional para estudantes, investigadores e público.
Até ao final deste ano estará operacional, no Porto da Baleeira, o novo laboratório de Biologia Marinha do Polo da Universidade do Algarve (UAlg) de Sagres.
A infraestrutura e o equipamento irão servir, sobretudo, para aumentar a qualidade da formação da academia algarvia nos cursos de licenciatura e mestrados da área do mar, através de uma metodologia inovadora entre a sala de aula e as saídas de campo. Por outro lado, o objetivo é também estimular a investigação e estudar in situ os ecossistemas costeiros e a biodiversidade local.
Esta iniciativa surge no âmbito do projeto Fosteam@South, apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR/ Impulsos Jovem e Adulto) e pelos fundos europeus NextGeneration, no valor de 2,1 milhões de euros. Está também em fase de recrutamento o técnico que dará apoio à estrutura.
Segundo a professora e investigadora da UAlg, Ester Serrão, «o Porto da Baleeira é o sítio ideal para um laboratório marítimo, pois temos todas as condições logísticas para receber grupos, para aceder à biodiversidade marinha e para fazer recolhas e experiências. O polo de Sagres será destinado a estudantes universitários de todos os níveis, a investigadores, e também às escolas. Terá ainda um programa de atividades regulares aberto ao público. Pretendemos que seja um centro internacional de investigação, até porque sabemos que há muito interesse em toda esta zona», por parte da comunidade científica.
«Estamos no sudoeste da Europa, num hotspot único onde há uma confluência de espécies do Atlântico Norte, de águas mais frias, com espécies mediterrânicas de águas mais quentes que vêm da costa de África, numa interação biogeográfica original e muito rica», explica a coordenadora.
«Além destas condições oceanográficas, existe uma zona de recifes extensa que suporta uma grande biodiversidade de corais, esponjas e outros organismos como os briozoários. E também as florestas marinhas, isto é, estruturas tridimensionais que servem de habitat, de abrigo, de refúgio, de maternidade e de berçário a muitas espécies».
Portanto, com as amostras frescas à mão, a estação marinha «terá uma sala de aula para as atividades com o público, aquários, e água salgada circulante para manter organismos vivos. Estudantes e especialistas vão poder fazer as suas investigações e o público poderá vir aprender e observar a ciência que aqui se fará», mesmo junto ao Centro Interpretativo, que a UAlg já utiliza com frequência para palestras e atividades.

Ester Serrão acredita que ajudará também a captar mais financiamentos, para colaborações internacionais e para os projetos próprios da UAlg/ CCMAR.
Corais são riqueza a proteger
Segundo Ester Serrão, o polo «vai aumentar muito o conhecimento de toda esta região. Atualmente, os projetos que temos são dirigidos à conservação dos corais», uma das maiores riquezas do mar de Sagres. «É um trabalho muito direcionado para o contacto com os pescadores, de recolha dos exemplares que vão apanhando em bycatch».
O CCMAR/ UAlg dispõe de tanques de água salgada, entre outros equipamentos apoiados pelo Oceanário de Lisboa, em armazéns cedidos pela Docapesca no Porto da Baleeira, onde os exemplares são mantidos até poderem ser devolvidos ao fundo do mar. Uma tarefa que requer cuidados especiais na posição em que são colocados (na vertical) para poderem sobreviver.
«Ainda sabemos pouco. Um estudante nosso de mestrado fez uma cartografia inicial de quatro zonas onde os corais são apanhados pela pesca, em locais muito profundos onde não poderíamos ir em mergulho, abaixo dos 100 metros. Esta recolha não é feita intencionalmente. Acontece quando os pescadores vão aos fundos de rocha mais ricos para a faina e acabam por apanhá-los nas redes».
O mestrando fez saídas durante 42 dias e recolheu mais de 4000 exemplares, por vezes de colónias inteiras, de 22 espécies. «É um valor assombroso», considera a docente.
No entanto, Ester Serrão diz que os homens do mar são uma mais-valia. «Apesar deste impacto negativo involuntário, os ecossistemas são muito ricos. Esta é uma comunidade piscatória que não está saturada e por isso há um certo equilíbrio. Por outro lado, os pescadores estão muito interessados em colaborar com a ciência e em salvar os corais», garante.
Ainda nesse âmbito, a Fundação Belmiro de Azevedo selecionou a candidatura do projeto Coral Forests para financiar especificamente um programa para Sagres, no sentido de replantar o fundo o mar e de conhecer melhor a cartografia dos recifes.
Colaboração da Marinha
Ouvida pelo barlavento, Rute Silva, presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo, confirma que «há vários anos que a UAlg trabalha no nosso concelho. O principal problema é a questão do alojamento. Temos um espaço em Budens, um antigo jardim de infância que disponibilizamos aos investigadores. Mas falta mais. Neste momento, estamos na fase zero deste projeto, que engloba a construção da nova estação. E estamos já a procurar financiamento para a fase seguinte, de forma a podermos reabilitar os antigos edifícios da Marinha e dar mais estabilidade aos alunos e ao corpo docente».
Uma certeza é que «a fase zero já não tem reversão possível. É um dado concretizado». Em relação à antiga estação naval, a autarca diz já ter reunido com o chefe do Estado-maior da Armada, Almirante Gouveia e Melo.
«Falta apenas acertar tudo por escrito, mas, à partida, vamos ter sucesso». Com tudo isto, admite Rute Silva, Vila do Bispo assume-se cada vez mais como uma referência ambiental, com a ciência a contribuir para atenuar a sua periferia no contexto regional, e de uma forma sem paralelo no Algarve.
«Sim, essa é a nossa intenção. Temos o privilégio de ter procura internacional ao nível da investigação. A Península de Sagres é um sítio muito interessante, mas não apenas para a biologia marinha. Também temos pesquisa arqueológica em Vale de Boi e na Boca do Rio, ou seja, é todo um território riquíssimo que atrai o interesse científico», conclui a autarca.
Ester Serrão confirma. «Temos tido o apoio da Marinha e estamos a planear uma maior colaboração no futuro, quer nas atividades que vamos desenvolver com os estudantes e investigadores, quer junto do público. Estamos também a desenvolver a ideia de um Museu da Biodiversidade Marinha. Além disso, a UAlg tem um protocolo específico com o Instituto Hidrográfico» que será mais dinamizado.
Festival das Florestas Marinhas é para continuar
Ester Serrão faz um balanço muito positivo do primeiro Festival das Florestas Marinhas que estreou em maio. «Vimos quão diverso é o público de Sagres. Apareceram pessoas muito diferentes, desde surfistas e instrutores de surf que querem desenvolver mais atividades connosco, aos residentes estrangeiros que gostam da proximidade com a natureza e querem ter mais conhecimento. Acolhemos turistas e pessoas ligadas às artes para se inspirarem no mar. E muita gente interessada na biodiversidade, em conhecer espécies e em saber os seus nomes». O evento será para continuar, na mesma altura, que coincide com a época de reprodução das algas. O desafio seguinte é continuar a envolver a comunidade local e a restauração.