República Cultural inaugurou em Olhão

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Das cinzas da antiga Sociedade Recreativa Olhanense, na principal avenida da cidade, nasceu uma nova associação. Chama-se Re-Criativa República 14 e arranca com 268 sócios, metade dos quais estrangeiros, de 16 nacionalidades diferentes. Inaugurou oficialmente com dois dias de festa, a 13 e 14 de abril. Maria João Cabrita, presidente deste coletivo explica ao «barlavento» como tudo surgiu.

«Em maio do ano passado, a pintora Meinke Flesseman perguntou-me se seria possível fazer aqui uma exposição coletiva, pois a empresa da minha família é a proprietária do edifício» que estava encerrado. «Quando vi o nome dela, lembrei-me que fomos colegas de escola, no Colégio de Nossa Senhora do Alto, em Faro, há 40 anos. Na altura não havia muitos estrangeiros a frequentar o ensino português, e o nome dela ficou-me sempre na memória. Aliás, fui sempre, acompanhando o percurso» da artista holandesa, hoje residente em Olhão. E o evento avançou. «Foi maravilhoso ver as portas e as janelas abertas de novo, as pessoas a entrar e sair. Quando tudo terminou, ficou uma semente», conta a presidente.

Mas a ideia original, era bem diferente. «Havia um projeto prévio. A nossa ideia era fazer um hostel, um centro cultural e um restaurante» no torreão onde funcionava o antigo snack-bar a Velha. O processo acabou por ser indeferido e não foi o único obstáculo. «Este edifício está fora da Área de Reabilitação Urbana (ARU) da zona histórica de Olhão. Sabe onde termina? Mesmo à porta. Desde março de 2016 que fiz pedidos à autarquia no sentido de o integrar na ARU. Há um conjunto de medidas legais que facilitam bastante a intervenção, nem que seja pela redução do IVA», explica.

Maria João Cabrita, presidente da Re-Criativa República 14.

Em setembro de 2017, o caso até mereceu o parecer positivo da vereação do Bloco de Esquerda, mas entretanto vieram as eleições de 1 de outubro, e o assunto acabou por ficar mesmo na gaveta. «O que circulava nas redes sociais é que isto era para ir abaixo, mas nunca foi essa a realidade», sublinha.

Entretanto, durante o último festival F, em Faro, Maria João Cabrita viu o concerto do contrabaixista de jazz Carlos Bica, na companhia do namorado, Fernando Júdice. Este pensou que poderiam organizar aquele tipo de eventos no antigo edifício olhanense. No dia seguinte, a proprietária foi até lá averiguar as condições, com os amigos José Salgueiro e Carlota Maricato. «Isto é uma Fábrica do Braço de Prata em ponto pequeno. Já sei: vamos constituir uma associação», sugeriu o trompetista José Salgueiro, que lançou o repto. E assim foi, a 9 de outubro. «Ninguém aqui tem experiência de associativismo, o que fazer, nem como fazer. Tem sido uma aprendizagem», acrescenta Meinke Flesseman, membro da direção. Como a artista tem ligações à comunidade estrangeira residente no Algarve, o projeto ganhou contornos de «bola de neve».

Além de presidente da Re-Criativa República 14, Maria João Cabrita é jurista, tem o curso de fotografia do ARCO e tem um percurso profissional marcado pela diversidade. Já teve uma agência de espetáculos e até uma empresa de transformação de ardósias, pelo que este é só mais um desafio.

«A empresa proprietária cede-nos gratuitamente o edifício por um período de cinco anos. Depois temos de pagar uma renda mensal de 1000 euros. Ou seja, temos um prazo para conseguir por isto a funcionar, para criar algo dinâmico e vivo», diz. Um plano futuro é recuperar a antiga tela de cinema ao ar livre. «Fizemos uma parceria com o Cineclube de Tavira. Se eles conseguirem ganhar a candidatura ao próximo programa 365 Algarve, com a proposta de um festival internacional de cinema» este será um dos locais no itinerário. «Durante o Mundial queremos projetar os jogos ali, se conseguirmos arranjar a tecnologia apropriada», revela a presidente. Para já, o objetivo é «ter uma programação consistente, com concertos ao vivo todos os fins de semana».

A Re-Criativa República 14 inaugura hoje o novo ciclo «À Quinta Conto». Todas as terceiras quintas-feiras do mês, Fernando Guerreiro apresenta narrativas e convida outros contadores para partilhar histórias ao final do dia. Haverá duas sessões, uma às 18h30 e outra às 21 horas. Para amanhã, sexta-feira, dia 20 de abril, está agendada a inauguração da mostra Spring Exhibition, uma exposição de pintura do coletivo The Olhão Artist Initiative que reúne artistas locais portugueses e estrangeiros. Algumas obras doadas pelos autores serão vendidas em leilão. Todas as receitas angariadas revertem para a Associação Defesa dos Animais e Plantas de Olhão (ADAPO), de forma a apoiar o trabalho dos voluntários junto dos animais abandonados. O último destaque do fim de semana, acontece no sábado, dia 21 de abril. Às 20 horas, atua Johan Zachrisson (também conhecido por Zilverzurf), um músico sueco radicado no Algarve desde a década de 1980 que pratica uma sonoridade com influências de afro, reggae e jazz. Será acompanhado por Paulo Machado, Vítor Reia, Luís Monteiro e Martin Teutscher.

Programação para toda a comunidade

A Re-Criativa República 14 deu-se a conhecer no final de 2017 com a abertura do edifício da antiga Sociedade Recreativa Olhanense. Em janeiro iniciou as atividades regulares com aulas de português para estrangeiros (todas as quartas e quintas-feiras) que são já frequentadas por cerca de três dezenas de pessoas. Para a comunidade, durante a semana há yoga, danças circulares, meditação ativa, biodança e aulas de desenho com modelo. Em meados de fevereiro, abriu o bar taberna República 14, gerido por Ana Vasconcelos e José Silveira, experientes em restauração. O espaço serve bebidas e tapas, e , através de marcação, almoços, jantares e festas de grupo. Além disto, a associação está aberta à participação cívica, para acolher lançamentos de livros e ações de sensibilização social e ambiental, assim como exposições de artistas locais nacionais e estrangeiros. O espaço, para já está aberto de segunda-feira a sexta das 10h30 às 19h30, e às sextas e sábados das 10h30 às 0h00, prevendo-se a extensão do horário assim que se justificar na Avenida da República, 14, em Olhão. Aos domingos e feriados está fechado, podendo excecionalmente abrir aos feriados quando estes acontecerem à sexta-feira.

Demolição para construir mamarracho era boato

Maria João Cabrita, presidente da Re-Criativa República 14, concilia o papel de dirigente associativa com o interesse familiar da empresa Leal Cabrita & Companhia, proprietária do emblemático edifício. Quando a Sociedade Recreativa Olhanense foi despejada do local, começou a circular nas redes sociais, o boato que estava prevista a demolição para dar lugar a um prédio de apartamentos. «Quando a empresa do meu pai comprou isto, se calhar era isso que tinha em mente. Não sei dizer muito bem, pois foi há mais de 30 anos. Estava aqui sediada uma coletividade que pagava uma renda de nove euros pelo espaço todo», esclarece Maria João. Na altura, fez várias tentativas para negociar um aumento de renda com os antigos inquilinos. «A minha intenção era encontrar um valor que fosse comportável, minimamente justo» para ambas as partes. «Em 2012 surgiu a nova lei das rendas. O valor foi atualizado e aumentado sem qualquer negociação e começaram os incumprimentos. Tivemos que seguir os trâmites legais», ao mesmo tempo que começaram a circular os rumores. «Quando recuperámos a posse do edifício em 2015, eu imediatamente disse ao meu pai, que ele não poderia vender isto, nem fazer aqui nenhum mamarracho», recorda.

Pérola do património urbano de Olhão

O edifício que ocupa os números 12, 14 e 16 da Avenida da República, em Olhão, foi construído no século XIX pelos Condes d’Alte, tendo naquela casa nascido, em 1893, o ilustre cidadão Luiz Bernardino da Silva. Mais tarde, em 1932, foi ali instalada a sede da mais emblemática agremiação desta cidade, a Sociedade Recreativa Olhanense. «O inegável valor arquitetónico, histórico e simbólico deste edifício justificam inteiramente que tal espaço, apesar de configurar propriedade privada, seja preservado em prol da nossa memória coletiva. Ao longo dos anos, a Câmara Municipal de Olhão tem vindo a descurar a necessidade de proteção deste edifício, permitindo a progressiva degradação de uma das poucas edificações nobres da nossa cidade que, pelo seu manifesto interesse e significado concelhio, há muito reclamava uma intervenção municipal», lê-se num parecer da vereação do Bloco de Esquerda da Câmara Municipal de Olhão, datado de setembro de 2017, ao qual o «barlavento» teve acesso. Na altura, «foi apresentado pela atual proprietária um projeto de alterações, que visa a reabilitação arquitetónica e a revitalização da sua função cultural e comunitária, devolvendo aquele espaço simbólico à população», tendo sido, para isso, pedido que fosse incluído na Área de Reabilitação Urbana (ARU) da zona histórica de Olhão.