Renovado Museu de Lagos abre hoje com coleções especiais

  • Print Icon

Em processo de renovação profunda desde setembro de 2017, o Museu de Lagos Dr. José Formosinho abre hoje e promete surpreender sobretudo pelas coleções especiais e pela nova museografia.

Os paramentos litúrgicos do século XVI que, segundo reza a tradição, foram usados na última missa a que o rei D. Sebastião assistiu antes de partir para a malograda campanha de Alcácer-Quibir, estão hoje imaculados à espera de receber os visitantes na primeira sala do renovado Museu de Lagos – Dr. José Formosinho, ao lado de um Cristo de marfim indo-europeu que é peça única em Portugal.

Convive agora um painel de azulejos que retrata a paixão de Cristo que se desconhece a origem, brasões de antigas casas senhoriais e cerâmicas vindas de todo o mundo para o porto de Lagos, pelo menos até à desgraça abrupta do terramoto de 1755 e seguinte tsunami, cuja tragédia é explicada numa animação digital com projeção de vídeo.

Hugo Pereira, presidente da Câmara Municipal de Lagos explicou aos jornalistas, numa visita em jeito de antestreia, na terça-feira, dia 26 de outubro, «este será de certeza, por muito tempo, um equipamento de excelência da nossa cidade e uma das melhores marcas da região. Todos vão ficar contentes por ver o espólio tão diverso e tão importante que tínhamos.

Nuno Gusmão, Elena Morán, Hugo Pereira e Rui Parreira.

«Dentro de pouco tempo vamos dar início a outro núcleo, em frente, dedicado à arqueologia », revelou, que terá ainda uma galeria de exposições temporárias e cujas obras deverão arrancar ainda este ano. Do ponto de vista cronológico, começará na Pré-História antiga, terminando na morte do Infante D. Henrique em 1460.

Agora, a intervenção concluída traz uma nova vida a mais de um milhar de peças que foram inventariadas, investigadas e restauradas.

Algumas das mais notáveis ganham destaque e contextualização histórica e artística por meio de textos acessíveis, grafismos e aplicações multimédia criados pela byAR Augment Your Reality, de Pedro Pereira.

Segundo explicou ao barlavento Nuno Gusmão, diretor criativo do projeto museográfico de ambientes, comunicação e iluminação, as soluções adotadas dão espaço às peças para respirarem, até porque haverá dois tipos de público: o que quer ir admirar o retábulo da Igreja de São Francisco, e um outro que terá curiosidade de se aventurar pelas coleções especiais anexas.

Taça cerimonial originária do México. Não se sabe como chegou a Lagos.

Uma cabra de oito patas no gabinete das curiosidades

E terá muito para ver. Logo à entrada, uma espécie de cubo tridimensional serve de suporte ao gabinete das curiosidades.

Começa por mostrar uma série de arte africana, na qual se destacam três chapéus tribais, originários do Congo «que simbolizam o poder», segundo Elena Morán, coordenadora geral.

«São peças típicas de pessoas que passaram por África e que trouxeram recordações» para doar ao museu. Outra singularidade é uma sela que terá pertencido à Rainha D. Estefânia. «Só sabemos isso através de uma notícia de jornal da década de 1940, pois o Dr. Formosinho informava sobre cada nova peça que acrescentava ao Museu. Mas não sabemos quem a doou ou como teria chegado à sua posse».

A famosa cabra de oito patas.

Também na coleção da Naturalia, «a maioria das peças provêm de doações. É uma coleção que é construída não com um critério científico, mas de coisas que as pessoas achavam curiosas e que entendiam que deveriam estar no museu da sua terra», explicou Rui Parreira, corresponsável pela conceção e programa museológico, «como são exemplo as aberrações da natureza».

Neste aspeto, o Museu Nacional de História Natural e da Ciência colaborou no estudo e recuperação dos animais, ninhos, ovos, e toda a taxidermia.

Aspeto do gabinete de curiosidades.

Foi ainda possível salvar do formol, várias curiosidades que já estavam em degradação. Por exemplo, «a cabeça de borrego com um olho na frente, um pinto com quatro patas, um embrião de gato com duas cabeças, outro de cão com três olhos e a famosa cabra de oito patas» que foi um mito na infância de muitos lacobrigenses, e ainda o burro (Jojó) que apenas viveu 15 dias.

As conservas em formol tiveram que ser resgatadas e conservadas em álcool, com técnicas modernas.

Ao centro, o cão com três olhos.

Há ainda hologramas para dar vida à natureza morta e que acrescenta um toque digital para ajudar a conquistar a curiosidade e a surpreender os mais jovens.

Para Nuno Gusmão, idealizar o gabinete de curiosidades foi um desafio, «em termos de conteúdos. Estamos a falar numa quantidade de peças diferentes e díspares. Mas existem vários exemplos pelo mundo. Foi toda muito trabalhada a todos os níveis para tentarmos mostrar as coisas de uma outra maneira que não aquela normal que conhecemos».

A sela que se pensa ter pertencido à Rainha D. Estefânia (1837 – 1859), esposa do rei D. Pedro V.

A «Batalha de Lagos»

O espólio militar foi revisto com cuidado e apenas as armas mais interessantes foram restauradas.  A seleção contou com a consultadoria de João Centeno, investigador de História Militar. Um objeto que promete atrair a atenção são as munições e o que resta de uma peça de artilharia que terá sido usada na chamada «Batalha de Lagos». Uma escaramuça naval travada entre uma esquadra inglesa e uma francesa, no ano de 1759, ao largo da Praia da Salema, onde foi afundado o navio-almirante francês, L’Océan, de 80 canhões. É um empréstimo, a longo prazo da Direção-Geral do Património Cultural.

Outro objeto invulgar, cuja origem se desconhece, é um adorno de proa de um navio mercante. «Sabemos que se trata de uma peça do século XIX, mas que terá sido reutilizada. Aqui aparece já com as cores da primeira República, que quisemos manter», explicou Elena Morán.

Um diário de campo é algo que não chegaria aos dias de hoje, pelo menos, em tão bom estado. «Pertenceu a um oficial, o tenente Alvarenga que nele foi anotando o que acontecia durante a Guerra Peninsular (1807–1814) «e que termina com o relato da sua chegada a Lagos e de como foi muito bem recebido pelas gentes de Lagos», informou a coordenadora.

Diário de campo do tenente Alvarenga, veterano da Guerra Peninsular (1807–1814).

Um Algarve a exibir-se

Nuno Gusmão imaginou uma instalação com trabalhos de palma, cestaria, latoaria, cerâmica e até doçaria para a secção «O Algarve Mostrado: as chamadas indústrias artesanais ou caseiras, para ilustrar um certo período do início do século XX. O curador Rui Parreira explica a ideia. «Aqui há muito trabalho de design, técnicas ancestrais e soluções para a época, atuais. Aquilo que aqui se mostra não são peças feitas pelo povo e para o povo. Não. São peças feitas num ambiente de educação formal, na Escola Vitorino Damásio, ou então que foram encomendadas a artífices para serem mostradas na exposição de 1940».

Nuno Gusmão idealizou uma instalação com o melhor artesanato do Algarve, uma espécie de percursor do atual projeto TASA.

Em boa verdade, «nunca foram usadas. Foram feitas para serem exibidas e algumas para serem vendidas nas grandes cidades. Esta abordagem só foi possível percebendo a sua origem. Grande parte provém da antiga Escola Industrial Vitorino Damásio, cujo primeiro diretor em Lagos foi Falcão Trigoso. A outra parte da coleção vem da grande exposição do Duplo Centenário/Mundo Português de 1940 que foi montada em Faro e onde os diversos municípios algarvios estiveram representados com aquilo que de melhor se fazia no seu artesanato», explicou Rui Parreira.

«Portanto, não é uma recolha etnográfica no sentido que damos ao termo. Aqui há uma componente de design. Há cerâmicas que não são feitas normalmente no Algarve, mas que constituem uma demonstração da habilidade dos oleiros de Lagoa do estilo: olhem do que nós somos capazes e podemos ir ao encontro daquilo de que vocês gostam e querem ter lá em casa», explicou.

«Grande parte dessas peças são concebidas nesse sentido, mostrar na grande cidade aquilo que, tendo por base o artesanato algarvio, as artes caseiras e as chamadas artes industriais, o Algarve consegue melhorar, introduzindo-lhe um novo desenho. Daí a importância da disciplina de desenho na Escola Industrial Vitorino Damásio, porque está na base das produções em palma e das produções de bordados e rendas de bilros, que têm uma base de desenho rigoroso. Mas esta coleção nunca tinha sido mostrada com esta abordagem».

A Escola perdeu o nome de Industrial, porque houve «uma remodelação do ensino a seguir ao 25 de Abril, e é a atual Escola Secundária Gil Eanes, mas que ainda guarda muita documentação» onde a antropóloga Luísa Ricardo fez a investigação.

«Claro que este ensino era ideologicamente enquadrado. Na época do fascismo, no chamado Estado Novo, obviamente que as meninas tinham de estar obrigatoriamente inscritas na Mocidade Portuguesa Feminina. Aparecem nalgumas fotografias a fazer rendas de bilros fardadas».

Intervenção respeita o «espírito original»

Apesar de parecer um outro Museu, tudo foi feito com o respeito pelas ideias originais do patrono e fundador do Museu, Dr. José Formosinho (1888-1960), que promoveu junto da Câmara Municipal de Lagos, a constituição, em 1930, de um Museu Regional.

Nuno Gusmão sublinhou que «foi um trabalho muito desenvolvido a várias mãos, mesmo muito participativo e colaborativo entre todos». Uma ideia apoiada por Elena Morán, que considera que o espírito de equipa entre todos os envolvidos na reabilitação seguiu a forma de trabalhar original do fundador, «que sempre contou com toda a população. Todas as pessoas foram importantes nas suas áreas», desde o restauro e conservação do espólio, à construção de conhecimento e investigação. «A todos, o município de Lagos agradece a todos a participação», disse.

No que toca ao núcleo de pintura naturalista dos séculos XIX e XX, «tivemos a colaboração do Museu Nacional de Arte Antiga que foi fabuloso em selecionar um conjunto de obras mais interessantes, dividi-las por temas: as gentes; costa de ouro; terra adentro e vila adentro. Temos ainda alguns empréstimos para compensar o equilíbrio porque o importante é o conjunto », concluiu Nuno Gusmão.

Em breve, serão também instaladas peças tácteis para os visitantes cegos terem uma experiência sensorial, que contou com a consultadora da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal.

Todo o projeto contou ainda com o apoio institucional da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Universidade do Algarve, do Laboratório José de Figueiredo, entre outras entidades. Como disse o próprio José Formosinho, «o museu é de todos nós. E podemos assegurar que é uma honra para a nossa terra possuí-lo».

Retábulo da Igreja de Santo António faz parte do itinerário de visita

No mesmo edifício onde se instalou há quase um século atrás, o Museu de Lagos Dr. José Formosinho reabre com melhoramentos no imóvel e com uma exposição de longa duração onde se exibe um importante conjunto de peças correspondentes ao período posterior a 1460 (ano da morte do Infante D. Henrique) e que vai até ao fim da Guerra Peninsular, conflito bélico em cujos cenários de operações se destacou o Regimento de Infantaria nº 2, de Lagos, e cuja Irmandade religiosa pertenceu à Igreja de Santo António, Monumento Nacional barroco que integra o percurso do Museu e que beneficiou agora de uma nova iluminação que valoriza a talha dourada, as pinturas em tela, o teto pintado em perspetiva e a imagem do Santo Patrono da Irmandade.

Um futuro núcleo rural em Odiáxere

Segundo revelou aos jornalistas Elena Morán, coordenadora geral do Museu de Lagos – Dr José Formosinho, está em fase de projeto um núcleo para Odiáxere, a elaborar em frente ao Moinho, para conservar uma coleção de alfaias e utensílios agrícolas de um particular. «Sim, tem a ver com uma doação ao município de Lagos, de todo um acervo que é o ponto de partida para a criação de um novo espaço onde podemos falar sobre a história do ponto de vista da agricultura » e da sua relação com o território.

Financiamento do Algarve CRESC 2020

A reabilitação do Museu de Lagos Dr. José Formosinho foi efetuada no âmbito do Programa Operacional CRESC Algarve 2020, representando um investimento total de 7,3 milhões de euros, financiados em 2,6 milhões de euros pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Estes valores consideram as empreitadas, os projetos museográficos e de comunicação, a produção dos conteúdos expositivos e o restauro de peças, abarcando as duas componentes de intervenção. Isto é, a remodelação do núcleo primitivo do museu e a sua ampliação, através da criação do núcleo de arqueologia, cuja obra já foi adjudicada, no edifício fronteiro onde funcionou a antiga esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP).

Condições de acesso Museu de Lagos

Bilhete tarifa normal

  • Dr. José Formosinho – 3 euros
  • Rota da Escravatura – 3 euros
  • Forte Ponta da Bandeira – 2 euros

Tarifa reduzida para grupos turísticos, jovens entre os 12 e os 18 anos, cidadãos com idade igual ou superior a 65 anos ou portadores de Cartão Jovem:

  • Dr. José Formosinho – 1,50 euros
  • Rota da Escravatura – 1,50 euros
  • Forte Ponta da Bandeira – 1 euro

Entrada Gratuita para grupos escolares; trabalhadores da Câmara Municipal de Lagos, quando devidamente identificados; tesidentes em Lagos, quando devidamente identificados; menores de 12 anos.

Nos dias 18 de abril (Dia Internacional dos Monumentos e Sítios); 18 de maio (Dia Internacional dos Museus); 23 de agosto (Aniversário da criação do Museu); 27 de setembro (Dia Mundial do Turismo); 27 de outubro (Dia da Cidade); Jornadas Europeias do Património (data móvel).

Bilhete conjunto (visita a mais do que um núcleo museológico)

  • Dr. José Formosinho + Rota da Escravatura –  5 euros
  • Dr. José Formosinho + Forte Ponta da Bandeira – 4 euros
  • Rota da Escravatura + Forte Ponta da Bandeira – 4 euros
  • Rota da Escravatura + Forte Ponta da Bandeira – 4  euros
  • Dr. José Formosinho + Rota da Escravatura + Forte Ponta da Bandeira – 6 euros

Horário

Terça a Domingo – 10 às 13 horas e das 14 às 18 horas
Última admissão: meia-hora antes do encerramento do Museu.
Encerra todas as segundas-feiras e a 1 de janeiro, domingo de Páscoa, 25 de abril, 1 de maio, 1 de dezembro, 24 e 25 de dezembro.

Condições de acesso COVID

É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras para o acesso ou permanência no interior dos núcleos museológicos (De acordo com o art. 2.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13/3).
O Museu de Lagos possui o selo «Clean & Safe». Este certifica a implementação de procedimentos seguros para o funcionamento das atividades e da higienização necessária para evitar riscos de contágio.