Protocolo FALANGES vai permitir reproduzir peixes ameaçados no Algarve

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Em breve, as espécies Boga-do-sudoeste (Iberochondrostoma almacai) e Escalo-do-Arade (Squalius aradensis) já não terão de fazer a longa viagem de Lisboa até ao Algarve para serem libertados nas ribeiras da bacia do Arade.

Isto porque a Águas do Algarve quer reunir as condições necessárias para reproduzir em cativeiro estas espécies ameaçadas, na região. A ideia estava prevista nas medidas de mitigação ambiental devidas pela construção da barragem de Odelouca.

No entanto, e ao contrário do Centro de Reprodução do Lince Ibérico, a funcionar no concelho de Silves, este projeto acabou por ficar na gaveta até hoje. Agora, a empresa quer mesmo que o projeto avance.

O anúncio foi feito pelo presidente da Águas do Algarve Joaquim Peres, na quinta–feira, 27 de abril, à margem da libertação de mais de 600 peixes considerados criticamente ameaçados de extinção, num troço da ribeira de Odelouca.

«Estamos a finalizar um novo protocolo com o Zoomarine», que será convidado a acolher o projeto nas suas instalações e a participar com o apoio científico. O documento envolverá também outras entidades regionais e nacionais, aproveitando também o know-how da Quercus, que gere o Posto Aquícola de Campelo (um antigo viveiro de trutas), estrutura disponibilizada pelo município de Figueiró dos Vinhos. O sucesso do protocolo «será para nós uma grande alegria», considerou Joaquim Peres.

Fátima Gil, Nuno Sequeira, Rui André e Joaquim Peres.

O documento deverá ser assinado na segunda-feira, 15 de maio, na presença do Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Manuel Martins.

O processo de libertação

Na quinta-feira, 27 de abril, os peixes vieram rumo a sul num camião da Marinha, em tanques com sistemas de filtragem e oxigenação. «Pensamos que o balanço é muito positivo. Tivemos uma mortalidade muito reduzida no caminho», contabilizou Nuno Sequeira, vogal da direção nacional da Quercus e responsável pelo projeto «conservação ex situ de organismos fluviais», dinamizado por aquela associação com o Aquário Vasco da Gama, MARE-ISPA e Faculdade de Medicina Veterinária, em parceria com a Águas do Algarve.

«Já sabemos há mais de 10 anos que estas espécies estão em risco de extinção e daí que tenhamos colocado em marcha este projeto, em 2008. Efetivamente temos tido bons resultados e conseguido repovoar várias linhas de água ao longo do Algarve e da zona oeste. É preciso termos noção que as grandes ameaças que pesam sobre estas espécies têm causas humanas: focos de poluição, alteração dos habitats e a introdução de espécies exóticas que são mais agressivas e territoriais. Quando se adaptam, reproduzem-se e predam as nossas espécies autóctones», explicou.

O procedimento até parece simples. Os peixes, alguns com três anos de idade, são «pescados» dos tanques com redes (camaroeiros), em pequenos conjuntos, colocados em baldes, e libertados com suavidade entre as pedras cobertas de musgo da ribeira, entre os concelhos de Silves e Monchique.

Chegar a este ponto «deu muito trabalho. Temos de fazer tudo no mesmo dia, apanhá-los, fazer o censo e as marcações, acomodá-los para o transporte. Estes peixes não estão domesticados, temo-los em tanques separados, de forma a manterem o comportamento natural» durante o cativeiro, explicou Fátima Gil, chefe do departamento de aquarilogia do Aquário Vasco da Gama.

«Fizemos uma série de ensaios e determinamos uma técnica que permite a reprodução com eficiência destas espécies de água doce, sem valor comercial, que mantêm uma distribuição muito pequena no nosso país. Vivem em poucos rios e estavam esquecidas (algumas são até mesmo desconhecidas) da população portuguesa. Isto mantendo sempre as características próximas do meio natural», disse ainda.

Durante o processo, foram também recolhidos novos reprodutores selvagens que apanharam a boleia de regresso a Lisboa. «Por sistema, reproduzimos três gerações para evitar que se perca a diversidade genética», justificou Fátima Gil que espera repetir a iniciativa daqui a um ano.

Em relação ao futuro, a bióloga vê com bons olhos o protocolo idealizado pela Águas do Algarve. «Com certeza! A conservação que se faz no local é sempre a melhor. E, no final de contas, seria uma forma de sensibilizar ainda mais as pessoas», justificou.

Espécies com 8 milhões de anos

A Boga-do-sudoeste (Iberochondrostoma almacai) e o Escalo-do-Arade (Squalius aradensis) são «espécies nativas do nosso património natural. Estão no Arade há 8 milhões de anos, bem antes da presença humana. Estão ameaçadas por uma série de fatores negativos, como a degradação dos habitats e a introdução de espécies exóticas, que acabam por ser muito lesivas para as que aqui existem desde sempre», referiu Carla Santos, do CB-ISPA.

Data respeita o ciclo de reprodução

A data de 27 de abril foi escolhida de acordo «com todo o ciclo de reprodução. Trouxemos peixes fêmeas à beira de desova para que pudessem ter a futura geração já na natureza», explicou ao «barlavento» a bióloga do Aquário Vasco da Gama Fátima Gil. «Este local da ribeira tem muita vegetação e a qualidade da água é razoável. A partir daqui, os peixes podem repovoar o resto da bacia. O grande problema que tem limitado o crescimento das populações é que têm ocorrido muitas secas severas e com mais frequência do que era normal», embora a cientista esteja otimista. «Agora são apenas centenas que, em poucas semanas, poderão ser milhares».

Ação das autoridades é fundamental

A libertação dos peixes em perigo de extinção aconteceu sob o olhar curioso de vários agentes do SPENA da GNR. Estiveram também presentes representantes de várias entidades oficiais. Um facto
enaltecido por Nuno Sequeira,vogal da direção nacional da Quercus e responsável pelo projeto «conservação ex situ de organismos fluviais». «É para nós e para os nossos parceiros, muito importante saber há interesse. É essencial do ponto de vista da conservação, que cada uma destas entidades faça o seu trabalho, no fundo, para que possam proteger e ajudar a conservar este património da nossa ecofauna». «Tem sido gratificante ver que a nível da sociedade, há uma maior sensibilidade para a questão dos peixes de Portugal. As pessoas percebem que estão em perigo e que temos de fazer alguma coisa para os conservar».