Primeiro viveiro offshore de ameijôas do mundo instalado em Alvor

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Oceano Fresco, concluiu a instalação do primeiro viveiro de amêijoas a mar aberto do mundo. Investimento na infraestrutura do Alvor ronda os 3,1 milhões de euros. Empresa da Nazaré quer ser líder mundial pela sustentabilidade do recurso.

O viveiro esta situado a cinco quilómetros da costa de Alvor, ocupa uma área de 100 hectares e tem por objetivo produzir 600 toneladas de amêijoa ao ano.

Em relação ao modelo de negócio, Bernardo Carvalho, CEO e fundador da empresa com sede na Nazaré, explica ao barlavento que «vamos vender o produto final em fresco ao consumidor. Poderemos também vender a granel para ser embalado por marcas de terceiros, embora esta opção, só a faremos para ganhar volume, pois não é estratégica para nós. Vamos também vender os juvenis para outros aquacultores» desta fileira.

Bernardo Carvalho, CEO e fundador da Oceano Fresco.

Apesar de só agora iniciar a produção, a Oceano Fresco esperou cinco anos pelo licenciamento do viveiro em Alvor, demorou cerca de três anos a desenvolver o conhecimento científico sobre as duas espécies a explorar, e criou toda uma infraestrutura de raiz, num investimento que já ascende aos 6 milhões de euros.

Primeiro foi preciso construir um centro biomarinho de última geração na Nazaré, para estudar «métodos de seleção, melhoria de produção e de sustentabilidade de espécies nativas europeias de bivalves de alta nutrição e valor, que estão atualmente em desaparecimento por competição de espécies asiáticas de amêijoas, muitas vezes de baixa qualidade».

Em relação a este processo, «havia alguns estudos feitos em centros de investigação, sobretudo em Espanha, que nos permitiram fechar o ciclo reprodutivo da amêijoa-macha (Venerupis pullastra) em maternidade. Havia também alguns estudos sobre a amêijoa-boa (Ruditapes decussatus), embora neste caso, o ciclo ainda não foi totalmente fechado. Esse conhecimento científico foi gerado por nós».

O centro biomarinho na Nazaré vai produzir as sementes de amêijoas para serem cultivadas ao largo de Alvor, o que permitirá à empresa ter o controlo total da produção.

No viveiro será completado o ciclo de cultivo biológico: após a desova, e na fase de incubação, as amêijoas precisam crescer até ao tamanho adulto, altura em que podem ser apanhadas e comercializadas.

O tempo necessário para crescerem até ao calibre ideal para comercialização ainda é uma incógnita.

«Não sabemos. Irá depender de estudos noutras regiões, por exemplo, na Galiza. Mas em analogia, estimamos que o ciclo completo no Algarve possa demorar entre um ano e meio a dois anos, dependendo da espécie», revela.

E porquê a escolha de Alvor? «A zona do Barlavento algarvio tem muita comida para as amêijoas, que são microalgas (fitoplâncton), que é a condição número um para a engorda. E há outra razão. A temperatura da água nessa zona é a adequada. A amêijoa-macha gosta de temperaturas mais baixas. No outro lado do Algarve isto poderia ser um fator problemático e poderíamos ter mortes», compara.

As primeiras amêijoas, se tudo correr bem, virão para o Algarve em dezembro.

«Começamos as primeiras desovas na maternidade há um mês e só no final deste ano poderão ser colocadas no mar, porque para já são apenas larvas», explica o CEO.

Nessa altura farão a viagem rumo a sul «numa carrinha normal», pois «ao contrário dos peixes, as amêijoas vivem bem em seco. Virão com algum gelo, em hibernação. No mar estarão sempre submersas, passarão o dia a comer e em princípio serão bem gordinhas», em comparação às que são criadas em viveiros tradicionais, ao sabor do sobe e desce das marés.

Outro aspeto inovador tem a ver com a estrutura de criação.

«Montámos uma série de cabos, dispostos horizontalmente no mar, suspensos em boias e apoiados em blocos de betão no fundo do mar. Nesses cabos paralelos são penduradas lanternas onde estarão as amêijoas», descreve.

Questionado sobre o impacte ambiental, social e até turístico, Bernardo Carvalho está otimista.

«Em termos de compatibilidade com a atividade turística, a infraestrutura está a cinco quilómetros da costa. Não é visível. Para os pescadores, até é positivo porque o viveiro em si cria todo um ecossistema à sua volta».

Apesar da estimativa de produção rondar as 600 toneladas ao ano, é apenas «uma gota num lago pequeno» e não terá um impacto significativo no preço desta iguaria, pelo menos, ao nível do consumidor final.

«Só em Portugal, oficialmente, a produção ronda as 4000 toneladas, mas acredita-se que a quantidade não oficial poderá ser até cinco vezes maior. Em Espanha produz-se todo o tipo de amêijoas. Nos primeiros anos, não teremos impacto no mercado mundial. Iremos vender ao preço que está estipulado. Não vamos vender mais caro nem mais barato, o que seria mau para todos os produtores. Vamos tentar respeitar o mercado», diz.

Ainda assim, a meta é alcançar um volume de negócios de 9 milhões de euros em menos de três anos.

Para já, a empresa está a construir um novo barco de apoio, em Peniche. Atualmente está em operação uma embarcação comprada em França que trabalhava na produção de ostra.

Até agora, foram criados quatro postos de emprego permanentes, numa base operacional no Porto de Pesca de Lagos, e ao longo do tempo terá que aumentar os recursos para o centro de expedição.

«A nossa perspetiva é o oposto da normal, pois é a muito longo prazo e com uma base científica forte para criar valor acrescentado. Não estamos à procura de ganhos rápidos», garante.

Financiamento inovador aberto a qualquer interessado

O viveiro tem um investimento total de 3,1 milhões de euros, dos quais 1,5 milhões de euros foram assegurados pelo Programa MAR 2020 e 800 mil euros pelo capital próprio da empresa e o restante através da GoParity, uma plataforma de financiamento colaborativo (crowdlending) de projetos sustentáveis.

Além disso, em abril passado, anunciou o fecho de um reforço de 3,8 milhões de euros da BlueCrow Capital, a gestora dos fundos de capital de risco BlueCrow Innovation Funds, que investe em projetos industriais de I&D nacional a operar nas áreas da bioeconomia e em tecnologias de produção inovadoras. No total, aquela entidade já investiu 7,2 milhões de euros na empresa de Peniche.

Na primeira metade de 2020, a Oceano Fresco recorreu ainda à GoParity para o financiamento de 150 mil euros, valor que foi utilizado para encomendar estruturas de base como blocos de betão, correntes e boias.

Depois do investimento inicial, a Oceano Fresco volta agora a contar com a GoParity para angariar mais 75 mil euros euros, o montante necessário para a compra de equipamento para instalação e operação do viveiro.

A campanha está aberta à participação de todos os interessados, a partir dos 20 euros, e prevê um retorno na ordem dos 5,5 por cento para o investidor.

Ameijôa por mudar a dieta do mundo

A médio prazo, a aquacultura sustentável vai ter um papel no alívio da procura de recursos terrestres e no combate às alterações climáticas. Sabe-se que nos próximos 50 anos a procura por proteína vai duplicar.

O cultivo de amêijoas é uma das alternativas pois apresenta um menor impacto ambiental que pode aliviar a pressão sobre as terras agrícolas, não utiliza químicos nem rações artificiais e tem uma função filtrante, combatendo a poluição aquática enquanto captura CO2 na formação das conchas.

«Existe ainda preconceito, sobretudo no peixe, pois há a questão da alimentação, da ração, do stress provocado pelas jaulas, e dos antibióticos. Nos bivalves não existe porque não há qualquer diferença entre um bivalve selvagem e um cultivado. Esse problema não se coloca para o consumidor. Coloca-se sim ao nível das autoridades, perceberem o valor que tem para Portugal a aquacultura de bivalves, que gera mais riqueza, emprego e conhecimento científico», compara Bernardo Carvalho, fundador da Oceano Fresco.