Uma porta de 1793 que pertencia à entrada principal da Fortaleza de Sagres é a primeira peça do futuro Centro Expositivo e Instalação Museográfica do Promontório de Sagres.
A empreitada, a cargo da Direção Regional da Cultura do Algarve, que representa um investimento que ascende a quase um milhão e meio de euros, mereceu a visita da ministra da Cultura, Graça Fonseca, acompanhada por Ângela Ferreira, secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, ontem, sexta-feira, dia 26 de novembro.
A porta de madeira do portal neoclássico da Fortaleza de Sagres, peça imponente do século XVIII, segundo Adriana Nogueira, diretora regional de Cultura do Algarve, tem uma história curiosa.
«Por volta de 1959 o Estado fez obras na Fortaleza e esta porta foi retirada» e esteve guardada pelo empreiteiro que, anos mais tarde, a devolveu. Salvou um espólio que facilmente se poderia ter perdido para sempre.
A porta pesa duas toneladas de história, precisou de vigas reforçadas para a suportar e abre a museografia do novo equipamento que trará novos conteúdos ao monumento mais visitado do Algarve.
Rui Parreira, arqueólogo da Direção Regional de Cultura do Algarve, fez as honras da casa e explicou às governantes, o projeto que está a ser implementado.
Explicado de forma simples, é uma «viagem» ao longo de uma série de «salas» temáticas, que misturam multimédia com espólio histórico.
A primeiro sala terá uma «projeção vertical» de vídeo para explicar a evolução da Fortaleza de Sagres ao longo dos tempos, o promontório e as duas enseadas à volta. A ala em frente será dedicada a São Vicente, «que é o grande santo algarvio», representado por uma peça cedida pelo Museu Nacional de Arte Antiga, que ficará numa vitrine em destaque. Dois ecrãs LCD irão mostrar uma recolha de imagens de São Vicente, que estão espalhadas um pouco por todo o país.
Adriana Nogueira adverte que o edifício está sujeito à ação permanente e implacável dos elementos, como o vento, a salinidade e a humidade do mar. «Esta é uma zona muito difícil» para os equipamentos eletrónicos, a ligação à Internet, mas «caso a parte multimédia falhe, o visitante terá sempre algo interessante para ver na exposição», mesmo sem o suporte da tecnologia.
O plano era apresentar um modelo, impressão 3D, do Infante D. Henrique, mas a direção do Museu dos Jerónimos acabou por não autorizar a realização de fotografias e digitalização com recursos a drone «por ser muito perigoso».
Além de sala com sucessivos retratos «que pensamos ser do Infante», haverá também «um studioso de finais do século XV, inícios do século XVI, que é uma brincadeira que procura recriar o ambiente de trabalho, com os mapas de navegação contemporâneos» da época dos Descobrimentos, com a luz do sol e o azul do oceano a entrar pela janela do edifício.
«É uma reprodução ficcional sobre uma sala de reflexão», inspirada no mito da escola de navegação de Sagres. «Sabemos que é uma lenda, mas está bem viva na imaginação das pessoas. A verdade é que isto aconteceu. Alguém imaginou avançar por estes mares fora», acrescentou Adriana Nogueira.
Rui Parreira corroborou. «É assa a imagem que queremos passar. Um Infante D. Henrique recolhido, no seu escritório, rodeado de cartografia da época, e do mundo que deu a conhecer através das suas iniciativas de viagens de exploração atlântica. Vamos ter o mapa catalão, o planisfério, o grande mapa mundi de Frau Mauro, a primeira imagem do mundo. ainda de tradição medieval mas já com as novas descobertas do lado de lá do Atlântico. Portanto, será um espaço de recriação daquilo que as pessoas costumam reconhecer como escola de Sagres», embora na verdade história, «seja mais escola de Lagos».
O que promete vir a ser espetacular é «uma reconstituição de um porão de uma nau à escala natural, com tudo o que traziam». Haverá a réplica de uma caravela, cujo pano de fundo será um cenário sensorial com luz de relâmpagos e ventos, para replicar um ambiente de tempestade, quiçá, o dobrar do Cabo das Tormentas.
«Quando o mundo se abre, tínhamos aqui duas hipóteses. Ou colocávamos o tráfico de pessoas escravizadas, que era a ideia inicial do projeto, e que é um tema muito caro ao Algarve. Lagos tem o núcleo da rota da escravatura, o chamado Mercado de Escravos. a presença de pessoas escravizadas em Portugal é muito significativa, todo o tráfico que foi feito através do Atlântico, para os engenhos do açúcar, primeiro da Madeira, depois do Brasil marcaram, de facto, a história mundial».
Falando diretamente para Graça Fonseca, Rui Parreira recordou «que depois houve, enfim, uma sugestão que falar de tráfico negreiro não, era melhor a evocação da evangelização», hipótese alternativa colocada por um antecessor da ministra.

«Acho que não vamos falar de escravatura, vamos falar de evangelização. Então, mudámos o projeto. Mas como ele já não está cá, retomámos a ideia original», disse. Esta secção irá exibir uma coleira de escravos da época, emprestada pelo Museu Nacional de Arqueologia.
O narrativa expositiva culmina num grande final, na última sala onde será instalada uma enorme esfera que remete para a globalização do mundo e a história dos navegadores portugueses. Está a ser montada por uma empresa da Azambuja.
Por fim, haverá um canto dedicado à voz e presença de Portugal no mundo. Vários ecrãs vão mostrar diferentes pessoas, em diferentes geografias, a falar português com vários sotaques.
Os visitantes terão ao dispor audioguias individuais, em vários idiomas, para disfrutar e compreender tudo de forma confortável.
Segundo, diretora regional de Cultura do Algarve, o primeiro andar do edifício, será para acolher exposições temporárias e diferenciadas, a apresentar numa agenda regular. A primeira será uma mostra de arte contemporânea.
Adriana Nogueira espera que tudo esteja pronto no final do primeiro trimestre de 2022 e a funcionar em pleno já no próximo verão.
Ouvida pelos jornalistas, Graça Fonseca disse que «fizemos questão de ver estas obras para assinalar que este investimento é importante, para termos aqui outros elementos que contem um pouco da nossa história aos visitantes e também o que Sagres representa do ponto de vista da nossa identidade e da história europeia», disse.
A governante revelou que, numa terceira fase, está previsto um investimento na ordem dos 600 mil euros na envolvente da Fortaleza de Sagres, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Haverá ainda verba para intervenções nas Ruinas Romanas de Milreu em Estoi, e um conjunto de verbas para a digitalização de bibliotecas e equipamentos culturais.
Questionada sobre o projeto que veio conhecer, Graça Fonseca manifestou-se tocada pela história da porta.
«É um exemplo. O empreiteiro, que não sei quem foi, a dada altura achou que seria relevante guardar este objeto numa altura em que, provavelmente, não saberia muito bem o que estaria a guardar. E aqui estamos hoje, perante uma porta do século XVIII, parte original deste monumento. Acima de tudo, isto passa a mensagem que cuidar do nosso património é uma responsabilidade e uma tarefa de todos. Esta porta conta isso, pois alguém um dia entendeu que era importante guardá-la» para as gerações futuras», sublinhou a ministra.
No final, foi descerrada uma placa comemorativa. A visita contou com a presença da presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo, Rute Silva, do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve José Apolinário, de Luciano Rafael, diretor da Fortaleza de Sagres, e de outros representantes de diversas entidades nacionais, regionais e locais.