O recém-criado Movimento Cívico Tavira Sempre contesta a construção de uma nova ponte sobre o Rio Gilão e até criou uma petição online. Catarina Corvo, membro daquele coletivo, explica ao «barlavento» o que está em causa.
«Temos a circular uma carta aberta porque não queremos que a autarquia nos responda a nós. Queremos que responda à população. O que o Movimento Tavira Sempre espera é que não se refugiem no discurso habitual de que em sede própria não houve contestação, de que não houve reuniões individuais a demonstrar o desacordo porque acho que está mais do que à vista que há muitas pessoas que não concorda com esta decisão», afirma.
Catarina Corvo não questiona «o concurso em si, mas a primeira imposição no caderno de encargos, que era uma ponte com 10 metros, em betão. Porquê? Em que é que se fundamentou essa decisão?».
«Achamos que temos de ter respeito pela história. Antigamente, se recuarmos ainda mais atrás, nem sequer existia ponte. Foi para uma necessidade, nas cheias de 1989 e depois ficou por tempo indeterminado. Eu sou a favor de uma ponte pedonal, em sítio a designar com o estudo de mobilidade. Sou tavirense, adoro fazer o percurso também no Gilão. Não somos contra uma ponte, somos é contra este projeto», explica.
E justifica: «o enquadramento na paisagem é péssimo. Temos falado com muitos arquitetos e todos dizem que os estudos de arquitetura para integração na paisagem são muito fracos, ou inexistentes. Tavira usa sempre o chavão da cultura, do património, e numa obra no coração da cidade, pensa-se que vão consultar bons arquitetos. Esse é o primeiro problema, a integração na paisagem. Depois é a dimensão. Trata-se de um mono, em que nas fotografias aéreas tem quase a largura da Ponte Romana e será feita em betão. O impacto visual é brutal, num sítio que é um património de valor incalculável e achamos que é absolutamente desproporcional. Essa é a palavra: uma obra desproporcional para o local em que se insere».
A infraestrutura, a ser edificada, «vai agredir imenso as paredes do leito do rio, que estão ali há anos. Existem fotografias do século XIX, aquando da visita da Rainha Amélia em que aquelas paredes já eram tal e qual como ainda hoje são».

E há ainda outro motivo apontado pela porta-voz do Movimento Cívico Tavira Sempre. «Trata-se da parte ambiental. Trazer mais carros ao centro vai alterar o ambiente que já é adquirido na cidade de Tavira como slow city».
A Câmara Municipal integrou Tavira na lista de slow cities, uma tendência que promove «a tranquilidade, as zonas pedonais, a fruição dos espaços públicos para as pessoas e as famílias».
Agora, «Tavira está a fazer o contrário ao abrir uma zona em que as pessoas já não estão habituadas a que passem carros, já não veem sequer necessidade que ali haja trânsito», sublinha Catarina Corvo.
«Depois a autarquia refugia-se no argumento de que é algo que os comerciantes querem. Não será a maioria. Além disso, a população de Tavira não se pode cingir à vontade de meia dúzia de comerciantes de uma rua, porque querem uma ponte de trânsito automóvel».
O movimento também não compreende a ideia de «cortar um jardim onde as pessoas já estão habituadas a que seja pedonal» e que traz «insegurança».
Por fim, a tavirense diz que «a obra não foi alvo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). Penso que foram feitos estudos geológicos porque não está em zona de proteção de património, penso eu. É opcional, podia ter sido feito e é aconselhável que vá pela lei, mas a Câmara decidiu que não valia a pena».

«Somos cidadãos comuns e somos sinceros. Admitimos, muito arrependidos, não termos reclamado em sede própria, com os formalismos e os prazos adequados. O cidadão comum não está habituado a ter de ir ao edital, à Assembleia Municipal. Em Tavira, estávamos habituados a que as coisas fossem faladas porque é uma cidade pequena. Não aconteceu nesta situação. Não sabíamos quando é que a obra ia começar e de repente vimos as máquinas».
«Não sabemos se a obra vai ser travada, mas pelo menos, precisamos de esclarecimentos e temos esse direito. As respostas devem ser dadas quando a população faz as perguntas. É isso que estamos a fazer.
E há outra coisa que acho muito importante referir. A Câmara e o executivo alegam sempre que somos um grupo anónimo e que não respondem a anonimatos. A nossa carta aberta tem duas assinaturas e o nosso contacto. Quando a fomos entregar em mão, não estava presente a presidente da Câmara» Municipal de Tavira.
Até ao momento, a petição «Nem mais uma ponte em Tavira sem critério ou ponderação» já tem mais de 600 assinaturas.
O «barlavento» contactou por várias vezes o gabinete da autarca Ana Paula Martins, sem sucesso.
Autarquia esclarece, mas pouco
Na sequência da contestação ao projeto da nova ponte, a Câmara Municipal de Tavira publicou uma nota de esclarecimento, ontem, sexta-feira, dia 15 de novembro.
«Dado o interesse em torno da construção da nova ponte sobre o Rio Gilão, vimos pelo presente informar quais as diligências tomadas pelo município de Tavira, ao longo dos últimos anos, para a concretização desta empreitada, assim como relembrar a divulgação efetuada acerca desta intervenção», lê-se.
Após mais de duas décadas, «a designada ponte provisória ou militar tornou-se uma necessidade para a cidade. Consciente dessa importância, a autarquia abriu procedimento para a elaboração do projeto de execução e foram convidadas a apresentar proposta sete entidades, tendo vindo a ser adjudicado, à empresa A2P Consult – Estudos e Projetos, Lda., pelo valor de 31970,01 euros (mais IVA), a elaboração do projeto de execução».
«Este projeto foi, durante o seu desenvolvimento, objeto de apreciação e parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, da Docapesca e do Ministério da Defesa – Capitania do Porto de Tavira, tendo obtido pareceres favoráveis».
«O avanço desse projeto foi noticiado, no site, nas redes sociais e na comunicação social, em março de 2016, assim como nas edições de janeiro de 2016 e 2017 da revista municipal. Nesta última publicação, a edilidade deixou clara qual a solução pensada e informou tratar-se de uma estrutura de betão, assente em dois pilares, face à distância entre as margens. Frisou, ainda, a vontade de manter aberto o trânsito automóvel, tornando-se urgente a sua substituição por uma estrutura definitiva que garanta as condições de segurança dos utentes», justifica a Câmara Municipal de Tavira.
«O processo de construção de uma ponte com estas caraterísticas e a necessidade de circulação de automóveis ligeiros, num único sentido, foi comunicado, desde a primeira hora, podendo não obstante, como já acontece, a circulação ser restringida por alguns períodos de tempo, atendendo à realização de iniciativas que o justifiquem».
Desde 2016 até ao presente, «foi referida e divulgada, nos stands das festas e feiras de verão nas diferentes freguesias do concelho, a intenção do município de trabalhar para levar por diante esta obra. Também os programas eleitorais do atual executivo integraram a decisão de substituição da ponte, tendo-se iniciado, em 2014, a tramitação necessária à sua edificação».
Em janeiro de 2018, «o executivo promoveu uma sessão de apresentação do projeto, com a presença do responsável pela sua elaboração, engenheiro Júlio Appleton, destinada aos autarcas do concelho (membros da Assembleia Municipal, nos quais se incluem os presidentes de Junta de Freguesia), na qual foi explicada detalhadamente a preocupação com a estética, a funcionalidade e o enquadramento com a envolvente».
Já em março deste ano, «foi publicada, na nossa página oficial de facebook, a celebração do contrato com a empresa Tecnovia – Sociedade de Empreitadas, S.A., pelo valor de 1472334,10 euros (mais IVA) e um prazo de execução de 500 dias, o qual viria a ser visado pelo Tribunal de Contas, em 5 de agosto» de 2019.
«O desenho da nova ponte corresponde a uma reinterpretação contemporânea das construções formais existentes no local. A infraestrutura que começa, agora, a nascer caracteriza-se pela simplicidade, leveza e qualidade de acabamentos».
A autarquia diz que «agiu com toda a transparência, e esta intervenção, em conjugação com outras obras realizadas recentemente e a futura requalificação das margens, cujos projetos se encontram ainda em execução e visam privilegiar a circulação pedonal, as bicicletas e outros modos suaves, irão beneficiar e valorizar a zona nobre da cidade».
Movimento não aceita o esclarecimento
No seguimento da publicação do esclarecimento municipal, o Movimento Cívico Tavira Sempre diz que «além de não responder às nossas questões, a nenhuma das questões que colocámos na carta aberta, a única coisa que faz é mostrar que quando o projeto foi apresentado quer às empresas, quer depois na sessão fechada a autarcas, quer nas publicações nos variados canais, já era um projeto fechado e dado como definitivo».

No fundo, «a Câmara confirma que o projeto já foi apresentado como definitivo e continua sem responder às nossas questões. Estamos a estudar todas as hipóteses. Não vamos desistir. Acreditamos que esta obra possa ser suspensa, que este projeto possa vir a ser reformulado e que algo melhor possa surgir», diz o coletivo que promete agir a curto prazo.