Nova associação vem revolucionar o skate no Algarve

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Primeira escola de skate da região, bolsas de estudo, reintegração social de minorias e requalificação de espaços são alguns dos objetivos que a Wallride Skate, primeira associação de praticantes da modalidade no Algarve, pretende alcançar nos próximos meses.

Todos os dias são cerca de 50 as pessoas que se deslocam ao skate park de Faro, inaugurado em setembro de 2009, ao lado do Pavilhão Municipal da Penha, para praticar manobras. Entre os praticantes de skates, patins e bmx, o mais novo tem cinco anos e o mais velho cerca de 55. Dentro daquela infraestrutura pública não há idades, géneros, religiões ou capacidade financeira. O que há é apenas uma coisa: paixão pela tábua. Esse sentimento, comum a todos, fez surgir uma comunidade forte que se uniu para requalificar, com os seus próprios meios, aquela infraestrutura pública, que não era alvo de intervenções desde a sua abertura.

Esse foi o mote que impulsionou André Nogueira, 32 anos, Catarina Florido, 25 anos, e Viriato Villas-Boas, 31 anos, que entre os três somam mais de 45 anos de experiência no skate, a juntarem-se para criar o primeiro coletivo regional de praticantes da atividade no Algarve, a associação Wallride Skate.

«Ando de skate há cerca de 20 anos e o André há 25. Não há maneira de navegarmos neste mundo sem ser com uma tábua. Como tal, temos consciência que o skate nunca pode ser equiparado a um desporto qualquer estruturado porque tem uma componente cultural gigante. A vida de cada uma das pessoas que aqui se encontra é completamente diferente. Neste skate park encontram-se pessoas de extrema pobreza com outras que chegam de carros de marca Jaguar. Isto levou-nos a ver que o skate dá-nos uma oportunidade muito maior e uma vantagem muito superior, acima de outros desportos ou atividades organizadas, para ter um impacto social gigante», começa por dizer ao barlavento Viriato Villas-Boas, mestre em Política Comparativa.

O colega, André Nogueira, fotógrafo, acrescenta: «Ambos estudámos fora, mas regressámos à nossa terra [Faro]. Ao voltarmos a andar aqui de skate encontrámos vários problemas. O primeiro, um gap entre a nossa geração e a atual. Não os conhecíamos e eles não tinham referências do passado, nem sobre a história do skate em Faro, porque não ficou cá ninguém para lhes passar o testemunho. O segundo, um skate park degradado, abandonado, com micro-comunidades dispersas. Aos poucos fomos pensando no que poderíamos fazer».

E nasce assim, em novembro de 2020, a associação Wallride Skate, a primeira do género no Algarve, apresentada publicamente no dia 21 de junho deste ano, no Dia Mundial do Skate.

Educação e justiça social como principais alicerces

Apesar de recém fundada, a Wallride Skate conta com uma lista de dezenas de objetivos, onde a génese é só uma: «aproveitar a capacidade do skate em mudar vidas e ampliá-la quanto possível a fim de tocar os corações e as mentes de tantas pessoas quanto conseguirmos», resume Villas-Boas, o presidente da direção.

A educação é uma das áreas onde a associação pretende vir a intervir e o primeiro passo já foi dado com a inauguração da primeira escola de skate da região, a WallRide Skate School, em Faro, no dia 16 de agosto.

Wallride Skate em Faro
Foto: André Nogueira

«Não vamos só ensinar a fazer manobras, queremos muito mais do que isso. Vamos ter o prazer e a possibilidade de contactar com uma geração que se está a formar, se lhe dermos alicerces cívicos, educacionais e até profissionais acho que é uma mais-valia. A escola funciona para alunos a partir dos cinco anos e sem qualquer limite de idade. Inicialmente, somos três os instrutores principais, mas vamos ter mais elementos quando a escola começar a crescer», explica o fotógrafo e presidente da Mesa da Assembleia Geral da Wallride Skate.

Está também planeada a criação de bolsas de estudo para aqueles que dentro da comunidade do skate «desejam e mereçam ter mais estudos, tanto quanto alguns de nós, sem terem de se preocupar com as questões financeiras. Qualquer pessoa que se queira formar, que tenha caráter e seja um exemplo tanto no skate park como fora dele, merece ter a oportunidade», afirma Villas-Boas.

Para a associação, a justiça social é outras das áreas com que pretendem trabalhar. De acordo com Nogueira, «queremos trazer para o skate park todas as pessoas que se sintam deslocadas de alguma maneira. Queremos estar perto da comunidade, perceber quais os problemas, sejam psicológicos, financeiros ou sociais».

Na prática, o coletivo já se encontra a contactar diversas instituições regionais, como a Casa dos Rapazes, em Faro, para darem a conhecer o skate. Além disso, há também na calha planos de reinserção social para ex-presidiários. Isto porque «muitas vezes saem da prisão com uma mala e não têm para onde ir. Sentem-se perdidos. Através do skate vamos tentar que se integrem num grupo e sejam inspirados a seguir outros caminhos», refere Catarina Florido, a secretária-geral.

A ideia é «implementar espaços seguros para todos os grupos minoritários ou marginalizados», nas palavras do presidente da associação.

Requalificar equipamentos públicos

Outro dos focos da Wallride Skate é o de «limpar a cara do skate park», segundo Nogueira. Para tal, é o próprio que antevê que: «em breve o skate park de Faro será reparado pela associação com o apoio financeiro da Câmara Municipal de Faro. Possivelmente, faremos também a atualização de algum obstáculo. O espaço terá uma nova cara, dentro do possível, e será um passo enorme. Além disso ficará mais convidativo com bancos e sombras».

Mas não se vão ficar por aí. «Queremos deslocar o skate para outros pontos da cidade com a construção de novas rampas. Vamos criar pequenos obstáculos noutros pontos da cidade e em sítios abandonados de forma a criamos um percurso em Faro e a reabilitar esses mesmos espaços», refere o fotógrafo.

O presidente complementa: «isso vai incentivar a coesão social e territorial. Vamos atualizar os espaços e adaptá-los para se tornarem mais adequados e acolhedores para famílias, jovens, minorias étnicas ou de gênero, ou qualquer outro grupo marginalizado na sociedade».

Wallride Skate Faro
Foto: André Nogueira

A isto junta-se ainda a preocupação ambiental do grupo. «Vamos reciclar e reaproveitar materiais usados ou descartados e estamos a planear organizar corridas de limpeza para melhoria dos espaços públicos», diz Villas-Boas.

«Esta será a nossa realidade nos próximos tempos. Queremos estar em todas as frentes. É super ambicioso, mas estamos motivados. O facto de em tão pouco tempo já conseguirmos ver tantos frutos, já nos motiva imenso. Temos sentido uma diferença enorme tanto estruturalmente, como socialmente. Agora, todos se conhecem, dos cinco aos 55 anos, do rapaz à rapariga, e da mãe ao filho. Esse é um trabalho que está a ser desenvolvido e continuará a ser», assegura Nogueira.

O que é a cultura do skate?

Pedir a um skater para descrever a cultura pela qual se apaixonou parece não ter uma resposta simples. «É quase como caracterizar a cultura inteira de um país. Em Portugal podíamos falar no galo de Barcelos, no Cristiano Ronaldo ou no fado. Depende do que entendemos por cultura e o skate é muito complexo», responde o presidente da direção da Wallride Skate.

«Isto é um estilo de vida. São pessoas multifacetadas e pluricapazes. No skate park juntamos músicos, artistas e pessoas como eu formadas em Ciência Política. Sintetizando, estas pessoas todas juntas num qualquer outro contexto social não funcionariam, mas aqui respeitam-se, apoiam-se e unem-se sem sequer se conhecerem. Essa é a cultura do skate», tenta resumir.

O outro membro fundador da associação completa: «acaba por ser uma expressão. Consegue-se conhecer uma pessoa só pela maneira como anda de skate. Temos aqui desde o médico ao varredor de rua. Todos encontram um lugar no skate porque não há um padrão definido. O que interessa aqui é a alma do skater, a maneira como te relacionas com o outro, e para isso é irrelevante se tens muito dinheiro ou pouco. E apesar de ser uma cultura que não liga aos estratos sociais, tem uma sensibilidade muito apurada a causas sociais».

Skate
Foto: Taya

O presidente da associção dá mesmo um exemplo para justificar a afirmação. «Ontem, ofereci um par de sapatilhas antigo a um dos miúdos que precisava. Ele, por sua vez, ofereceu os que tinha a outro rapaz. O que tinha as piores sapatilhas, acabou por deixá-las aqui para alguém que precisasse poder usar. Ou seja, essa parte está intrínseca no skate. Há uma sensibilidade gigante porque todos caímos e todos sofremos. Todos vêm para o skate park para se aleijarem. Passamos mais tempo no chão do que a acertar manobras».

Quem quiser conhecer a associação, juntar-se aos skaters ou aprender a andar numa tábua, basta contactar o coletivo através das redes sociais (@wallride.pt).

As mulheres podem (e devem) andar de skate

Catarina Florido, secretária-geral da associação Wallride Skate, está encarregue de dinamizar, apoiar e divulgar a comunidade de skate feminino no Algarve, um grupo ao qual deu o nome de South Girl Skate.

«Trata-se de um movimento que visa incluir minorias de género e/ou mais raparigas que se sintam intimidadas de vir andar de skate por ser um ambiente maioritariamente masculino. Há sempre vergonha. Não se sentem tão integradas e como há poucas skaters no Algarve, ainda não há uma comunidade definida. Falta uni-las e motivá-las e é esse um dos objetivos deste grupo», começa por contar ao barlavento.

A primeira alteração que fizeram, de forma a mostrarem que em Faro o skate é inclusivo e seguro, foi a de pintarem a bandeira LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo), nas escadas do skate park da cidade.

«Queremos demonstrar que qualquer pessoa de qualquer idade, género, crença, religião, cor ou orientação sexual pode e deve vir. Desde que seja uma pessoa com valores e respeito pela cultura do skate, é bem-vindo», afirma André Nogueira, presidente da Mesa da Assembleia Geral do coletivo.

Skate, desporto ou arte?

Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, o skate foi incluído como modalidade na edição de 2020 [que se realizou em 2021]. Apesar de não quererem responder enquanto coletivo, os jovens que fundaram a associação Wallride Skate, ao barlavento, mostraram ter uma opinião vincada sobre o assunto.

«O skate tem muito pouco de desporto e não é monolítico. Culturalmente, as duas coisas estão completamente desenquadradas e não fazem sentido. Para mim, o skate não é um desporto, é uma atividade. Não considero skaters atletas, mas também não considero artistas, é difícil. No entanto, a título pessoal acho que as Olimpíadas trouxeram coisas materiais boas para o skate, mas que tipo de influências estamos a criar? Vão fomentar a futebolização do skate? É que isso nota-se nas atitudes que se observam nos skate parks. Fui júri num campeonato há pouco tempo e um em cada 10 miúdos estava a rir-se, os outros pareciam que a vida deles dependia daquilo», opina Viriato Villas-Boas, presidente da associação.

Skate
Foto: Bruno Xavier

André Nogueira, presidente da Mesa da Assembleia Geral corrobora: «uma pessoa que nunca viu skate e liga a televisão, o que é que vê? Atletas altamente treinados e equipados para aquilo, mas onde está a essência e aquilo que nos fez apaixonar? Não foi para se fazerem manobras perfeitas em corrimões. Eles veem uma migalha que é altamente alterada para encaixar no modelo dos Jogos Olímpicos e para passar na televisão».

Autarquias incentivaram associação

Segundo os fundadores da Wallride Skate, o primeiro coletivo do Algarve de praticantes de skate, tanto a Câmara Municipal de Faro como a União de Freguesias de Faro motivaram a que o corpo associativo se juntasse formalmente.

«A Câmara incentivou-nos muito e foi incrível, principalmente a Divisão de Desporto. Aliás, a génese da associação foi mesmo essa: havia uma necessidade e uma vontade municipal e acabámos por nos juntar», recorda Viriato Villas-Boas ao barlavento.

O próximo passo, que já a ser tratado pela União de Freguesias de Faro, é a sede do coletivo, que ficará junto ao skate park de Faro, ao lado do Pavilhão Municipal da Penha.

«Será colocado um contentor que dará lugar à sede e apoio à Wallride Skate School. Ainda não foi colocado, mas as coisas estão a avançar. Há um grande interesse por parte da Câmara Municipal e o contentor já existe e será cedido pela União de Freguesias de Faro. Muito em breve podemos contar com a sede», afirma André Nogueira.