Na Barragem da Bravura falta água e um plano para o futuro

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Neste final de verão, as reservas da albufeira estão quase esgotadas. A maior parte da água da Bravura foi para a rede de consumo público. Entidade gestora ambiciona uma reabilitação profunda de todo o sistema com vista à eficiência hídrica.

Inaugurada em 1958, a Barragem da Bravura, a única existente na Bacia Hidrográfica das Ribeiras do Algarve, foi pensada para alimentar o Perímetro de Rega do Alvor. Mas hoje a realidade é bastante diferente.

Segundo Hélder Henriques, presidente da direção da Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor (ARBA), a entidade responsável pela gestão e manutenção quer da barragem quer de toda a rede de infraestruturas de distribuição, a água da albufeira é vendida a quatro grandes clientes.

A Águas do Algarve consome cerca de 65 por cento das reservas, enquanto que os campos de golfe vizinhos – Penina, Palmares e Morgado do Reguengo – consomem um pouco mais do que 15 por cento. A agricultura consome valores um pouco abaixo desse número. O quarto cliente da ARBA é a EDP, já que quando a descarga é feita com um caudal significativo há ainda a oportunidade para ativar uma central hidroelétrica.

«Esta infraestrutura está extremamente envelhecida e precisa de ser reabilitada com vista à poupança da água. Mas sem um investimento de fundo por parte do Estado, que é o dono da barragem, é muito difícil alterar esta situação», diz ao barlavento Hélder Henriques.

Hélder Henriques, presidente da direção da Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor (ARBA).

A ARBA tem hoje 937 beneficiários e 503 regantes em parcelas de terreno bastante fracionadas. «São sobretudo minifúndios, pequenas propriedades», detalha.

Neste final de verão de 2020, as reservas na albufeira estão quase esgotadas. Há muitos anos que não se via uma situação como a atual e, na verdade, é necessário retroceder até 1995 para encontrar um cenário pior.

Os anos de 1982, 83 e 84 também foram muito difíceis, mas, por exemplo, a seca de 2005 não foi severa a ponto de levar a barragem ao estado em que hoje se encontra.

Olhando para os últimos anos, «os invernos 2018-19 e 2019-20 foram os menos chuvosos, com 454,3 milímetros (mm) e 466,9 mm, respetivamente. O ano de 2004- 05 ainda foi pior, porque só foram registados 343,3 mm de precipitação.

A campanha de rega de 2019 terminou a 31 de outubro com 10,5 milhões de metros cúbicos (m3 ) armazenados e a campanha de 2020 teve início em março com 11 milhões de m3 .

Ou seja, após cinco meses, com o inverno pelo meio, o volume praticamente manteve- -se inalterado.

Na campanha de rega de 2005, apesar de ter sido um ano seco, iniciamos com 21 milhões de m3 e terminamos com 12 milhões de m3 , o que, comparativamente a esta campanha de 2020, foi bastante favorável», resume o presidente da direção da ARBA.

Na opinião de Hélder Henriques, o principal responsável pelo escassez de água é a falta de chuva, já que os consumos não têm vindo a aumentar de forma significativa.

De facto, o decréscimo da precipitação é inegável. Basta analisar os valores da Estação Meteorológica (EM) de Portimão, pertença da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, já que as duas estações existentes na Bravura, da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), não têm dados atuais disponíveis.

Olhando para os valores da EM de Portimão, anos hidrológicos de 2006- 07 a 2019-20, é possível concluir que na primeira metade da série estudada os valores totais anuais de precipitação estavam quase sempre acima da média, enquanto que na segunda metade passaram a estar quase sempre abaixo da média.

Em relação aos volumes totais de água fornecida por época de rega, entre 2006 e 2019, segundo informações fornecidas pela ARBA, nos mais recentes anos verificou- -se uma redução generalizada, embora com uma tendência de recuperação e crescimento desde 2014.

E essa tendência, de sentido contrário ao da precipitação total anual, estará a contribuir para que a albufeira, no final de cada verão, tenha o seu nível um pouco mais abaixo do que tinha em data comparável do ano anterior.

Para os aumentos de consumo de água entre 2014 e 2019 terão contribuído os aumentos de áreas regadas com pomares que aumentaram de 143 para 192 hectares (ha); hortícolas (64 para 121 ha), vinha (37 para 78 ha); bem como o fornecimento de água para os golfes (207 para 275 ha).

No mesmo intervalo de tempo, a área total regada a partir da Barragem da Bravura passou de 572 para 773 ha. A área total do Perímetro de Rega do Alvor é, no entanto, muito maior, superior a 1700 ha, número que evidencia um acentuado subaproveitamento agrícola das infraestruturas construídas no tempo do Estado Novo.

As ambições do presidente da direção da ARBA são claras. «No futuro, entendemos que o objetivo inicial da construção da barragem deve manter-se, ou seja, estar direcionado para o sector agrícola. No entanto, deverá abranger outros sectores também importantes para o desenvolvimento da região e para manter a viabilidade económica» daquela estrutura.

Elaborado com base em dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), este gráfico ilustra a variação mensal da água armazenada na albufeira da Barragem da Bravura. O nível da água pode ser medido através da
sua cota no interior da albufeira. A cota máxima, que corresponde à albufeira totalmente cheia, é de 85 metros, enquanto que a cota mínima, que corresponde ao valor abaixo do qual não é possível a exploração de água, é de 61 metros.

«Não é possível sustentar uma associação como esta só com as receitas da rega», até porque o preço da água é diferente para cada grande cliente, sendo que a Águas do Algarve é a entidade que paga mais caro.

A captação para o consumo público é feita na ETA das Fontaínhas, já próximo de Portimão, no final de uma longa conduta a céu aberto, onde se verificam permanentes perdas de água por evaporação e as fugas sempre existentes neste tipo de infraestruturas antigas.

E se não chover? «Bem, caso se repitam os valores do ano hidrológico anterior, é claro que a situação será extremamente difícil. Teremos de entrar em novos planos de contingência com reduções drásticas nos fornecimentos, prevalecendo como prioritário o consumo humano», conclui.

Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve não prevê investimento de fundo na Bravura

Questionado sobre o futuro Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, Hélder Henriques diz que «não verificamos nada que promova uma alteração ao paradigma atual. Consideramos que as metas a alcançar no que toca à redução dos consumos são demasiado ambiciosas, sem que sejam tomadas medidas de fundo», sublinha.

«Há áreas sem aptidão agrícola que precisam de ser excluídas do perímetro e outras que já estão dentro da malha urbana de Odiáxere, o que não faz sentido. E também surgiram novas áreas que precisam de ser incluídas. Todo este problema condiciona até o desenvolvimento da freguesia», considera o dirigente. A ARBA emprega 26 pessoas, entre engenheiros técnicos, administrativos, e pessoal de campo e também adjudica grandes obras.

«Estamos agora a preparar um lote de projetos que ascende a 2,9 milhões de euros com vista a novas candidaturas a fundos europeus», revela, embora, «nada disto vai alterar a nossa realidade. O que nos interessava era modernizar toda a estrutura de tal forma que a água fosse distribuída sob pressão».

Em relação à seca, «no início do ano enviámos uma circular a todos os regantes, alertando para a escassez de água. Aconselhamos os agricultores a instalar reservatórios e sistemas de rega gota a gota, automáticos, até pela dificuldade que há em se contratar mão de obra para a agricultura». Por outro lado, «reduzimos o número de dias semanais de fornecimento água, de forma a concentrar caudais e diminuir as perdas».