Monchique tem a primeira sala Snoezelen aberta ao público no Algarve

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Projeto terapêutico inovador arranca este mês pela mão da Espiral de Vontades, Associação de Apoio a Desfavorecidos. Sala Snoezelen destina-se a toda a população algarvia.

Já está a funcionar a nova sala Snoezelen, no centro da vila de Monchique, um projeto dinamizado pela Espiral de Vontades, Associação de Apoio a Desfavorecidos, coletivo que tem vindo a desenvolver trabalho na área social quer naquele concelho serrano, quer no resto da região.

Segundo Luísa Martins, 45 anos, enfermeira e presidente da direção em regime de voluntariado, em 2020 a associação submeteu uma candidatura ao Prémio BPI «la Caixa» Rural, para a criação de um espaço de estimulação multissensorial direcionado à comunidade, o único no Algarve aberto ao público e à população mais vulnerável em meio rural.

«É uma sala na qual fazemos fisioterapia e psicomotricidade utilizando luzes, sons e cheiros. Todos os sentidos aqui são importantes para potenciar a terapia», descreve.

Surge para complementar a intervenção clínica e reabilitação que já realizava nas várias freguesias, com o apoio do município de Monchique.

«Uma das nossas técnicas fez uma formação nesta área e falou-me nas suas vantagens. A partir daí surgiu o projeto», que teve um orçamento superior a 20 mil euros. Ficou tudo pronto no início de julho, e agora, a equipa formada pelas psicomotricionistas Rute Maria e Beatriz Costa e a fisioterapeuta Madalena Gaio está pronta para dar consultas regulares.

«Acho que é uma boa aposta por várias razões. Além de termos uma população bastante envelhecida, também temos muitas crianças em Monchique com dificuldades de aprendizagem, ou com alguma alteração do desenvolvimento e que podem também usufruir desta sala, assim como a população dos concelhos vizinhos», diz.

«Pretendemos abrir também ao sábado para ajudar as pessoas que trabalham durante a semana para poderem cá vir. Estamos também a pensar em dinamizar efemérides como o Dia da Mãe, o Dia do Pai e o Dia dos Avós, porque esta sala não serve apenas para terapias médicas ou de saúde. Podemos usar esses dias especiais para as pessoas poderem relaxar junto dos seus filhos ou netos. Podemos também fazer estimulação sensorial a bebés sem fins terapêuticos, apenas de relaxamento», explica.

Os custos das sessões também seguem uma filosofia acessível. «Todos os preços são sociais. Vamos fazer também preços mensais para tornar mais baratas as sessões a quem precisar de várias. Não queremos que haja dificuldades», garante.

Para o futuro próximo, o objetivo é fazer parcerias com clínicas e levar o espaço quer aos confins da serra, quer às cidades.

Luísa Martins.

«Estamos a pensar numa candidatura que nos possibilite ter uma carrinha para podermos levar a sala de neuro-estimulação para os lugares mais recônditos. Ou até junto de outras associações ou entidades que não possam trazer as crianças a Monchique. Queremos que crianças com paralisia cerebral e alguns défices motores possam experimentar. Penso que seria uma mais-valia podermos ir ao encontro das pessoas que precisam. Tornar o espaço móvel e ambulante seria uma experiência muito boa».

Luísa Martins quer também que a associação tenha, em breve, o estatuto de utilidade pública. Trabalho discreto mas indispensável Desde a fundação, há cerca de 10 anos, a Espiral de Vontades tem feito «um trabalho social muito efetivo, mas que é muito difícil de divulgar numa terra pequena» porque tão importante como ajudar é proteger a dignidade e a privacidade de quem precisa.

«As pessoas têm que conhecer a associação, mas não temos de mostrar a pobreza, a realidade de cada um», diz a presidente Luísa Martins, enfermeira na unidade de Portimão do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA).

Apesar de ter nascido na Alemanha, veio para Monchique ainda em criança com os pais e assume-se monchiquense.

Como vê a realidade do concelho serrano hoje? «Temos uma população bastante envelhecida. Pouca gente se fixa em Monchique. Temos um pouco menos de 5000 habitantes e desde o incêndio nota-se também que as pessoas necessitaram e continuam a necessitar muito de ajuda, sobretudo de roupas e mobiliário. Neste momento, há muitas demências. É um problema que está a aumentar em Monchique. Os mais velhos, não sei se foi pelo incêndio, ou se foi por estes dois anos de quase isolamento devido à pandemia de COVID-19, nota-se muito que perderam faculdades psicológicas. Foi muito acentuado», descreve.

A Espiral de Vontades começa «porque na altura tínhamos uma menina com leucemia em Monchique. Juntou-se um grupo de 10 a 15 pessoas para ajudar na campanha de colheita de medula óssea e assim criámos a associação. Começámos a recolher tampinhas de plástico porque nessa altura era o caminho mais fácil para continuar a ajudar. Depois fomos desenvolvendo o projeto. Criou-se a Loja Social e com isso veio uma série de novos projetos que fomos abraçando e construindo. Ao longo destes 10 anos fomos evoluindo para tentar ajudar mais e melhor», recorda.

O que é Snoezelen?

A palavra resulta da junção de de Snuffelen (cheirar) com Doezelen (relaxar) em holandês. O conceito foi definido no final dos anos 1970 por dois terapeutas holandeses, Jan Hulsegge e Ad Verheul, quando trabalhavam no De Hartenberg Institute, um centro para pessoas com défices mentais. Os dois terapeutas perceberam que conseguiam suscitar nos seus doentes respostas positivas quando estes eram inseridos num ambiente sensorial que tinham preparado. Desde então, a curiosidade e reconhecimento de toda a comunidade científica, levou a que hoje as salas Snoezelen estejam presentes em hospitais, lares, instituições de apoio a pessoas com défices vários de desenvolvimento e demências, um pouco por todo o mundo. Uma sala Snoezelen está equipada com material para estimulação sensorial: luz, sons, cores, texturas e aromas, onde os objetos são coloridos e disponibilizados para serem tocados e admirados. Os sentidos primários são estimulados dando sensação de prazer. Embora tenha sido desenvolvida como atividade específica para a deficiência mental profunda, a terapia Snoezelen estende-se a um domínio muito mais amplo. Tem sido usada em patologias degenerativas do idoso como a Doença de Alzheimer; em pessoas com doença mental, e ainda naqueles com dor crónica; com comportamentos hiperativos; com danos cerebrais e outras situações semelhantes. Além disso, está a ser muito apreciado pela população como antídoto ao stress, em centros de reabilitação, de saúde, e terapia ocupacional. É também utilizado em estruturas escolares e de tratamento para crianças com deficiências e autismo.

Outros projetos

A Espiral de Vontades tem uma Loja Social em funcionamento desde 2017. Destina-se à camada mais carenciada do concelho de Monchique. Promove o espírito de partilha e solidariedade. Hoje apoia 50 beneficiários. Tem como atividades a recolha de vestuário, brinquedos, mobiliário, eletrodomésticos, e outros que posteriormente (re)distribui ou comercializa a preços sociais. Foi bastante importante no apoio à população durante e após o incêndio de 2018, sobretudo na organização do centro de apoio à população. Por outro lado, dinamiza o TampAjuda, em funcionamento desde 2012, é um projeto de recolha, seleção e encaminhamento de materiais recicláveis com vista à (re)utilização (tampas plásticas, caricas, metal e rolhas de cortiça). Estes materiais são trocados por equipamentos e materiais ortopédicos e para ajudar a pagar «consultas de fisioterapia, psicomotricidade, terapia da fala, e calçado ortopédico, tudo o que for necessário. Em média, entregamos duas a três cadeiras de rodas por ano e temos algumas crianças que são apoiadas o ano inteiro» um pouco por todo o Algarve, de Lagos a Faro.

Recorde do Guinness

Outro projeto em marcha é a Maior Manta Solidária do Mundo em crochê, com 18 mil metros quadrados e 112.225 rosetas que pretende colocar o nome de Monchique e Portugal no Livro de Recordes do Guinness. Tem uma forte vertente solidária, que além de combater o isolamento social, potencializa o envelhecimento ativo da população, promove a saúde através da dinamização da técnica ancestral do crochê, incentiva também à revitalização e transmissão de saberes de uma técnica em desuso. Até ao momento, têm participado de forma voluntária 185 pessoas de todo o país, na maioria idosas. Após o término e aprovação pelo Guiness Book, a manta será dividida e doada a famílias e pessoas vulneráveis sinalizadas pelas entidades de cariz social de várias regiões do país. Segundo Luísa Martins, «temos 1/3 da manta feita. A pandemia da COVID-19 começou em março e a partir daí, a distribuição das lãs e a recolha das mantas tem sido muito difícil. Fizemos um pedido à Guinness para prolongar o prazo. Ainda não recebemos resposta, mas penso que vá ser aceite».