Paulo Alves, o recém-eleito autarca socialista de Monchique, considera que restringir a construção e a reconstrução em áreas de elevada e muito elevada perigosidade de incêndio rural contribui para afastar as pessoas do interior.
Em entrevista ao barlavento, traça um ponto de situação do concelho cuja população é de 5.462 pessoas, segundo os últimos censos.
barlavento: Como encontrou a autarquia?
Paulo Alves: Em termos de organização, com muitas debilidades. Posso dizer que funcionava sem chefias intermédias, ou seja, sem os chamados chefes de divisão e com muitas lacunas em áreas-chave. Dou um exemplo concreto. Quando chegámos em outubro, os dois técnicos afetos ao Gabinete Técnico Florestal (GTF) tinham saído. Um em regime de mobilidade para a Associação Terras do Infante e outro requisitado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Encontrámos, portanto, um gabinete vazio. Para um concelho que tem 80 por cento de área rural, foi uma prioridade resolvermos essa questão.
Ficou surpreendido?
Sim, acho que podiam ter sido tomadas medidas para isso não ter acontecido. Mas encaro os problemas como desafios e devemos centrar a atenção nas soluções. Criámos um novo organograma e já temos uma Divisão de Desenvolvimento Rural, com uma chefia e um assistente técnico através de um protocolo que recuperámos com a Associação dos Produtores Florestais do Barlavento Algarvio (ASPAFLOBAL). Estamos em processo de recrutamento de um engenheiro florestal, de um engenheiro agrónomo e de um técnico de proteção civil. Outra coisa que fizemos foi separar a parte florestal da proteção civil, embora neste concelho ambas tenham uma ligação importante. O nosso objetivo é termos, no futuro, um Comandante Operacional Municipal (COM) e uma estrutura que complemente as restantes entidades de proteção civil.
Como está a correr o recrutamento?
Uma das carências grandes que temos é a falta de um engenheiro florestal. Posso dizer que o último concurso ficou deserto. É difícil captar, para estas zonas do interior, profissionais qualificados em determinados sectores. A atratividade do litoral também se reflete assim.
Havia uma série de projetos em marcha pelo seu antecessor, como o Centro Interpretativo da Foia. Em que fase estão?
O Centro Interpretativo da Foia existia apenas na ideia do anterior executivo. Não existe nada em concreto. Houve alguns projetos que o anterior executivo tinha vontade de fazer, mas que não passaram de ideias e outros que, embora em determinada altura se pudesse fazer crer que estavam num estágio avançado, não passavam da fase inicial. Recuperámos alguns desses projetos e fizemos um esforço tremendo de os manter. Um exemplo é o Centro de Meios Aéreos, que é um projeto que surge de uma candidatura transfronteiriça que esteve quase a cair. O nosso vice-presidente teve de se deslocar a Córdoba para falar com os parceiros espanhóis. Neste momento está adjudicado e em fase de envio para o Tribunal de Contas. Claro que o atual contexto também nos está a pesar. A obra estava inicialmente orçamentada em 1,3 milhões, mas tivemos que subir para 1,9 milhões para termos concorrentes. Aguardamos o visto para começar a empreitada, mas com o aumento do preço dos combustíveis, dos materiais e da energia, tudo isso pode vir a ser um constrangimento.
E que mais?
Outro projeto importante é o Condomínio de Aldeia [transformação da paisagem dos territórios de floresta vulneráveis] financiado pelo Fundo Ambiental. Já havia em Monchique uma experiência concluída no Montinho e havia um outro lançado para as Corchas e Portela da Serenada. Fizemos um esforço para manter este último, porque quando chegámos cá, o prazo de conclusão era 31 de dezembro, mas como deve imaginar, sem técnicos florestais para o agarrar, foi uma negociação difícil. Felizmente, o prazo foi alargado até ao final abril. Tivemos oportunidade de fazer um trabalho prioritário para estas zonas, porque permite a limpeza e reconversão de terrenos em volta de aglomerados. Neste caso, retirámos os eucaliptos desde a raiz à copa, matos e plantas invasoras como a acácia e replantámos espécies autóctones como o medronheiro, sobreiro e citrinos, de acordo com os proprietários. Aproveitámos também um aviso do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e avançámos com mais três candidaturas para Belém, Restolho da Aveia e Corgo do Vale (Marmelete). Não faremos mais candidaturas porque além de os fundos serem limitados, uma das condicionantes é que os aglomerados tenham um interface de, pelo menos, 60 por cento de área florestal. O que acontece em muitos locais é que também têm uma área agrícola à volta. Pode ser que se evolua nesse sentido, também, no futuro.
Que outras prioridades?
Sem dúvida a reabilitação da Escola EB Manuel Nascimento. Estamos a rever o projeto. Vamos candidatar-nos a fundos para implementar, não no topo da Foia, onde existe a maior exposição de artesanato do país, o Parque Ecobiológico. Repare, quando se dizia que o Pavilhão Multiusos iria albergar a Feira dos Enchidos do ano seguinte, era utópico. Não existia nada, nem sequer projeto. Agora, vamos lançar um concurso de ideias com esse objetivo. O espaço deixado livre pelo heliporto poderá servir para tirar os autocarros do centro da vila.
Está preocupado com a desertificação do seu território?
Entendo que, não existindo pessoas no território, o risco de incêndio florestal sobe. Os terrenos ficam ao abandono e não são cuidados. Penso que é preciso criar políticas para humanizar o interior. O que é certo é que as todas as políticas que agora existem afastam as pessoas do meio rural. Se olharmos para a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, esta alerta para uma enorme mancha de perigosidade alta e muito alta no concelho de Monchique. Significa que não se pode construir, não se pode ampliar uma casa, nem fazer praticamente nada em termos de edificações. Isto é extremamente castrador para qualquer estratégia de desenvolvimento regional que se queira implementar. Significa que uma pessoa de terceira geração não pode desenvolver um projeto de vida, por exemplo, na casa que foi dos avós, se esta estiver dentro da área de elevado ou muito elevado risco de incêndio. E é um contrassenso, porque cada vez mais há procura por estas zonas. Agora, com todos estes condicionalismos, as pessoas acabam por ir embora, ou então o que acontece é a ocupação selvagem do território. Isso é algo que os municípios não têm capacidade de fiscalizar.
A AMAL conhece o problema?
Sim. Isto afeta toda a parte serrana do Algarve com uma especial incidência em Monchique. A Comunidade Intermunicipal do Douro já demonstrou o seu desacordo às medidas restritivas à construção que constam agora na Carta de Perigosidade, ao abrigo do Decreto-Lei 82/2021, porque sentem, claramente, que isto mata qualquer estratégia de desenvolvimento local. Em breve vamos apresentar um estudo/memorando, em conjunto com um grupo de dois ou três municípios, para que a AMAL possa sensibilizar a tutela. Penso que poderá haver um conjunto de regras para estes territórios que possam resultar em legislação. Será preferível a termos um vazio. Mesmo com determinados condicionalismos, dessa forma poderíamos ter, de novo, as pessoas a cuidarem dos seus territórios, a cultivá-los, e não faltam interessados em fazer esse tipo de vida. Se houver uma boa cobertura digital, é possível trabalhar em qualquer sítio. Provavelmente, hoje em dia já não vão aproveitar os sobrantes florestais como aproveitavam há 50 anos, não vão ter animais como única fonte de rendimento, nem depender unicamente da agricultura para sobreviver, mas podem ter atividades complementares. E mais. Se compararmos esta carta com os censos, vemos que desde há 40 anos, Monchique é o concelho que mais população perdeu no Algarve. Ou seja, desde 1981, perdeu quase 50 por cento da população. Alguma coisa está errada. Se quisermos ter um Algarve realmente equilibrado e sustentável, teremos mesmo que olhar para o interior. Se não se criam medidas, como é que um autarca consegue dinamizar um concelho com esta fotografia, para quem quiser cá viver e investir?
Arqueologia, passadiços e uma ponte suspensa no Barranco do Demo
Na opinião do autarca monchiquense Paulo Alves, uma medida importante do anterior executivo foi a contratação do arqueólogo municipal Fábio Capela e também a aquisição do terreno onde está localizado o Cerro do Castelo de Alferce, onde está a decorrer um importante trabalho de estudo daquele monumento. Em paralelo, «há todo um programa de recuperação, de sinalização e de criação de rotas», integrado num projeto da Junta de Freguesia de Alferce, comparticipado pelo município. Trata-se «da criação de um percurso pedonal de passadiços e de uma ponte suspensa» por cima do Barranco do Demo, em terreno acidentado de «paredes íngremes de rocha» e que facilitará o acesso ao Cerro da Pedra Branca. Embora não seja numa dimensão comparável com os Passadiços do Paiva, em Arouca, «é um projeto-âncora para atrair mais visitantes. O projeto tem sofrido diversas vicissitudes, mas finalmente temos a dotação financeira», através de fundos europeus do CRESC Algarve 2020. O orçamento total ronda os 400 mil euros. «Tivemos de subir o valor para termos concorrentes» à realização da empreitada. Inclui também a criação de um Centro Interpretativo.
Adelfeira, o novo ex-libris da Foia
Segundo Paulo Alves, autarca de Monchique, uma das prioridades de início de mandato foi salvar o Projeto Life-Relict, que envolve uma parceria entre a Universidade de Évora, o município de Seia e o espanhol Centro de Investigaciones Científicas y Tecnológicas de Extremadura (CICYTEX), que conta com a contribuição financeira do Programa LIFE da União Europeia. Tem a ver com a recuperação da adalfeira, uma planta única em vias de extinção. «Foi preciso pedir aos parceiros para prolongarem prazos, chamá-los ao terreno e mostrar-lhes que tínhamos vontade de o fazer. Neste caso, corríamos também o risco de devolver fundos que já tínhamos recebido, no valor de 150 mil euros».
O projeto foi implementado em terrenos municipais na zona da Cruz da Foia e Vale Largo. «Houve todo um trabalho de limpeza no perímetro que foi vedado por causa dos animais selvagens e do pastoreio», de forma a proteger as plantas. O projeto Life-Relict nasceu para preservar um habitat raro na Europa, dominado por plantas testemunhas das florestas de laurissilva que ocuparam a Península Ibérica em épocas geológicas passadas, quando o clima era tropical. Agora, existe uma pequena rota temática onde é possível observar um adelfeiral, ou seja, um habitat dominado pela adelfeira (Rhododendron ponticum subsp. baeticum). O adelfeiral é considerado muito raro e de elevado valor para a conservação, pois é dominado por espécies relíquias que ali permanecem devido às condições microclimáticas da Serra de Monchique.
Convento no inventário do Programa REVIVE
A aquisição do Convento da Nossa Senhora do Desterro, por parte da Câmara Municipal de Monchique, foi um processo difícil. Foi preciso chegar a acordo com vários proprietários e, de acordo com Paulo Alves, ainda não está concluído na totalidade. «Falta apenas comprar uma pequena parte. Existe um contrato promessa de compra e venda, mas não está fechado. De qualquer forma, já sinalizámos o imóvel» para o inventário do Programa REVIVE, uma iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, Cultura e Finanças, com a colaboração das autarquias e a coordenação do Turismo de Portugal, que pretende colocar no mercado imóveis de interesse histórico ou patrimonial, por norma devolutos e degradados, através do modelo de concessão durante um período de 50 anos. Um modelo que o recém-eleito presidente vê com bons olhos.
«Estamos a falar de um imóvel que nunca foi intervencionado. A Câmara, por si só, não tem meios para o reabilitar. Terá sempre que haver apoios externos. Parece-me uma solução interessante, se aparecer alguém interessado» em investir e dar-lhe uma nova vida. Construído no século XVII (estilo Manuelino), o Convento foi destruído no terramoto de 1 de novembro de 1755, tendo sido reconstruído depois em data desconhecida. Terá sido vendido em hasta pública e comprado por várias pessoas. O socialista Carlos Tuta chegou a comprar duas parcelas, mas nenhuma corresponde ao edificado. Eram terrenos mais abaixo. Existe também um pré-projeto para a criação de uma pousada de luxo, mas continua na gaveta.
Prevenção de risco de incêndios está em marcha
Com o verão e o perigo de novos incêndios florestais a aproximarem-se, «estamos a sensibilizar e a notificar a população para a necessidade da limpeza de terrenos. Posso dizer que assinei à volta de 900 notificações para proprietários confinantes com aglomerados e de casas isoladas. Esse período terminou a 30 de abril. Esperava-se, com estas chuvas tardias que fizeram crescer a vegetação, uma prorrogação do prazo por parte do governo. Tal não aconteceu, mas naturalmente que as pessoas devem continuar a fazer esse trabalho», diz Paulo Alves, presidente da Câmara Municipal de Monchique ao barlavento.
«Temos duas faixas de gestão primária programadas, uma entre Casais e o limite do concelho com Aljezur, na Estrada Nacional 266. Já tinha sido contratada, a empresa recusou-se a fazer e tivemos de lançar novo procedimento. Vamos adjudicá-lo em breve. Na zona de Besteiro há também uma faixa de gestão secundária e contamos também com as intervenções programadas do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Depois, existe todo um trabalho junto dos pontos de água, identificados por nós, para proporcionar um melhor acesso quer dos meios aéreos, quer dos meios terrestres em caso de incêndio. Também vamos lançar a limpeza da berma/valeta. Contamos fazer 100 hectares de limpeza preventiva com ajuda das equipas de sapadores florestais, protocoladas com a ASPAFLOBAL.
Estratégia Local de Habitação estava na gaveta
«Da auditoria que o anterior presidente fez questão de difundir, não encontrámos cá nada a não ser o seu despacho. A Estratégia Local de Habitação, a mesma coisa», critica ao barlavento Paulo Alves, presidente da Câmara Municipal de Monchique. «Fomos nós que a lançámos e está em curso. Devia estar pronta desde 2018 para que agora pudéssemos ter a possibilidade de concorrer ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e também ao programa 1º Direito, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU)». Paulo Alves conta ter o processo concluído muito em breve.