Ambição da Techsalt SA, empresa gestora da Mina de Sal-gema de Loulé, é tornar-se o centro nevrálgico do aspirante geoparque Algarvensis.
«O que gostaria muito é que, num futuro próximo, a mina de Sal-gema pudesse vir a ser a sede do aspirante Geoparque Algarvensis», afirmou ao barlavento Alexandre Andrade, engenheiro e diretor técnico da Mina da Campina de Cima, projetando, assim, uma ideia para o projeto que une os municípios de Albufeira, Loulé e Silves.
E justifica: «a sede ficaria num ex-líbris natural. Temos inúmeras coisas que podemos mostrar e divulgar em termos geológicos e de conhecimento científico. Além disso, este Sal-gema tem mais ou menos a mesma idade» do Metoposaurus algarvensis [227 milhões de anos], a espécie de salamandra gigante com mais de dois metros de comprimento, até agora apenas descoberta neste território, que ocupa um total de 1.381 quilómetros quadrados (km²), cerca de um terço da região do Algarve, e que ambiciona vir a ser reconhecido pela UNESCO.
«A sede não tem de ser o ponto mais visitado, mas penso que deverá ser o mais representativo, o mais emblemático», sublinhou Alexandre Andrade na sexta-feira, dia 8 de abril, data em que foi assinado um protocolo, no âmbito da estratégia nacional de promoção do turismo industrial – um produto diferente, através do qual os turistas podem conhecer empresas em atividade, a sua história, práticas e a importância que têm na economia local.
João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve, considerou que a assinatura do protocolo «consolida a persecução deste objetivo. Há um enquadramento nacional e uma relação bilateral com os promotores de cada projeto. No caso da mina de Sal-gema, já estamos a divulgar e a fazer a promoção online das oportunidades de visita à mina, enquadradas neste designío».
Dito de forma simples, o turismo industrial no Algarve equipara-se um pouco ao turismo de natureza. Até há pouco tempo era visto como um produto residual comparativamente ao foco no sol e mar.
«É isso mesmo. Daí esta nossa tentativa de diversificar a oferta para gerar novas motivações de visita à região. Não podemos deixar de explorar novas oportunidades, por exemplo, na indústria conserveira, onde existe até património musealizado e reconhecido». Mas também nas grandes salinas de Castro Marim e Vila Real de Santo António, e na indústria corticeira, em São Brás de Alportel.
«Já foi feito um levantamento da oferta. Mas não basta. É preciso dar a conhecer o que existe e melhorar as condições de acesso, por exemplo, com guias especializados para cada local», rematou.
A recuperação pós-COVID da vertente turística da mina de Sal-gema está a acontecer de forma gradual, revelou ao barlavento Carlos Caxaria, CEO da Techsalt SA.
«Estamos hoje no ponto em que esperávamos estar em 2020, quando começámos a receber visitas», estimou. O gestor lamenta que a candidatura submetida a fundos europeus (Portugal 2020) tenha sido chumbada pelo Turismo de Portugal.
«A verdade é que gastámos largos milhares de euros a prepará-la, em projetos de arquitetura e outros, e no fim, perdemos devido a questões regulamentares. Mas como este é um projeto que interessa à região, ao Turismo do Algarve e ao concelho de Loulé, o desafio que faço é que nos ajudem a encontrar uma forma» de viabilizar uma nova candidatura no próximo quadro comunitário.
E o que falta? Responde Alexandre Andrade: «a prioridade seria a instalação de uma nova torre no elevador, capaz de transportar 30 pessoas de cada vez de e para o interior da mina», e de viajar ao triplo da velocidade atual [que ronda um metro por segundo]. E também implementar estruturas de apoio à superfície. «Um edifício para acolher o centro de interpretação, a bilheteira e o ponto de venda de merchandising. Um pequeno auditório ou anfiteatro, um outro edifício para cafetaria e zona de exposição complementar», perfazendo um conjunto com vários motivos de interesse para quem não se quiser aventurar na descida à mina, mas que ainda assim, possa desfrutar do espaço.
Um lugar especial para Santa Bárbara, padroeira dos mineiros
No dia em que celebrou o protocolo com o Turismo do Algarve, a mina de Sal-gema de Loulé inaugurou uma exposição de arte, feita de propósito para ser mostrada a 230 metros de profundidade.
O autor é Klaus Zylla, conceituado pintor contemporâneo alemão. O artista de 69 anos não é estranho a Portugal, país que conheceu na juventude após ter visto uma reportagem na televisão, ainda nos tempos da ex-RDA, de onde é natural. E tem um particular interesse na obra de Fernando Pessoa.
Certo dia cruzou-se com Carlos Caxaria e ficaram amigos, muitos anos antes de ambos saberem que o destino os traria à mina da Campina de Cima.
O pintor, que tem o sonho de se mudar para o Algarve com a esposa, aceitou o convite para fazer uma residência criativa da qual resultou uma série de quadros que contam a história de Bárbara de Nicomédia, canonizada santa cristã nas Igreja Católica Romana, Ortodoxa e Anglicana. Santa Bárbara é a padroeira dos artilheiros, mineiros e dos que lidam com fogo (bombeiros), e a protetora contra as tempestades, raios e trovões.
Zylla conta a sua trágica história (morreu degolada pelo pai numa espécie de auto de fé no século III) num estilo muito próprio, de cores fortes e figuras imaginárias.
No dia 24 de junho será inaugurada uma outra exposição permanente, no interior da mina, com o mesmo tema, embora de cariz muito diferente.
«Trata-se de uma série de peças clássicas, algumas muito antigas, provenientes de uma coleção privada de esculturas e pinturas dedicadas a Santa Bárbara. Pertenceu a Fernando de Mello Mendes, professor do Instituto Superior Técnico, que tinha mais de 500 itens. O que aconteceu é que a família decidiu desfazer-se dela. Pensámos em comprá-la, mas não tínhamos dinheiro. Um amigo disponibilizou-se para a adquirir por um preço que acabou por ser aceite» e que rondou os 75 mil euros.
«Algumas peças com valor sentimental ficaram na família, mas o espólio restante ficará aqui exposto, à nossa guarda», disse ao barlavento Carlos Caxaria. A solução expositiva terá campanhas de vidro e acrílico com iluminação especial, um investimento substancial para mais um ponto de interesse e uma forma diferente de ver arte.
Ciência a saber a sal e gelado de chocolate
À primeira vista são quatro mesas simples. Na verdade, é uma sala de aula a 230 metros de profundidade, onde os alunos das escolas algarvias terão oportunidade de realizar experiências físicas, químicas e geológicas. Esta é a nova aposta pedagógica da TechSalt SA, em parceria com o Centro de Ciência Viva do Algarve, de Faro.
Alexandre Andrade, engenheiro geólogo e diretor técnico da mina da Campina de Cima, explica o conceito: «cada turma é dividida ao meio. Um grupo vai ver a exploração mineira enquanto que o outro fica na companhia de dois professores de biologia e geologia. Numa das mesas, através de uma caixa e de um balão, os alunos vão simular uma cúpula de sal», uma formação geológica causada por um fenómeno conhecido como diapirismo, no qual materiais mais leves forçam a sua passagem através dos mais densos.
No final, os estudantes vão fazer gelado instantâneo a partir de leite achocolatado, «porque o gelo com o sal produz uma reação exotérmica incrível e gera uma quantidade enorme de frio», capaz de lhes deixar o doce sabor salgado da ciência na memória. As experiências contam ainda com um suporte multimédia.
Mina quer dar água à autarquia
Um aquífero corre nas camadas superiores da mina da Campina de Cima e por isso, todos os dias, é preciso «desviar» cerca de 75 metros cúbicos (m³) de água para evitar inundações no fundo. Alexandre Andrade, engenheiro geólogo e diretor técnico, explica que «essa água é restituída ao aquífero por via da rede pluvial» da Câmara Municipal de Loulé.
«Há uma galeria a 45 metros de profundidade onde temos algerozes e dois tanques. Quando atingem determinado nível, a água é bombeada para fora». Agora, está em cima da mesa a possibilidade de os serviços municipais utilizarem-na para regas, limpezas de ruas ou outros trabalhos, de forma a poupar a água da rede e, por conseguinte, a água das barragens.
«Sim, essa água é inócua, está como está na natureza. A ideia é instalar um depósito para que a frota municipal possa vir recolhê-la com uma cisterna e transportá-la para o local de utilização. Fazendo as contas ao ano, ainda é alguma água que se poupa». A ideia foi, segundo o engenheiro, bem aceite pelo executivo louletano.
Sal-gema de Loulé filtra produção de JET A-1
Além da aplicação na indústria agroquímica, o Sal-gema de Loulé é agora usado na produção nacional de combustíveis para aviação, como o JET A-1, querosene para turbinas a jato, destinado ao mercado civil. «Se este tipo de combustível tiver humidade, isso significa que poderá congelar, e se isso acontecer, não correrá para os reatores. Portanto, tem de ser filtrado em torres de desumidificação, que o fazem passar por colunas carregadas de sal. Não produzíamos esse sal, pois tem caraterísticas muito específicas. É uma espécie de brita grossa, não solúvel. Ao longo dos últimos seis meses, contudo, conseguimos afinar o processo e já ganhámos esse fornecimento» a uma gasolineira portuguesa, explicou ao barlavento Alexandre Andrade, engenheiro geólogo e diretor técnico da mina da Campina de Cima.
Uma mina única e segura
Questionado sobre a raridade deste tipo de minas, Alexandre Andrade, engenheiro e diretor técnico, explica que «o minério de Sal-gema é o sétimo mais explorado no mundo, daí que se trate de uma matéria-prima barata. O nosso está dentro do universo médio, que ronda os 91 por cento de cloreto de sódio. Este terá cerca de 93,5 por cento. Mas também há outros com 98 a 99 por cento. As estruturas geológicas que temos aqui podem ter similaridades noutros locais, mas cada mina é única».
Em média, as galerias da mina louletana têm nove por 10 metros de largura, ao longo de 40 quilómetros. A temperatura varia entre 20 a 24 graus e os teores de humidade relativa são muito baixos. Há ainda potencial para a haloterapia, pois o ar salino e seco pode ajudar quem sofre de doenças respiratórias, como a asma. A mineração é feita por um processo de desmonte mecânico das rochas através de roçadoras.
«O maciço tem 900 metros de espessura, ainda só temos 130 explorados. Na perspectiva da capacidade máxima que está instalada, se estivéssemos a funcionar ao máximo, teríamos material para mais 3000 anos», estimou. Em termos de topografia, «sabemos cada um dos cruzamentos das galerias com câmaras e sabemos com um rigor interno de dois milímetros (latitude, longitude e profundidade). Se transportarmos isto para as coordenadas nacionais, há uma perda de rigor, com um erro máximo de três centímetros. Sabemos, exatamente, onde estamos», disse.
Outro aspeto a ter em conta é que o coeficiente de segurança sísmica dos pilares de sal é 4,36. «Posso dizer que nas habitações das zonas mais sísmicas de Portugal, o Algarve e Lisboa, é requerível por lei, até 2,3. As barragens vão até 3», concluiu.
Visitas técnicas para o ensino Básico, Secundário e Superior
A mina da Campina de Cima, em Loulé, além de acolher os turistas quatro vezes ao dia, reserva espaço para duas vistas técnicas, de manhã e à tarde, destinadas a alunos de vários graus de ensino desde o Básico, ao Secundário e Universitário (licenciaturas e mestrados). Com uma linguagem adequada a cada público-alvo, um técnico superior da mina guia a visita técnica de forma a enquadarar a matéria que um docente queira consolidar ou aprofundar com os seus estudantes. O percurso poderá ter entre dois a três quilómetros no interior das galerias e uma duração até três horas. Em relação aos conteúdos, é possível abranger com detalhe as áreas da geologia e geodinâmica, exploração de minas, geotecnia, indústria, segurança, gestão, economia, sociologia e política de recurosos minerais.
Esta atividade faz parte do «Roteiro das Minas e Pontos de Interesse Mineiro e Geológico de Portugal», uma iniciativa conjunta da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SA, que conta com 41 entidades parceiras de norte a sul do país e cujo objetivo é promover o conhecimento científico.
Fotos: Nuno de Santos Loureiro e Bruno Filipe Pires.