Vaga de imigração clandestina de Marrocos para o sul de Portugal mostra a fragilidade no controlo costeiro, considera Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF).
Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF), ouvido pelo barlavento, considera que já existe, ao contrário da explicação oficial, uma «rota» traçada para a costa sul do país.
«Quando uma variável se repete por cinco vezes sucessivas, com o mesmo modus operandi, não há dúvida que estamos perante uma evidência. E uma evidência não se nega. Agora, nesta questão, acho que, mais do que haver uma nova rota, temos de dar nota que a fronteira portuguesa e a da União Europeia está sem vigilância porque nas cinco situações recentes não houve nenhuma deteção» prévia.
No caso do núcleo do Farol, na passada semana, «a GNR detetou o grupo de migrantes no café, quando os populares já lhes estavam a dar comida. Portanto, não sei se é falta de pessoal, se é um problema de recursos materiais, mas que o sistema não funciona, não funciona. E envergonha-nos enquanto Estado. Dá-nos uma má imagem e levanta-nos outro problema», critica.
Para o dirigente sindical do SEF, este caso pode ser apenas apenas a ponta de um icebergue.

«Estes são os pobres migrantes que vieram num pequeno barco, sem recursos. Os grandes traficantes possivelmente não são detetados. Não tenho provas, mas perante os indícios e perante os factos, se estes migrantes apenas são detetados pelos pescadores e pelos populares quando chegam à praia, os demais passam ao largo. Só as sardinhas é que são apanhadas, os tubarões não», metaforiza.
Acácio Pereira reconhece que vários destes migrantes, depois de terem sido acolhidos em Portugal, estão agora em parte incerta.
Questionado sobre se representam algum perigo para a sociedade portuguesa, «não tenho informação que me permita dizer se há risco criminal. O que se tem apurado é que se trata de risco migratório. Temos que ter presente que estas comunidades interajudam-se entre si. Têm referências cá, quer para trabalhar, quer para outros efeitos. Quando vêm, entram por esta fronteira porque possivelmente é a mais frágil», diz.
«O objetivo da grande maioria destes indivíduos (mais de 90 por cento), são os restantes países da Europa. Ou seja, nós estamos a ser apenas a porta de entrada», explica.
O presidente do sindicato do SCIF-SEF também viu nas redes sociais as filmagens de telemóvel da chegada dos migrantes à praia do Farol.
«Desembarcaram com mais naturalidade que os pescadores (algarvios). Foi a ideia com que fiquei».
«Alertei para esta situação há cerca de meia dúzia de anos. Estes migrantes vão entrando (em Portugal) à medida que surgem obstáculos noutros lados, vão os contornando. Essa é a regra. Na altura em que disse isso, houve quem olhasse para o lado e considerasse que não eu devia estar a pensar bem. Infelizmente, não me enganei», sublinhou.
Em relação ao discurso oficial que o Estado português está em conversações e contactos com as autoridades marroquinas, Acácio também se mostra cético.
«Todos os diálogos são bons, mas apenas são produtivos aqueles que são consequentes. O Estado português e o Estado marroquino podem estar em conversações há muito tempo, mas não têm dado em nada. O Estado espanhol, aqui ao lado, tem um acordo migratório que lhe permite a readmissão dos indivíduos nestas situações, sem mais burocracias».
Ou seja, no país vizinho, os migrantes são de imediato devolvidos à origem.
«Exatamente. O Estado português não tem esse acordo. E o Estado marroquino, por norma, dificulta a emissão dos documentos aos seus nacionais. Dá a sensação que não os quer de volta. Estou-lhe a dizer com 20 anos de experiência a trabalhar nisto».
Por fim, Acácio Pereira acredita que este «fenómeno», no Algarve, vai continuar a aumentar.
«Há aqui um efeito de chamada. Já tinha havido uma situação, quase há uma dezena de anos, em que os cidadãos chegaram e foram devolvidos. Desta vez, foram recebidos de braços abertos quase a dizer que bem-vindos», ironiza.
A afirmação pode parecer controversa, mas tem uma explicação simples.
«Uma coisa é um refugiado. O Estado português, na sua boa transição humanista, deve continuar a acolher quem tem necessidade de ser acolhido. Outra é um migrante. Temos de ter presente que Marrocos tem população com grande vontade de migrar, e Portugal precisa de migrantes. Essa vinda, contudo, deve ser feita pelos canais legais e não pelos ilegais», distingue.
Por outro lado, não deixa de ser estranha a forma como os migrantes marroquinos têm chegado em embarcações frágeis, sem grandes condições ou meios de navegação de longa distância, e quem está a bordo, na maioria dos casos, não mostra sinais de grande fadiga ou sinais de superexposição aos elementos.
«Na página da Frontex está um vídeo que mostra o modus operandi de algumas situações semelhantes no Mediterrâneo. Como é que isto se processa? Vêm num embarcação maior. Chegados a algumas milhas da costa, os indivíduos são largados nestes pequenos barcos. Estou em crer que esta será uma situação assim. Ou seja, houve o auxílio de alguém em mar alto. Uma travessia desde Marrocos até aqui numa barcaça daquelas não me parece muito viável. Tudo indica que haja algum apoio» à viagem.
Última pergunta: que poderá motivar os migrantes a fazer a travessia, se se arriscam serem repatriados? «A legislação portuguesa permite determinados imbróglios jurídicos para dificultarem esse processo. Alguns estão nessa expetativa. Procuram utilizar todos as subterfúgios para tentarem ficar em território nacional», finaliza.
Desde dezembro último, já foram intercetados pelas autoridades 69 migrantes provenientes do norte de África na região algarvia.