Mário Cruz, vencedor do World Press Photo, mostra o caso do Rio Pasig, em Manila, exemplo de negligência ambiental, no MAR Shopping Algarve.
Mesmo depois de ter passado pelas principais capitais europeias, «Living Among What’s Left Behind» (viver entre o que é deixado para trás, em português) é a primeira exposição enquanto autor na região e também a primeira de sempre em contexto de centro comercial, o que aliás, foi um dos principais motivos que levou Mário Cruz a aceitar a proposta do MAR Shopping Algarve.
A inauguração está agendada para hoje, quinta-feira, dia 9 de fevereiro, às 19h00, com a presença do autor. De forma sucinta, a exposição reúne imagens que o fotojornalista registou, em 2018, da extrema poluição ao longo do Rio Pasig, nas Filipinas. As fotografias dramáticas mostram a acumulação de lixo doméstico e os constantes despejos industriais que transformaram o Pasig num esgoto a céu aberto e as consequências para a população que vive no limiar da pobreza. E vai mais além, porque a mostra é acompanhada por uma instalação artística que reúne resíduos que «poderiam estar no lixo da casa de um de nós», e que «remete para aquilo que encontrei e que existe em Manila».
«Estar em Loulé, para mim é da maior importância. Este é um espaço que, por norma, está rotulado de alguma forma com algum lazer e consumo. Tu vens das lojas, acabas de comprar uma série de coisas e tens um confronto com algo que está distante, mas que também nos diz respeito. Tudo vai parar ao mar. O facto de isto estar aqui é um confronto acima da média. É um gesto ousado» por parte da administração do MAR Shopping Algarve, «mas que dá um passo em frente. E ainda bem que dá, porque isto não pode estar apenas em museus e galerias».
Apesar de esta exposição fotográfica ter sido pensada para vários públicos, «interessa-me mais mostrá-la aos jovens. Existe essa preocupação e temos de tirar melhor partido disso, num espaço onde as pessoas se encontram. Acho que todos vão sair daqui com algo que não estavam à espera», prossegue.
Em conversa com o barlavento, Cruz começa por explicar que «o Rio Pasig foi considerado biologicamente morto na década de 1990 e, desde essa altura, pouco ou nada foi feito. Representa o que normalmente é descrito como um cenário de futuro muito negro. Mas não é um cenário de futuro, é o presente e até o passado de milhares e milhares de famílias».
É «claro que esta exposição tem um carácter ambiental muito definido, mas o meu trabalho passa sempre por questões sociais e temas que ou estão escondidos, ou são ignorados. Neste caso não podemos dizer que é um tema escondido, mas é sem dúvida uma realidade ignorada. Muitas das crianças que se encontram nestas fotografias, os pais já nasceram neste ambiente. Podemos perceber que é um problema geracional e que década após década, milhares de pessoas continuam sem saneamento básico, o que é algo surpreendente tendo em conta o desenvolvimento económico que existe naquele país».
As imagens foram captadas antes da pandemia, em 2018, ao longo de um mês de trabalho de campo. «O tempo que dedico a fotografar é o período que me leva menos tempo. Demoro muito mais a fazer toda a preparação, a conhecer e a falar com as pessoas. Estamos a falar de comunidades que estão completamente isoladas do resto da sociedade. São esquecidas, não têm importância e nem sequer uma voz. A fotografia consegue expor tudo desde a poluição à pobreza extrema, e por isso carrego uma responsabilidade maior», revela, embora o ponto de partida, tenham sido algumas notícias «que davam conta de ondas de lixo que começavam a entrar nas casas das pessoas, mas sem grande contexto».
Ou seja, «estes sistemas são, na minha opinião, retratados de forma muito superficial. Vemos muitas vezes fotografias de rios poluídos ou temos imagens de florestas dizimadas e não conseguimos perceber o impacto que isso tem na vida das pessoas. E aqui, apesar de ser um trabalho ligado ao ambiente, a componente humana assume uma importância maior. Ou pelo menos, de igual proporção. Por isso é que em grande parte das imagens, parece que as próprias pessoas se misturam com a poluição. A mim sempre me interessou a narrativa fotográfica, que mostra as várias dimensões do problema, em vez de resumir tudo numa fotografia», explica.
Na capital das Filipinas vive uma sociedade extremamente desigual, na qual 21,6 por cento da população, segundo dados da Autoridade Filipina de Estatísticas, sobrevive com cerca de 30 dólares por mês. «Ou vivem da separação de lixo, da procura de materiais recicláveis para vender, ou conduzem tuk-tuks, ou vendem alhos. A pesca é tão diminuta que os barcos dos pescadores servem para transportar pessoas e mercadoria. As casas são construídas com os materiais que as pessoas vão encontrando, e que com as chuvas acabam por fazer colapsar para o rio. Infelizmente, o lixo é o maior problema, mas também é a solução, pois de outra forma não teriam como construir», compara.
Uma das fotografias, «mostra o estado a que as coisas chegaram. É possível andar por cima de água devido à densidade do lixo. E mostra as plantas introduzidas pelo governo filipino, que acreditava que iriam fazer desaparecer a poluição. Isto mostra bem a falta de seriedade das políticas», critica.
E as autoridades filipinas estão preocupadas? «Não. A sociedade gostaria de ter outras condições. Estas pessoas nunca tiveram uma casa de banho na vida. Nunca tiveram uma rede de esgotos nem de tratamento de resíduos. Tudo o que produzem vai parar ao rio. Claro que isto não ficou assim apenas devido a estas comunidades. Parte da indústria teve um papel preponderante nas décadas de 1960 e 70. Na altura, houve um grande fluxo migratório. Apesar do desenvolvimento, não houve emprego para todos. O crescimento foi muito desigual. O país desenvolveu-se de forma bastante considerável em termos económicos, mas a verdade é que houve uma camada da sociedade que ficou para trás».
Na inauguração, Mário Cruz estará disponível para falar com o público. «O que cada um tirará desta mostra é sempre imprevisível. Mas tenho a certeza que atravessando este rio, não saímos indiferentes. Depois, o que fazemos com essa indiferença, depende de cada um. Mas o facto, de pelo menos, partilharmos o que vimos com alguém, já é um passo importante».
Sem querer revelar muito sobre o que tem no horizonte, Cruz diz que «sou apenas uma peça em tudo isto. Todas estas pessoas fazem parte do que me permitiram fotografar. Posso dizer que para o ano será publicado um trabalho que comecei há 10 anos. Está relacionado com o facto de em Portugal o Direito à Habitação não ter sido conquistado. Será mostrada nos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Vamos estar todos a celebrar e penso que será importante celebrarmos, mas não devemos esquecer».
A exposição «Living Among What´s Left Behind» poderá ser visitada até 9 de abril, todos os dias das 12h00 às 20h00, no piso 1, junto à zona da restauração.
Neutralidade ambiental é meta para 2030
Para Ana Antunes, Meeting Place Manager do MAR Shopping Algarve, a exposição de Mário Cruz desperta a mensagem «sobre o tratamento que damos aos nossos resíduos, mesmo em países desenvolvidos e o quanto os problemas de outras realidades nos levam a refletir sobre a proximidade desta problemática», sobretudo numa região costeira. «Somos um centro comercial com uma preocupação ambiental e social que tem o objetivo de alcançar a neutralidade ambiental em 2030. Queremos contribuir para vidas mais saudáveis e sustentáveis da comunidade que fazemos parte, por isso, acolhemos esta mostra», destaca.
Fotos: João Lázaro.