MAPS serve centenas de refeições em tempos de pandemia

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Instituição dá de comer a mais de 300 pessoas por dia em Faro, Portimão e Tavira e a procura está a aumentar. Na capital algarvia é a única referência de apoio alimentar diário. Estão aí de novo os (novos) tempos da crise.

As refeições começam a ser servidas às 11 horas da manhã, na sede do Movimento de Apoio à Problemática da Sida (MAPS), em Faro.

Nas últimas duas semanas, desde que os efeitos da pandemia da COVID-19 começaram a bater à porta de muitos algarvios, já daqui saíram milhares de refeições quentes, cabazes alimentares, frutas e água.

Há quem tenha ficado sem qualquer rendimento de um dia para o outro, sem trabalho e sem horizonte para o recuperar ou arranjar um novo.

A situação dos que já estavam em condição vulnerável, agravou-se. Foi isto que levou a direção do MAPS a organizar esta resposta social.

A entrega de comida começou a ser assegurada no dia 19 de março, a cerca de 20 pessoas carenciadas, na delegação de Faro. A procura, contudo, não parou de aumentar e hoje são já cerca de 400.

«Quando surgiu a possibilidade de entrarmos em estado de Emergência nacional, elaborámos o nosso plano de contingência, criámos procedimentos de segurança, estivemos em formação três dias e reunimos a equipa. Percebemos de imediato que já haviam grandes necessidades, porque pediam-nos muito comida. Considerámos que tínhamos de fazer alguma coisa. Foi complicado porque nunca tivemos um sistema de alimentação, mas começámos a fazer contactos para o montar», relata Fábio Simão, presidente do MAPS.

Minutos antes da entrega dos alimentos começar, à porta da sede do MAPS, verificam-se as listas de beneficiários. Todos os dias a lista cresce.

A primeira parceria foi com a Refood, um projeto de voluntários, que todos os dias faz(ia) a recolha de excedentes em supermercados e restaurantes, para entregar a quem mais precisa. No entanto, dada a situação da pandemia da COVID-19, vários núcleos da Refood tiveram que encerrar por tempo indeterminado. Na prática, isto significa que, só em Faro, 108 adultos e 28 crianças ficariam sem apoio alimentar.

Esta situação foi aproveitada pelo MAPS. «Passámos a beneficiar dos excessos de dois supermercados parceiros da Refood e em troca, ficámos responsáveis por dar comida às pessoas que eles ajudavam», conta o presidente ao barlavento.

Não tardou a surgir o efeito «bola de neve», nas palavras de Fábio Simão. Chegaram mais pedidos, os donativos foram aumentando e as parcerias alargadas. Foi assim que acabaram por integrar a iniciativa do chef Rui Silvestre que junta a Makro, grossista que vende produtos para a restauração, com a Rede de Emergência Alimentar, uma resposta criada para a situação atual de epidemia.

«Apercebi-me que cada vez mais existem pessoas em condições precárias, que perderam parcialmente ou a 100 por cento a sua capacidade financeira. Foi assim que decidi entrar em contacto com a empresa e com a Rede», relembra o chef responsável pelo restaurante Vistas, em Vila Nova de Cacela.

A este juntou-se a cozinheira e empresária Noélia, em Tavira, que passou a ficar responsável por cerca de 150 refeições quentes diárias, só para o MAPS, que as vai buscar todos os dias.

Chef Rui Silvestre, fundador da iniciativa «Alimentar a Saúde».

Aos donativos de privados acresceram ainda os protocolos com os concelhos de Faro e de Portimão e a parceria com Loulé, possibilitando ao MAPS ajudar mais de 350 pessoas.

«Temos duas respostas diferentes. Entregamos as refeições quentes que trazemos de Tavira e acrescentamos coisas leves, que dependem sempre dos donativos e do número de pessoas (doces, salgados, fruta, sopa, água e pão). Para quem tem hipótese de cozinhar entregamos ainda um cabaz com alimentos para confecionar, como ovos e legumes», explica Fábio Simão.

Mas a ajuda do MAPS não se finda aqui. Durante a semana há dois horários em que as pessoas podem levantar as refeições tanto na sede em Faro, como na delegação em Portimão.

A equipa da instituição também faz entregas ao domicílio a quem por motivos de saúde, ou de falta de meios, não consiga recolher esta ajuda. É o que acontece, por exemplo, em Loulé. Uma vez que o concelho possui um refeitório social, o MAPS ficou com a responsabilidade de ir lá recolher a alimentação e entregá-la na habitação de cada beneficiário identificado.

Estes serviços, funcionam há pouco mais de 15 dias mas, de acordo com as contas da instituição, os números são já muito significativos. «Demos mais de 2298 refeições completas, 3883 sopas, 4815 refeições ligeiras, 4158 peças de fruta, 1424 águas e 235 cabazes», contabiliza Fábio Simão.

Pessoas de todas as idades

«Quando começámos, só entregávamos refeições a pessoas em situação de sem-abrigo, pois temos muitas referências e muitos encaminhamentos. Mas percebemos logo que havia uma necessidade maior. Sobretudo por parte de pessoas em condições precárias de trabalho e que ficaram sem qualquer apoio. Muitas não têm família que os possa ajudar e estão numa situação de desespero. Infelizmente, não temos capacidade, nem forma de aprofundar muito o atendimento pessoal e psicológico» que segundo o presidente do MAPS, é cada vez mais necessário «neste momento difícil».

Para já, «temos 110 agregados familiares registados. E não só, estamos a falar de pessoas de todas as idades», sublinha.

Estes serviços, funcionam há pouco mais de 15 dias mas, de acordo com as contas da instituição, os números são já muito significativos. «Demos mais de 2298 refeições completas, 3883 sopas, 4815 refeições ligeiras, 4158 peças de fruta, 1424 águas e 235 cabazes», contabiliza Fábio Simão.

Um exemplo. «Um professor universitário sinalizou-nos três jovens estudantes de Erasmus. Estão cá sem qualquer suporte familiar. A cada dois dias vêm buscar apoio alimentar. Fornecemos um cabaz e refeição. Tudo isto tem tido um grande impacto».

Apesar da pouca experiência, a equipa do MAPS, que conta com pouco mais de 20 funcionários, quer levar «a missão» até ao fim.

«Todos nós temos medo. Todos saímos de casa com receio, mas nada nos impede porque sabemos que esta é a nossa missão», admite Fábio Simão.

Na cozinha do MAPS, em Faro, todos os dias há sopa fresca, feita com os frescos excendentários dos supermercados parceiros.

Já para a sua colega de direção, a vice-presidente Elsa Morais Cardoso, trata-se «de um desafio muito grande. Sempre trabalhámos com a população mais carenciada, mas nunca passámos por nada semelhante».

Com resultados tão profícuos, será que o MAPS considera continuar com esta valência no pós-pandemia?

«Isto é um apoio extraordinário, no âmbito da COVID-19 e do estado de Emergência nacional. Não temos condições, nem financiamento para continuar com esta ação. Quando a Refood voltar a operacionalizar, os donativos serão de novo encaminhados para eles. Assim como a parceria com a Makro e os chefs de cozinha. No dia em que terminar, espero que as entidades responsáveis assumam a responsabilidade porque depois do vírus, muito mais irá acontecer e temos de ter consciência que os tempos que se seguem vão ser muito difíceis para todos».

Um dia a dia com 12 horas

Na delegação do Movimento de Apoio à Problemática da Sida (MAPS) em Faro, todos os dias são dias de ação. Não há teletrabalho e a quarentena, ao contrário do suposto, é passada na rua. Neste caso, a ajudar quem mais precisa. Uma equipa de cerca de 20 pessoas assegura refeições a mais de 350.

Segundo o presidente da instituição, Fábio Simão, o dia a dia começa às 8h00 e, muitas vezes, termina já pelas 21h00.

«A primeira parte da equipa chega cedo e começa a preparar os sacos, os alimentos, aquece a sopa, verifica as quantidades e o que falta. Depois começamos a dividir equipas e, às 9h30, chegam mais funcionários que saem para fazer as distribuições de rua às pessoas que vivem longe. A essa hora sai também a carrinha que vai a Tavira buscar as refeições quentes. Ao mesmo tempo, são geridos os donativos. A partir das 11h00 abre o primeiro horário para entrega de refeições e começamos a receber beneficiários».

Entrega dos cabazes em Faro. Apenas a máscara cirúrgica e a parede de acrílico lembra que estes não são os tempos de troika.

«Damos os primeiros cabazes e as refeições. Com isso terminado, e depois de almoço, vamos buscar donativos. Às 15h00 é o segundo horário de entregas de alimentação a outro grupo de beneficiários. Quando termina o atendimento, é ver o que ficou, arrumar, preparar algumas coisas, verificar se é preciso fazer sopa e se sim, fazê-la. Por fim, é deixar tudo preparado para o dia a seguir. Isto de segunda a segunda».

Uma tarefa que nada tem de fácil. «Todos os dias repetimos tudo. Quando chegamos a casa, descalçamo-nos, metemos a roupa num saco de plástico e tomamos banho. É toda uma logística que não é simples. Não tivemos ainda um dia em casa e todos estamos aqui», conclui o presidente.

Um chef com estrela Michelin solidário

Rui Silvestre tornou-se o mais jovem chef português de sempre, a vencer a sua primeira estrela Michelin, com apenas 29 anos de idade. Um feito repetido em 2019, com o restaurante Vistas, em Vila Nova de Cacela, concelho de Vila Real de Santo António.

Já com 15 anos de experiência, o chef, ao aperceber-se da fragilidade que a crise do novo Coronavírus veio trazer, desafiou a sua equipa e a Makro para confecionarem refeições a quem mais precisa, numa iniciativa intitulada «Alimentar a Saúde».

Todos os dias, e há quase um mês que, da sua cozinha, saem cerca de 150 refeições que vão diretas para profissionais de saúde, lares, associações e famílias carenciadas do concelho de Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. De acordo com o que revela ao barlavento, Rui Silvestre conta já com várias ações de solidariedade ao longo da sua carreia.

«Tenho sempre tentado, em certas alturas, ajudar algumas instituições com iniciativas ou eventos». Para este caso específico, «fica a satisfação de poder fazer alguma coisa, de não ficar parado enquanto o mundo se está a desmoronar. Fazemos a nossa parte. Seja muito ou pouco, estamos sempre a ajudar alguém».

No entanto, Noélia Jerónimo deixa a sugestão: «gostava que os cozinheiros e chefs de cozinha do Algarve se juntassem para tentar ajudar instituições. Criar uma espécie de catedral de comida, onde pudéssemos dividi-la com quem mais precisa e que fosse algo que perdurasse no tempo»…

Um anjo de Tavira

Em Cabanas de Tavira, o Restaurante Noélia é um ícone local. A profissional de cozinha, Noélia Jerónimo começou no ramo da hotelaria em 1985. À semelhança dos outros estabelecimentos, também o seu teve de fechar portas com a pandemia da COVID-19. Após uma publicação no Facebook a revelar que estaria disponível para ajudar quem precisasse, recebeu uma chamada do chef Rui Silvestre.

«Ele criou todo este movimento. Comecei a acompanhá-lo e fiquei encarregue pelas refeições com o Movimento de Apoio à Problemática da Sida (MAPS)», explica. Foi assim que se iniciou a parceria com a instituição. Atualmente, são 150 pratos que, de segunda a segunda, a equipa de Faro vai buscar a Tavira.

Noélia Jerónimo na sua cozinha.

«Tentamos fazer sempre receitas diferentes, com aquilo que a Makro nos dá. Muitas vezes repetem os ingredientes e nesse caso temos de ser criativos. São coisas simples, mas é uma cozinha com alma e com sabor. Fazemos muita massa e muito arroz. Inicialmente ainda tivemos linguados e salmão, mas agora já não estão a receber peixe, então mandam mais carne», explica Noélia Jerómimo.

Os dias da profissional passaram a começar às 7h00, no entanto, é um trabalho que compensa, a todos os níveis, como revela: «sempre quis fazer voluntariado aos 50 anos. Deus resolveu chamar-me mais cedo. Acho importante transmitir aos meus funcionários e à minha família, o que é dar, sem receber. Dar, sem ver a cara de quem está do lado de lá. É muito importante darmos aos outros, sermos anjos de outra pessoa. Na vida, temos que funcionar assim, como anjos e não é só numa altura como esta», sublinha.

Por isso, apesar de não existir uma data certa de quando a pandemia irá terminar, a cozinheira tem já certezas. «Quero continuar a ajudar, não sei como, mas vou fazê-lo. Com o MAPS será complicado devido à distância e no verão não terei capacidade para dar conta disso».

No entanto, Noélia Jerónimo deixa a sugestão: «gostava que os cozinheiros e chefs de cozinha do Algarve se juntassem para tentar ajudar instituições. Criar uma espécie de catedral de comida, onde pudéssemos dividi-la com quem mais precisa e que fosse algo que perdurasse no tempo»…