Financiamento europeu a 75 por cento do programa LIFE alavanca projeto da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) de conservação da biodiversidade e território das Ilhas Barreira da Ria Formosa. Iniciativa conta com vários parceiros públicos e privados unidos na proteção das espécies e habitats prioritários até 2023.
«As Ilhas Barreira da Ria Formosa têm um papel fundamental na defesa e do sistema lagunar. Sabemos que existem algumas ameaças à sua sustentabilidade e com este projeto vamos, além de aumentar o conhecimento sobre essas mesmas ameaças, tentar testar medidas para as minimizar e evitar. Vamos perceber qual a ameaça às colónias nidificantes e qual o impacto que algumas espécies têm no ecossistema e na erosão dunar. Além disso, vamos promover ações para reduzir as capturas acidentais de aves marinhas nas artes de pesca e tentar procurar soluções junto aos pescadores», explicou ao barlavento, Joana Andrade, coordenadora do departamento de Conservação Marinha da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e responsável pelo projeto LIFE Ilhas Barreira, apresentado ontem, terça-feira, dia 4 de fevereiro, na Quinta de Marim, em Olhão.
A ideia já estava a ser equacionada desde 2008.
«Nesse ano, a SPEA identificou a área marinha da Ria Formosa como importante para a alimentação das aves. O passo seguinte seria designar esta área como protegida. Nunca chegou a acontecer. O projeto atrasou-se e só recentemente começaram a ser designadas essas zonas. No contexto da Ria Formosa, a informação que existia em 2008 não era muita, mas com a ocupação mais recente da gaivota-de-audouin, uma espécie protegida, temos a perceção que a área marinha é muito importante», revelou a responsável.
Em 2018, dez anos mais tarde, a vontade começou a ganhar forma através de uma candidatura ao programa europeu LIFE, que disponibiliza fundos para a conservação da natureza e da biodiversidade.
No ano seguinte, foram dados os primeiros passos. Foram identificadas as espécies alvo (gaivota-de-audouin, chilreta, pardela-balear e dunas cinzentas), delimitou-se a área de intervenção (de Faro a Vila Real de Santo António) e definiram-se parceiros, quer público, quer privados.
Durante a apresentação oficial, no Centro de Educação Ambiental de Marim, em Olhão, Joana Andrade enumerou o que justifica levar a bom porto um projeto com esta envergadura: «conhecimento insuficiente, pressão turística, predação das aves marinhas por mamíferos invasores, captura acidental, insuficiência na proteção legal da área marinha, a redução dunar e o recuo da linha de costa».
Nesse sentido, as ações planeadas vão por várias vertentes, desde a avaliação do território, educação ambiental nas escolas e sensibilização de veraneantes (nacionais e turistas) e vão decorrer até 2023.
As atividades a desenvolver no âmbito do LIFE Ilhas Barreira terão também objetivos bem definidos como a «recuperação de habitats; minimização da perturbação humana nas áreas de nidificação; censos marinhos, análises com dispositivos eletrónicos; avaliação de interação com pescas; promoção de valores naturais e sensibilização de visitantes, além da melhoria na fiscalização» de quem intervém neste território sensível.
No fundo, o projeto aposta numa forte componente educacional, sendo que todas as escolas dos cinco municípios que partilham a Ria Formosa terão mais de 400 atividades.
Para o restante público, «vamos promover atividades de observação de aves e natureza, eventos para pôr cidadãos a registar a biodiversidade, além de iniciativas de limpeza na Deserta». Já os operadores marítimo-turísticos, vão poder contar com «ações de formação e de sensibilização de boas práticas», garantiu a coordenadora.
Ainda de acordo com Andrade, no final do projeto, todo o conhecimento adquirido será compilado «em formato de relatórios, artigos científicos e brochuras para vários públicos como municípios e gestão de resíduos. Vamos ainda produzir dois relatórios finais, um mais técnico e denso e outro mais para leigos», previu.
Um parceiro importante será o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Joaquim Castelão Rodrigues, diretor regional do ICNF no Algarve, explicou que este projeto de salvaguarda tem uma importância especial, uma vez que «será feito numa zona delicada e sensível, onde um grande número de turistas entra em conflito com a preservação das espécies».
Castelão Rodrigues deu como o exemplo a intervenção realizada na época balnear passada na Ilha de Faro, «onde tivemos de colocar cartazes para alertar as pessoas para não importunarem as chilretas na nidificação».
Além da ameaça humana, o diretor revelou ao barlavento que também as alterações climáticas são motivo de preocupação.
«Primeiro porque têm vindo a afetar a dinâmica da costa, e depois porque na área marinha já aparecem peixes diferentes dos que cá habitavam, espécies de climas mais quentes do Norte de África», disse.
Por fim, o diretor do ICNF no Algarve não escondeu algum otimismo e até expetativas em relação ao projeto LIFE Ilhas Barreira.
«Que venha ao encontro daquilo que é o plano de ordenamento da Ria Formosa, e que possa valorizar e conservar a biodiversidade aqui existente. Espero que venha a ser mais contributo para a utilização cuidadosa de todos estes espaços», desejou.
As Ilhas Barreira são um conjunto de cinco ilhas (Barreta (ou Deserta), Culatra, Armona, Tavira e Cabanas) e 2 penínsulas (Ancão e Cacela) que, como o nome indica, formam uma barreira entre o mar e a Ria Formosa.
O orçamento do projeto ronda os dois milhões e meio de euros, sendo financiado a 75 por cento pelos fundos europeus do programa LIFE. Os outros 25 por cento, cerca de 350 mil euros, serão «investimentos dos parceiros», para cobrir a totalidade do orçamento.
Em breve será também lançado o website do projeto LIFE Ilhas Barreira, onde serão divulgadas todas as iniciativas, que devem arrancar já em março.
Parceiros envolvidos
Até 2023, a SPEA conta com a Animaris; Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve (UAlg); Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da UAlg; MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Coimbra; RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Vão unir-se com a missão de conservar os habitats e as espécies mais sensíveis das Ilhas Barreira da Ria Formosa.
RIAS sensibilizará milhares de alunos
O RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens será um dos parceiros do projeto LIFE Ilhas Barreira. De acordo com a bióloga e responsável Fábia Azevedo, o objetivo é melhorar capacidade de resposta com «formação de técnicos e trabalhos na infraestrutura e um aumento de 20 por cento na taxa de recuperação de aves marinhas».
Além disso, a coordenadora do Centro estimou que cerca de 20 mil alunos serão sensibilizados para a temática da salvaguarda das aves marinhas.
Animaris fica responsável pelo suporte logístico
A empresa de Turismo de Natureza que explora os barcos que fazem o transporte de Faro para a Ilha Deserta, Animaris, também se associou.
Segundo a coordenadora Marta Vargas, fica responsável pelo transporte das equipas e suporte logístico. Em termos de ações práticas será feita a «recuperação e requalificação da passadeira desde o molhe da barra Faro-Olhão até ao Cabo de Santa Maria; a colocação de placas informativas ao longo dos trilhos nas ilhas e dinamização de ações semestrais de limpezas na Deserta».
CCMAR foca-se na pesca e nas capturas ilegais
O Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve (UAlg) é um dos agentes preponderantes. O foco serão as artes de pesca e a captura acidental de aves marinhas, como referiu Jorge Gonçalves.
«Serão realizados inquéritos nos principais portos de pesca e serão feitas observações a bordo de embarcação com o objetivo de se caracterizarem as áreas e de se avaliarem as interações. Vamos promover medidas de mitigação e de boas práticas através de reuniões com partes interessadas», revelou.
Espera-se assim que «30 por cento da frota alvo de redes fixas e 100 por cento da frota de cerco sejam monitorizadas, que as medidas de mitigação sejam implementadas em cerca de 50 por cento da frota e que seja desenvolvido um guia de boas práticas para pescadores», concluiu.
Dunas a cargo do CIMA
«Após ações de avaliação nas dunas da Ilha Deserta detetaram-se áreas sem vegetação e locais com pisoteio [humano]. Vamos agora determinar o impacto da gaivota-de-patas-amarelas nas dunas e o seu contributo para a perda de vegetação e alterações de morfologia. Procederemos à instalação de áreas de exclusão para essa espécie de forma a protegermos o seu habitat.
Por fim, através de drones, GPS e análise direta do terreno, avaliaremos as medidas de conservação para a recuperação do habitat dunar e de controlo de plantas invasoras.
Já com os Cursos de Verão na UAlg vamos organizar palestras sobre as temáticas e para o público», revelou Óscar Ferreira, professor do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve (UAlg).
Universidade de Coimbra também presente
O Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Universidade de Coimbra ruma até ao Algarve para se juntar ao projeto. Jaime Ramos mostrou que o objetivo daquela entidade estará focado a 100 por cento nas aves marinhas.
Em relação à chilreta será «determinado o sucesso reprodutor. Além disso vai ser avaliado o impacto das gaivotas. Os ninhos serão marcados e haverá armadilhagem fotográfica. Por fim, será criada sinalética para evitar impactos do turismo no sucesso reprodutor».
No que toca às gaivotas-de-patas-amarelas «vamos perceber quais os impactos que têm na vegetação dunar e quais os impactos dessa espécie nas gaivotas-de-audouin. Serão ainda feitos estudos de dieta e ecologia», terminou.